Archive for August 2022

The Post-Game 6

 

Pokémon P.O.V. [Point of View, em homenagem aos velhos tempos!]

 

O Garchomp desviou-se bem a tempo de escapar de um golpe letal da Pidgeot que desceu com um rasante feito um torpedo. Suas bicadas feriam com a força penetrante de uma lança, e suas asas cortavam o próprio vento como se fossem lâminas de aço. Nenhuma tentativa de usar o Stone Edge funcionara, e só lhe restava energia para uma última investida.

A Pidgeot alçou voo e fez uma parábola no ar, os olhos de águia agora fixos em seu adversário. Aerus preparou-se para atingi-la em uma última tentativa desesperada. Quando desceu com um Brave Bird, mirou a ponte de pedras e errou por um triz, sendo atingido no ombro e arremessado no chão com a colisão. A Pidgeot, entretanto, não se deu conta de um tiro vindo de fora da batalha que a atingiu na asa direita que começou a fumegar e queimar, comprometendo seu voo.

Mayday! Mayday! A Pidgeot fez a curva a tempo de amenizar o impacto, mas acabou por estrebuchar-se no chão e por pouco não quebrar uma das asas no processo. Se não fosse uma aviadora tão experiente, poderia ter dado fim à sua carreira ali mesmo.

Quem foi o filho de uma meretriz que se meteu no meio da nossa batalha?! Aerus berrou furioso, procurando o culpado pelo disparo.

— Não olha pra mim. Meus tiros não são de fogo — Mikau respondeu logo atrás como quem só quer debochar.

Havia um exército de Heatran aproximando-se da montanha, emergindo dos rios de lava e infestando as paredes até que estivessem cobertas. Um deles fez um disparo contra o Garchomp que se defendeu com suas lâminas que imediatamente começaram a derreter dado o calor absurdo do magma.

— Parece que estamos encurralados — disse General. O Dusknoir envolveu sua amada, Froslass, ao redor dos braços, pronto para protegê-la de qualquer ataque.

— Eu posso tentar conter o calor, mas são muitos — respondeu Glaciallis.

— Esse era um bom momento para a guilda estar completa. Cadê o resto do pessoal? — indagou Sophie, a Gardevoir.

— Teremos de nos virar com as armas que temos em mãos — acrescentou Chaud, o Bastiodon, com seu escudo pronto para repelir.

O grupo de seis Pokémon formou um círculo conforme os Heatran furiosos os cercavam, fechando cada vez mais o cerco. As criaturas metálicas pareciam dispostas a ferir e até matar os invasores que haviam profanado seu templo sagrado. Não que eles tivessem culpa, cabia a uma guilda de Pokémon obedecer às ordens de seu treinador, e no momento sua prioridade era escapar dali com vida.

— Alguém coloca aí o tema dos Vingadores pra bater a inspiração? — caçoou Aerus.

— Eu nem sei o que é isso, mas se tem vingança e sexo, então eu gosto — respondeu Mikau com seus tiros certeiros prontos para atingir o alvo.

O primeiro Heatran deu um salto na direção do grupo, e foi imediatamente atingido por um Hydro Pump na cabeça. À esquerda de Mikau, Glaciallis congelava três deles na medida em que General e Chaud montavam uma barreira ao seu redor. Sophie previu através de seu Future Sight que cinco deles cairiam, e na sequência uma explosão psíquica os mandou pelos ares.

Aerus estava na linha de frente do combate quando percebeu que seus inimigos formaram uma fileira e abriram espaço para seu líder. Um Heatran maior do que qualquer outro aproximou-se suntuoso, armado até a cabeça em ferro e metal e cuja espada flamejante fumegava em uma das mãos.

— Você deve ser o alfa — presumiu o Garchomp.

O cavaleiro não disse palavra alguma, mas a espada zuniu em sua mão pronta para o embate. Aerus defendeu-se da primeira investida, buscando a melhor alternativa de enfrentá-lo sem utilizar seu melhor golpe. O Earthquake era uma técnica perigosa. Com todos seus companheiros por perto, o golpe acabaria por atingi-los e até comprometer a estrutura da montanha. O cavaleiro não estava para brincadeira, continuou a avançar com ferocidade, dominado por uma fúria avassaladora. Existia certa sutileza na forma como sua espada era empunhada, deixando um rastro de fagulhas e brilho incandescente que cortava o ar.

Aerus ativou suas lâminas e usou o Dragon Claw bem no peito do cavaleiro, fincando-as na armadura de aço. Para o seu azar, elas ficaram presas, o que deu a abertura para que seu oponente lhe devolvesse uma cabeçada que o fez enxergar estrelas.

