Posted by : CanasOminous Mar 9, 2012

Alguns fatos se amarram em nossa mente e nos sufocam com cada lembrança do passado que se faz presente. Cada dia que corrói nossa memória, aqueles minutos que mais pareciam horas de insônia em busca de um sono profundo e calmo que jamais chegava. Às vezes ignoramos os fatos que ocorrem ao nosso redor, mas eles estão aí, sempre se fazem presentes. Às vezes me pergunto por que algumas lembranças ruins nunca podem ser esquecidas.
Eu posso tentar não me prender no passado, mas é inevitável. Há momentos que ele nos cerca e parece que pensamos somente naquilo, mas no fundo eu acredito que tudo tenha tido um motivo. Nada acontece por acaso, basta que haja paciência, é como a criação de uma partitura e os treinos para que a música atinja a nota perfeita. Apesar de todas as controvérsias em minha vida eu ainda acredito que tudo teve um motivo, minha vida pode não ter sido um mar de rosas, mas isso me fez acreditar desde então que até uma rosa pode nascer do concreto.

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O sol brilhava forte atingindo as mais profundas águas do oceano turbulento daquela região, a brisa se rastejava pelo manto sereno que era domado por véu azul escuro de suas terras inóspitas. Ondas batiam com força na proa do barco de transporte que  levava cerca de trinta pessoas para o continente de Sinnoh. A cidade portuária de Canalave era marcada por suas visitas de outros continentes, e naquele dia, uma singela família de Hoenn havia feito suas malas para começar uma vida nova. O pequeno meio de transporte atracou em um cais em meio à multidão de pessoas e centenas de outros barcos, desde os mais pequenos até os mais gigantescos e luxuosos cruzeiros na costa. Todos desciam com pressa, todos movidos à corriqueira rotina da vida.
Um homem de aparência saudável ia na frente carregando várias malas, ao seu lado, um dinossauro metálico carregava todo o resto com sua armadura de ferro. Os Lairons eram raros na região, mas o movimento era tão intenso que a criatura passava despercebida em meio ao tumulto. O homem tinha barba, vestia suspensórios e usava uma pequena boina marrom em sua cabeça. Ao seu lado descia uma mulher de longos cabelos negros, ela usava um vestido e em uma de suas mãos segurava uma criança que observava tudo aquilo com enorme admiração..
— Ainda estamos longe? — perguntou a garotinha.
— Acabamos de chegar em Sinnoh, minha querida, você lembra daqui? Foi nessa região que você nasceu, estamos voltando para Sandgem. — sorriu a mulher, ajeitando os finos cabelos da criança no seu colo.
— Eu queria ficar com meus amigos em Dewford, não queria mudar de casa. — respondeu a pequena entristecida.
— Mas é para o bem do papai, ele precisa estar se mudando por causa das pesquisas que ele faz. Você não gosta das pesquisas?
— Não, o papai nunca fica do nosso lado por causa delas. — disse a criança, encostando sua cansada cabeça no ombro da mãe que a acariciou até que ela adormecesse.

A mãe da menina carregava apenas algumas sacolas, deixando todo o resto para que o marido e seu Pokémon as carregasse com muito esforço. Eles fizeram seu caminho até o Centro Pokémon e lá permaneceram. Estava muito movimentado, e por sinal, quase não haveriam quartos para hospedagem de treinadores, uma vez que a temporada de forasteiros e estrangeiros começara naquela mesma semana. O homem andou em direção do balcão e reservou um pequeno quarto nos fundos, o suficiente para que eles passassem uma noite e na manhã seguinte irem até Sandgem. 
O casal seguiu em direção do quarto e se deparou com uma velha porta de madeira velha. O Pai empurrou a chave para que ela abrisse, finalmente dando passagem até o um quarto antigo, mas muito bem ajeitado para visitantes com pouco poder aquisitivo. O homem andou até a cama, e depois de deixar as malas pôde finalmente sentar-se e descansar seus pés. Ele retirou sua boina e limpou o suor que era quase escondido pelo forte frio que fazia, um clima extremamente diferente de Hoenn.
A moça deitou a criança na cama de casal do quarto e em seguida aproximou-se de seu marido, dando um suave beijo em seu rosto, acariciando suas bochechas ásperas.
— Nossa Dawn, nossa menininha... — disse o homem.
— Querido, ela ficou triste por deixar a cidade e a os escolinha dela, mas sei que ela vai se recuperar aqui. Sandgem é pouco movimentada, mas acho que ela poderá encontrar alguém que a faça companhia. Ela ainda reclama de ser muito sozinha.
O homem soltou um longo suspiro após sentar-se numa poltrona de tecido escuro.
— Eu não acredito que terei tempo para ser mais presente ao lado dela, mas Dawn vai se adaptar, tenho certeza disto. — respondeu ele.
O casal terminou de desarrumar suas malas, e após se trocarem para dormir finalmente adormeceram naquele pequeno cômodo. A noite se estendeu por poucas horas de descanso, mas o suficiente para que eles pudessem estar de pé logo na manhã para recomeçarem sua viagem. A menina Dawn ainda estava sonolenta, ela esfregava seus olhos enquanto tinha um ursinho de um Mudkip abraçado em meio aos seus braços. Depois que a mãe terminou de arrumar o quarto, eles desceram as escadas e saíram do Centro de Canalave.
Dawn andava de mãos dadas com sua mãe que passava às pressas ao lado de várias lojas de brinquedos na cidade. A garotinha parecia encantada, mas em momento algum pediu alguma coisa, pois sabia que não ganharia. Ela já estava acostumada, nunca recebia presentes de seus pais que lutavam para manter as contas pagas e ter dinheiro para alimentar a família. O caminhar apressado de sua mãe fez com que ela nem tivesse muito tempo para ver os detalhes, mas logo seus pais pararam de correr assim que chegaram à uma fila de barcos que levava à Jubilife.

Dawn encostou suas pequenas mãos no vidro de uma loja quando pôde ouvir uma certa melodia, podia ver uma sombra no escuro e muitos outros artefatos que nunca vira em sua frente, mas era a música que importava, aquele suave som que ecoava em seus ouvidos. A menina virou-se para sua mãe e perguntou:
— O que é isso?
— É um piano, querida. Os músicos o tocam, é de lá que está saindo o som.
Dawn não costumava pedir muitas coisas, mas naquele momento sentiu um pequeno desejo de implorar por algo. O formato daquilo lhe era curioso, e na pacata ilha de Dewford com certeza não haveriam pianos à venda. Ela não conhecia muito bem o mundo a fora, e se limitava a ver tudo que sabia pela televisão que já não era presente em sua casa, só sendo encontrada no Centro Pokémon da ilha.
— Eu queria um piano. — disse Dawn, puxando a saia da mãe.
A mulher deu um sorriso descontraído como alguém que nem sequer ouvira o pedido. Pianos eram absurdamente caros, especialmente o de calda. A mulher simplesmente segurou a mão de sua filha que permanecia a tentar olhar para trás com o intuito de ouvir a canção, embora ela fosse aos poucos desaparecendo de sua mente. 
O pai havia acabado sem os passaportes. Ele não havia conseguido os ingressos de barco para Jubilife, pois uma forte chuva se faria presente logo. Aparentemente, eles teriam que esperar algumas horas, ou talvez um dia inteiro, pois as passagens se esgotavam rápido.
— Preciso encontrar o Professor Rowan na noite de hoje, não podemos atrasar. — disse o pai enfurecido, sem saber o que fazer, embora sua mulher mantivesse a calma e paciência com o marido que demonstrava seu descontentamento com o cenho franzido.
— Não podemos fazer nada, ligue para o Professor e diga que irá atrasar-se. — disse a esposa.
— Não posso, isso é muito importante para mim. Preciso dar um jeito.
O pai se distanciou novamente, e agora apenas mãe e filha permaneciam ao lado uma da outra. A mulher retirou um pente e começou a pentear os longos cabelos negros de Dawn, que apreciava aquilo e quase adormecia quando lhe mexiam na cabeça.
— Sinnoh é a região da mamãe, querida, sabe o Leafeon e a Glaceon? Eles vieram daqui. — disse a mulher, vendo um olhar de fascínio nos olhos da criança.
— Mamãe é a melhor coordenadora do mundo. Eu não quero ser pesquisadora, quero ser coordenadora. — retrucou a menina.
— Então não conte isso para o seu pai, é segredinho nosso. — disse a mulher apontando seu indicador nos lábios da menina que sorriu a abraçou-a na sequência.
As duas se divertiram por uma hora, tempo até que o velho homem regrasse com sucesso. Dawn se deliciava com um algodão doce que ganhara, mas assim que seu pai chegou ele logo puxou pela mão das  duas indicando para que corressem. Ele havia conseguido um barco para Jubilife, a mãe de Dawn pegou sua filha e seguiu seu marido. Eles logo se depararam com um sujeito de aparência esquisita, tinha poucos cabelos na cabeça, e os que restavam tinha uma coloração muito branca e suja. Em seu rosto aquele velho tinha uma expressão de deboche e desleixo, e por incrível que parecesse, ele era o capitão. Estavam outras sete pessoas para pegar aquele barco, que por sinal, caía aos pedaços. A proa estava machucada na parte metálica, e o motor ainda estava sendo testado para ver se aguentaria o número em excesso de passageiros. A mulher encostou seu rosto no ombro do marido e perguntou:
— É seguro?
— É o único jeito.

Os dois entraram no barco na companhia dos outros tripulantes, no momento em que Dawn colocou suas curtas perninhas o velho que guiava o barco se aproximou da criança e rangeu seus dentes amarelados com um sorriso malicioso.
— Que menina bonitinha.
A mãe de Dawn abraçou sua filha demonstrando claramente o intuito de protegê-la. O capitão soltou uma longa risada sinistra, e assim ligou o motor. Seria menos de uma hora até que chegassem à Jubilife, porém, o mar não estava calmo. A área não era marcada pela presença de Sharpedos ou qualquer criatura aquática dos tempos antigos, mas o mar é traiçoeiro, e nunca se pode brincar com suas águas em seus momentos de fúria.
O barquinho parecia quase virar. O pai de Dawn segurava sua esposa para que ela não fosse praticamente levada pelo forte vento que se formava nas redondezas. Dawn estava protegida por cobertores para que a água fria não a atingisse. Os outros sete tripulantes também se esquentavam entre si por conta dos respingos gélidos do mar, e para piorar a situação, havia começado a chover. O capitão do navio ainda ria de forma cômica enquanto enfrentava a tempestade, até que um sujeito bem moço levantou-se e perguntou para ele.
— O mar está turbulento, é seguro continuar? — perguntou.
— Conheço essas águas há vinte e seis anos, meu bom rapaz. Uma chuva fraca não vai derrubar o velho Steamboat.
— Mas temos uma criança à bordo. — respondeu o rapaz.
O capitão não deu bola, mas o moço optou por sentar-se e permanecer em silêncio. Dawn o fitava com seus olhos assustados e as bochechas apertadas, o rapaz olhou em direção de sua mãe e sorriu de modo amigável.
— De onde são?
— Hoenn. — disse a mulher.
O rapaz assentiu com a cabeça, como se não soubesse exatamente onde aquele continente se situava. Ele não parecia ser muito instruído, e de fato, lembrava mais aqueles mochileiros que viajam pelo mundo todo sobrevivendo de doações e de almoços caridosos, mas ainda assim, aparentava ser um bom moço.
— Meu nome é Dean, estou procurando maiores oportunidades em Jubilife. Cidade grande, centro das oportunidades, gente rica com dinheiro de sobra, sabe como é. Garantir um bom almoço por semana. — disse ele.
A mãe de Dawn sorriu. Não tinha necessidade de passar por aquela situação, mas temia que se os negócios de seu marido não dessem certo com o Professor Rowan em Sandgem, então eles teriam risco de se juntar à Dean em sua rotina de pobreza.
A conversa cessou no momento em que o forte clarão de um raio surgiu, seguido do estrondo de um trovão que assustou a pequena menina no colo de sua mãe. Dean também parecia assustado, o sujeito se encolhia em seu canto no barco, sorrindo de forma sem graça e olhando para os outros à sua volta.
— O mar está violento. — disse ele.
As águas pareciam ficar cada vez mais furiosas, e agora eles já se aproximavam da metade do caminho. O capitão continuava seguindo com seu barco, porém, a rota foi interrompida quando o motor parou de funcionar. O velho homem olhou para seus tripulantes e acenou com as mãos como se dissesse: Não se preocupem, tudo está sob controle. Mas era óbvio que era uma mentira. Passaram-se alguns minutos e assim os finos pingos se tornaram canivetes que cortavam o céu e molhavam a todos os tripulantes que nem mesmo tinham onde se esconder.
O capitão retirou uma garrafa envolta em um saco plástico do seu lado, e a bebeu, e assim, voltou a arrumar o motor. Dean, que tinha conhecimento daquilo, imediatamente tomou consciência do que acontecia.
— Aquilo é bebida alcoólica. — afirmou ele em silêncio, tentando não causar muito alvoroço entre os tripulantes.
Dean saltou de seu banco e empurrou o capitão ao lado, que ainda se enrolava com os fios do motor do bote. O capitão ria como se já não soubesse o que fazia. Dean puxou a corda cinco vezes, mas dessa vez, o motor funcionou. Apesar de vagabundear na rua e implorar por comida, aquele sujeito parecia saber como tratar de motores. Ele imediatamente tomou mão do equipamento e assumiu o bote.
— Vamos voltar para Canalave. Não dá para chegar em Jubilife com o motor assim e a chuva piorando. O barco vai afundar. — disse Dean.
O velho capitão levantou-se e segurou na gola do sujeito, encarando-o com seus olhos desnorteados, os lábios enrugados, e um olhar enlouquecido de quem já não tinha noção do que fazia.
— Ninguém assume o comando do meu navio sem que eu dê a ordem. — gritou o capitão.
Dean era um sujeito magro e de músculos definidos, mas aquele capitão tinha ombros enormes e braços de gigantes. As tatuagens do capitão se tornavam evidentes com o vento que batia no bote, e assim, outros tripulantes se levantaram para encerrar a briga, inclusive o pai de Dawn. O navio se desequilibrou, de um lado as mulheres, e do outro, todos os homens. Uma onda de três metros foi o suficiente para que o barco se desequilibrasse e virasse por completo.
Dawn gritou com o susto. Tinha os olhos esbugalhados mas não conseguia enxergar nada ao seu redor pelas ondas que caíam em seu rosto molhado. Ela sabia nadar na época, afinal, morava numa cidade litorânea. mas o susto fora tão grande que ela não tivera nem mesmo tempo de se apoiar em nada. Seu pensamento se concentrava em salvar sua própria vida e procurar por seus pais. Aquilo serviu para que a criança nunca mais tentasse repetir tal ato, e desde então, Dawn nunca mais ousou entrar nas águas frias do mar.
Um sujeito abraçou a menina parecendo protegê-la, Dawn pensou ser sua mãe, mas tinha mãos marcadas e com calos, o cabelo curto e castanho caia sobre o rosto daquele sujeito que claramente não era sua mãe. Dawn se afogava, não conseguia ver onde estava mais ninguém, exceto pelo bote que agora já desaparecia em meio à tempestade. Mais um clarão se tornou evidente, mas agora, a euforia havia tomado a criança até que ela desmaiasse.

• • •

Dawn estava na praia quando acordou, e ainda estava muito escuro. Ela jazia em cima do mesmo cobertor que sua mãe a protegera no barco, mas não havia sinal algum de uma pessoa. Dawn se levantou cansada, e após cuspir um pouco de água olhou a sua volta. Seus olhos estavam incomodados pela quantidade de sal, e seus lábios ressecados. Ela sentou-se de joelhos na areia e olhou ao seu redor. Fazia muito frio, e o único consolo que tinha era seu cobertor amarronzado, encharcado e sujo pela areia. A garota olhou para seus lados e não pôde ver ninguém, sussurrando com as forças que lhe restavam.
— Papai? Mamãe?
Ela se levantou e começou a correr na praia. Seu vestido estava todo desbotoado, seus cabelos negros caiam sobre os ombros e escorriam como as lágrimas que caíam em seu rosto. Ela continuou correndo pela praia até tropeçar e cair na areia, torcendo seu tornozelo. Ela chorou, e chorou, mas ninguém ouviu. Dawn se encolheu em seu canto e tentou voltar para onde estava o cobertor, era o único consolo que tinha, tornando a gritar quando teve as chances.
— Papai, Mamãe? Cadê vocês?
Gritou até sua voz desaparecer, correu pela praia sem sair do mesmo lugar por não saber onde estava. Pensava estar em Dewford, em sua cidade antiga, mas não era. Agora Sinnoh parecia ser um verdadeiro pesadelo. 
A menina só parou de gritar quando avistou uma pequena mochila já conhecida aproximar-se da praia. A criança se aproximou, mas já estava aberta e vazia, o mar havia levado todas suas últimas lembranças. Ela continuou checando com esperança de reencontrar algo que era seu, e talvez as águas do oceano tivessem sido gentia com a pequena naquele ponto, algo estava preso pelo zíper na parte da frente da mochila. Lá estava seu Mudkip de pelúcia, a garota o abraçou com enorme força, pois o reconheceria onde quer que fosse.
— Mamãe... — suspirou ela com as lágrimas que continuavam a cair em seu rosto.

Dawn era apenas uma garota de dez anos, dependia muito de seus pais, e não tinha nem ideia de onde estava. A garota se encolheu em seu cobertor e apertou o Mudkip, mas por fim, decidiu voltar a andar. Ela queria levar o cobertor consigo, mas ele estava muito pesado e sujo, e com muito pesar o abandonou na beira da praia. Caminhou sozinha com seu Mudkip, para dentro de uma área gramada onde as luzes tomavam-na como guia.
Siga as luzes. — Pensava a pequena garotinha perdida. 
Ela continuou andando até entrar numa área muito escura de uma cidade. Dawn era envergonhada, e por isso não teria coragem de conversar com quem quer que fosse para pedir informação. Já era muito tarde, e nenhuma estrela no céu era capaz de guiá-la. Era por volta das três da manhã, e fazia frio. Ninguém passava nas ruas. Não fazia nem mesmo ideia de onde estivesse, mas uma placa lá no alto fora o suficiente para que se localizasse.

“Bem vindo à Jubilife, a Cidade dos Sonhos”.

Perífrase ridícula, aquilo estava mais para um pesadelo. Não que fosse atrapalhar em algo, mas ela já estava feliz por ter ouvido um nome familiar. Seus pais disseram estar indo para o Jubilife, e por isso, Dawn poderia  encontrá-los de alguma maneira. Caminhou até que seus pés cansassem, e o cansaço aos poucos a dominasse. Dawn se sentou na praça e esperou qualquer pessoa no local, mas não havia ninguém. O sereno começou a cobrir a cabeça já úmida de seu ursinho de pelúcia, a criança ainda tinha os olhos marcados pelas lágrimas, e estava muito cansada.
A garota chamou pelo homem na rua, sua voz era fina e ecoava com dificuldade na noite gélida daquela cidade, que quase não era ouvida. Ela esticava os braços machucados pelo frio e pelas pedras; ela continuava sentada debaixo de uma árvore coberta por pequenos flocos de água congelada, em um pequeno banco da praça, que era molhado pelo sereno da noite. 
Dawn abraçava seus próprios joelhos na tentativa de se aquecer e sobreviver à noite cega, ela escondia sua pequena cabeça entre os braços, enquanto o vento batia nela com vontade de arrancar-lhe a vida. Sua feição era pálida, seus pequenos olhos estavam cobertos por lágrimas de angustia, seus belos lábios de menina estavam ressecados e sem brilho, e mal podiam se mexer para ressoar um grito de ajuda, os finos fios de cabelo recaiam sobre sua face delicada, mas tristonha. A noite estava chuvosa, parecia que chorava com a cena que se alastrava sobre a terra, o céu era dominado pelo véu negro enquanto as pequenas gotas da chuva podiam ser vistas recaindo pela fraca iluminação das ruas.
— Senhor, você pode me ajudar? — disse a garota com dificuldade direcionando-se ao homem que passava em sua frente — Está frio, e não tenho onde dormir. Há algum lugar onde você possa me indicar?
O homem a fitou com desprezo e continuou seu rumo sem olhar para trás. Fingia que não podia ouvi-la. Manteve-se em silêncio e atravessou a rua. Ele parecia constrangido por encontrar-se em uma situação como aquela, mas a pequena garota continuava sentada no banco junto da solidão e suas lágrimas. Seus pés estavam machucados pelo tempo, ela não conseguia caminhar, mas continuava tentando.  A paisagem sempre era a mesma, sem vida ou alegria, apenas tristonha e malévola. A menina deitou-se lentamente sobre o mármore frio em frente a uma casa que havia encontrado e esperou que o sono chegasse, seus olhos continuavam encharcados de lágrimas que teimavam em não cessar em seu pequeno rosto gélido. 

• • •

Sinto pena daqueles ao meu redor, pena de não poder ajudá-los mesmo que o destino tenha sido tão generoso comigo. Quando o frio toma minhas mãos eu posso me aquecer, mas nem todos têm essa oportunidade. Essa vida me choca, fatos que acontecem e fingimos que não vemos. 
Há momentos em que ainda sinto aquele velho me puxando para o fundo do mar com os dentes amarelados e aquele sorriso tenebroso, dizendo: "Que menina bonitinha". Mas nesses momentos acordo e me livro desse passado fúnebre. Devo dizer que o destino me ajudou, uma força maior que dizia que ainda não era minha hora. Quero mudar o mundo, mas como mudar se estou sozinha? Talvez essa seja apenas mais uma ideia boba de adolescente, um sonho passageiro, mas meus últimos sonhos não têm sido transitórios, vivo com eles cada dia. Talvez seja cedo demais para querer mudar o mundo se não conseguimos mudar nem a nós mesmos.

{ 15 comments... read them below or Comment }

  1. canas porque você me fez chorar nesse capitulo eim?????

    nossa cara achei muito triste isso senti pena dela coitadinha,o maldito do pai dela tinha que fazer aquilo.....bá mas que horror...e aquele capitão tambem bá senti ódio deles,e a coitadinha queria se tornar uma cordenadora,esse capitulo foi muito triste,a garotinha com seu pelucia mudkip sentindo frio sem ajuda nenhuma coitada da dawn,snif,snif,snif, :(

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  2. Eu não chorei nesse capitúlo... Pensei que ia desabar em lágrimas, até ficar completamente desidratado e morrer. Não que o cap tenha ficado ruim.
    O capitúlo foi longo, mas pareceu ainda maior com toda essa triste e deprimente história da Dawn. Eu já comentei não gostar de drama, mas o passado da Dawn me facina, adoro histórias sobre órfãos.
    Canas, por que a Dawn? Porque? Ela não merece tamnha tristeza... Mas se não fosse porisso ela não teria essa grande participação na história.
    Mas e a pelúcia de Mudkip, o que acontecerá? E o Dean, ele vai voltar? E esse capitão vão encontra-lo no reverse world?
    A e canas parabéns pelo ótimo capitulo e a propósito agora eu entendi que os capitúlos foram enspirados em orquestas e não em ritmos músicais...
    De Dezinovés

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  3. É uma das primeiras vezes que uma história me arranca lágrimas, só de imaginar que a Dawnn sofreu tanto, voce até se cala e pensa que reclama por coisas futeis. :(

    Refletiva, e muita tragédia ! A infancia de Dawn promete muito sofrimento.

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  4. Poxa Canas! Para de maltratar a Dawn seu coiso!

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  5. o anonimo ai /\ é coisa nao coiso :\
    Cara o cap foi ótimo, muita trama e drama
    o único ep. que mi tiro lagrima foi o da selena
    mas nao foi a única vez que vc mi tiro lagrima
    onte-ontem eu li a BL de cima pra baixo e vc mi tiro lagrima 7 veses(2 foi pra valer, quando ela quase mato o coitado e quando ela quase morrééú)(tava dando de Tiririca)

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  6. Whatever, whatever, coisa ou coiso, acho que coiso fica até mais engraçado kkk Vish, o capítulo mó triste e eu fazendo gracinha aqui ._. Olha Anônimo, você ainda tem quatro partes desse especial para ver a Dawn sofrer, mas de fato, acho que esse é o pior. Isso que ela ainda não sabe que os pais morreram, imagina como serão os próximos então kk

    Eae Moltres! Cara, fazer alguém chorar só na primeira parte desse especial não estava em meus planos, afinal, ainda tenho quatro outras para esquentar o clima. O especial da Elite tem um enredo mil vezes melhor, mas acho que o cotidiano que Sadnesse Orchestra mostra acaba se tornando mais triste. Rapaz, e que bom que você curtiu Burning Love, infelizmente não vou poder fazer segunda temporada como você havia pedido, mas quem sabe fics diferentes num futuro distante ;) Eu ainda preciso aperfeiçoar meus dramas. Abração ae pessoal, e obrigado pelos comments! \õ

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  7. Nossa, eu simplesmente adorei o capítulo (Não que esteja feliz que os pais da Dawn morreram né?). Eu amo drama, deixa tipo a história mais bonita, se é que me entende.

    A cena do barco fez meu coração estourar (E eu ainda to viva, kkk) A cada onda que você descreveu, eu imaginava o barco virando. Eu confesso que gosto de ver a Dawn sofrer (Ai vai motivo pra eu sempre ser a esquisita em todo lugar)

    Enfim, ficou maravilhoso. Já pensou em fazer uma fic só sobre a Dawn? Seria simplesmente maravilhoso, mas impossivel também.

    Agora essa ultima parte, leia por sua conta e risco.

    Estou trabalhando num Pontilhismo para mandar.

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  8. Quase chorei, acho que não vou aguentar as outras 4 partes. Mas eu vou ler assim mesmo.

    Tirando a tristeza... Muito bom o especial. Espero que os outros sejam melhores.

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  9. Yo Canas! Que demora né? Mas enfim pude ler tranquilamente o capítulo como eu já desejava desde que o vi pronto. Puxa cara, está de parabéns! Esse especial está tomando um rumo maravilhoso, cada detalhe torna o capítulo único e de fato eu não sei se é mais triste com a Dawn sabendo que seus pais morreram ou se é com a pequena garota chamando incasávelmente pelos pais. Aquilo me tocou, realmente eu me imaginei em uma situação dessa, quando pequeno eu sempre fui muito dependente dos pais, e se algo tomasse esse rumo eu não sei o que faria. Mas vou te fazer uma pergunta, entendo se não quiser responder. A Dawn é a única sobrevivente? Mas de qualquer modo eu adorei tudo, agora entendo o toque que você me deu com relação às descrições, são elas que fazem o clima tomar esse ar "pesado" e triste, eu adorei Canas, está perfeitamente escrito! Muito bom mesmo, tem um clima muito bom igual da Ex-Elite porém acredito que pode ser até mais fantástico (embora a elite tenha um enredo fabuloso!) continue assim com as outras partes Canas, está muito bom e a leitura melhor que prazerosa. Até mais cara o/

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    1. Ihh rapaz, essa pergunta aí não vou poder responder mesmo. Não é possível afirmar com clareza que a Dawn seja a única sobrevivente, afinal, estamos apenas na primeira parte. Muita coisa ainda vai acontecer, em momento algum eu falei que ela viu os pais se afogarem ou coisa aparecida, eles simplesmente sumiram. Vai que no fim das contas eles foram salvos por um Pokémon aquático, o que quer que seja kkkkk

      Mas poxa rapaz, obrigadão pelo comment. Com toda certeza as descrições são a maior chave para os dramas. Não posso afirmar que os próximos capítulos são aqueles que te fazem chorar, mas eles te fazem pensar muito na vida e nas pessoas ao seu redor, sabe? Conto com sua presença na continuação, e espero que o seu especial dos lendários de Ethron entre em cena logo ;) Abração ae, Haos!

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  10. não chorei,mas deu vontade!!!
    não sou fã de drama,mas confesso que esse capítulo foi até que interessante.Está até difícil de comentar.Só de imaginar tamanhas atroscidades com uma pequen e vulnerável criança,e eu aqui sem poder fazer nada para ajuda-la(mesmo que seja só uma história),isto me deixa tão amargurado e melancólico,que mesmo que queira eu chorar,não consigo!Talvez por saber que tudo vai melhorar!Ou pura e simplesmente porque lágrimas não resolven nada.
    Parabens por retratar tão bem.Só espero mais alegrias daqui para a frente na vida da dawn!

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  11. Cara... enquanto eu fiquei sem internet esse tempo TODO, não tive a oportunidade de comentar no novo especial voltado inteiramente para nossa pequena Dawn.Como sempre, Canas, você veio a me surpreender. Todo o drama de cada linha, as falas, os acontecimentos... Perfeitos! Tudo muito bem bolado.
    Pelo jeito a Dawn é aquele tipo de pessoa que passava por um bocado de dificuldades quando criança né? O pai era pesquisador, correto? E pelo que tudo indica, não tinha lá uma boa vida. A mãe da Dawn já foi coordenador eim? Será que em seus tempo em Sinnoh chegou a ser amiga da Melissa? Hum... Cara, a parte que a Dawn para e vê aquele piano e pede para a mãe foi tocante para mim. Pode parecer besta e tudo mais, mas eu fiquei pensando: quantas crianças realmente desejam coisas assim e acabam por não ganhar? Para quem sempre teve tudo o que quis é de se refletir muito.
    A parte do barco... CARA EU FIQUEI COM TANTO NOJO, SIM NOJOOOO, DAQUELE CAPITÃO! VELHO REPULSIVO!
    Além de irresponsável, beberrão e nojento (DIGO E REPITO NOJENTOOOOOOO) fez toda a tripulação correr perigo. Sabe cara, eu fico com muita dó da Dawn. Agora o que será que vai acontecer com ela em Jubilife que é uma grande cidade cheia de gente com más intenções?
    E aliás, acho que já sei onde foi parar o barco afundado... Lembro-me que nos primeiros Fire Tales, o Piplup contou uma lenda de um barco afundado em Sandgem, e que tinha um capitão fantasma... Estaria tudo interligado? o_O'
    Bem, é isso Canas. Só tenho elogios.

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  12. Faz quanto tempo que não escrevo nada?
    Para poder comentar eu gosto de voltar página por página para não perder nenhum detalhe, mas só de olhar rapidamente os post percebi de nesse mês de ausência, perdi muita coisa interessante, mas logo logo, estarei de volta com todos os meus comentários.
    Vamos ao que interessa...
    Cara adorei o especial da Dawn, confesso que ela não é a minha personagem favorita, mas você conseguiu descrever a história com a mesma maestria da Ex-elite dos 4 (que por sinal, é o meu especial favorito). Escrever o gênero de drama dentro do universo Pokémon não é coisa pouca, falar sobre o sentimento das pessoas e fazer com que o leitor mergulhe profundamente na história, é uma dádiva!
    Não cheguei a chorar, mas essa história nos faz pensar.
    Achei muito legal você interligar o capitulo 13,5 com este especial. É como se tudo fosse estudado previamente e minuciosamente, realmente Canas, tudo que você põe na história, não é para brincadeira.
    A cena do barco achei surpreendente pude observar todos os respingos da chuva caindo sobre o rosto das pessoas presentes e o desespero da família da Dawn, achei que todas as falas foram muito bem escolhidas, é como se tivesse vendo uma cena real em minha frente, com toda a angustia passando sobre os meus olhos, como um filme!
    Este comentário ficou meio grande, mas se eu fosse escrever tudo que passou em minha mente, não caberia nesta folha, afinal Canas, eu não leio as suas estórias, simplesmente as vivo.
    Flw

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  13. cara, esse capitulo foi muito bom, tristeza, revelações, dor, solidão, angustia. Foi muito bom, eu ainda acho que a Dawn não foi a ultima sobrevivente, em primeiro lugar, o cara que a retirou do barco, tem bem mais chances de ele ser um, e se a Dawn sabia nadar, seu pai e mãe tbm, eu acho que até os pais dela sobreviveram e se perderam dela. Mas, vamos ver o que o futuro *o futuro seria vc Canas* nos reserva.

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  14. OH GOSH, OH GOSH, ESSE ESPECIAL PARECE TÃO INFINITAMENTE INCRÍVEL *OOOOO* [btw, muito lindo como a sinopse de um especial espanca a que fiz para meu livro t_t]
    Aliás, posso ler mais de um cap num dia só? DANE-SE SE PUDER OU NÃO, EU QUERO <3 [tenho queda natural por órfãos, porque né, tenho uma parcela considerável de personagens nessa situação - e cujas vidas foram decididas e/ou giram em torno desse fato]
    Enfim
    Esse primeiro [e épico] parágrafo me lembrou muito de uma personagem minha, tenho que dizer
    Engraçado como um especial que vai tratar de uma grande mudança na vida da Dawn começa justamente com uma mudança
    'Você lembra daqui, foi onde você nasceu' CLARO QUE ELA LEMBRA, AS MEMÓRIAS DE RECÉM-NASCIDA ESTÃO ARMAZENADAS NA MENTE DELA QQ
    A beleza das crianças é que elas são sempre sinceras
    Começar a tocar Field of Innocence bem quando eu to lendo esse especial é trollagem brava, playlist
    Tadinha da Dawn, algo me diz que ela não tem muito a presença dos pais em casa t_t
    Paixão a primeira vista pelo piano, sei como é <3 <3 [só não bate meu amor por flauta <3 ]
    Vish, não tenho bom pressentimento sobre esse 'eu tenho que chegar lá'.... '--'
    Engraçado ela dizer que quer ser coordenadora como a mãe, sendo que na história atual ela quer ser pesquisadora.... O que será que a fez mudar de ideia?
    Mal pressentimento agravado por mil ao ver esse capitão, oe
    E, ainda por cima, o tempo decide não cooperar >.>'
    Não é bom sinal quando um passageiro se preocupa mais com os tripulantes do que o capitão....
    E o motor ainda por cima quebra! Oh Lord, isso vai dar tão errado....
    Quando eu achei que talvez houvesse salvação.... O velho bêbado estraga tudo T-T
    Tadinha da Dawn, tão pequena, e tendo que passar por uma tensão tão grande....
    Mano, nem consigo comentar essa parte em que a Dawn acorda sozinha na praia, putz, to chorando aqui ç___ç
    Que cruel ironia do destino que ela tenha caído na cidade dos sonhos....
    [e eu ainda ouvindo Field of Innocence - e ainda reclamo de estar chorando, oe]
    Tadinha, como pode que ninguém sequer pare para tentar ajudá-la? ç_ç
    Só ela sobreviveu do acidente? o_o'' Realmente, o destino deve te guardar algo de muito importante, Dawn....
    Talvez seja cedo demais para querer mudar o mundo se não conseguimos mudar nem a nós mesmos > Frase mais verdadeira não há...
    Canas-kun, por que tão bom com Drama? ;-;
    Abraços t_t/

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