Sophie correu para socorrê-lo, dando cobertura através do Heal Pulse para que recuperasse a energia. Mikau estava começando a ficar sem munição, e os Heatran inferiores continuavam a proteger seu alfa.

O grupo viu-se encurralado mais uma vez, pressionados contra o abismo de lava sobre eles. Os Fire Tales podiam ter muitas histórias para compartilhar ao redor de uma fogueira quente, mas encarar todo um exército da guilda vulcânica era suicídio.

O cavaleiro marchava com passos pesados, aguardando a rendição. Agarrou Aerus pela garganta e o ergueu à sua altura. Só se enxergava um par de olhos alaranjados por baixo do elmo que protegia sua cabeça como uma coroa. Sua voz gutural espalhava terror e insegurança:

— Vão se arrepender de ter pisado em solo sagrado — disse o cavaleiro.

— É que tenho o costume de entrar sem ser convidado pra festa — murmurou Aerus que nunca perdia a chance de provocar alguém.

A manopla de ferro começou a pressioná-lo com mais força, mas um tiro o atingiu com precisão no ombro e o fez soltar com um grito de dor. Mikau estava sem munição, então quem poderia ter sido?

Na abertura mais distante da caverna, o Gyarados de Amy certificou-se de que o próximo seria na cabeça, pois seu título como um dos maiores atiradores de Kanto o presidia. A guilda de Pidgeot veio ao seu resgate, trazendo consigo o Primeape campeão de luta dos pesos médios, a Sneasel que atuava nas sombras como assassina de aluguel, o Venomoth cujos venenos letais derrubavam reinos e o Gengar Shiny que se limitava a rir e caçoar da situação.

As duas guildas uniram forças para controlar a batalha, combatendo um a um os soldados vulcânicos que protegiam o templo até que não sobrasse nenhum. O Cavaleiro de Fogo se reergueu, e sua espada ardeu como um farol na escuridão. Aerus estava pronto para seu embate final quando percebeu que o som da batalha cessou, e nenhum de seus companheiros lutava mais.

Olhou para trás por curiosidade e avistou uma única mulher erguer-se contra todos eles. Era uma descendente da tribo ancestral dos Garchomp, alta, esguia e de porte invejável como uma rainha de outrora. O mero vislumbre de alguém tão importante capaz de emanar uma aura esmagadora como aquela o fez pensar em Titânia, e seu coração se encheu de saudade. General e Chaud fizeram uma mesura ao reconhecerem a ilustríssima figura, e até mesmo Mikau intimidou-se diante de sua presença. Aerus precisou retirar seus óculos escuros assim que ela passou ao seu lado.

— V-você... — Seus lábios tremiam ao dizer seu nome.

— Kayla. O prazer é todo seu. Vim em nome de minha mestra, Cynthia, para colocar um fim em toda essa guerra desnecessária — respondeu a Garchomp, convicta. — Se continuarem lutando, ambos os lados sofrerão casualidades. E se alguém ainda quiser lutar... então venha. Eu serei sua adversária.

Um a um, os soldados Heatran largaram suas espadas e se renderam. Mesmo os Fire Tales reconheceram que a mera presença dela era o bastante para fazer qualquer um abaixar as armas. Porém, o Cavaleiro de Fogo não se deu por intimidado, e com velocidade impressionante ergueu sua espada flamejante contra ela. Kayla limitou-se a erguer sua lâmina, e sem que qualquer um pudesse acompanhar seu movimento, o inimigo foi atingido tantas vezes que sua armadura inteira se rompeu, sendo completamente retalhada.

Tendo sido derrotado em combate, todos puderam ver o verdadeiro rosto do cavaleiro. Era uma mulher de cabelos vermelhos e olhos incansáveis, pingando suor após a exaustiva batalha. Sua visão ficou turva, as pernas cederam e seu corpo fraquejou para a direita, mas Aerus lhe deu apoio para que continuasse de pé.

— Um líder não pode cair na frente de seus homens — disse o Garchomp.

A cavaleira sorriu e concordou, passando a admirá-lo ainda mais.

— Você é mesmo tudo aquilo que falam e mais um pouco.

— Pra conhecer mais de mim, só convivendo com esse bando de loucos que chamo de família — brincou Aerus, deixando no ar um convite indireto para que ela se juntasse aos Fire Tales.

Com a situação controlada, sua atenção voltou-se à Garchomp, uma das primeiras a consagrar-se campeã no Torneio das Guildas e provavelmente a figura mais forte e influente em todo o reino. Aerus aproximou-se dela de queixo erguido, e quem não o conhecia imaginou que ali aconteceria um embate entre alfas para disputar quem era o mais poderoso; embora seus amigos de longa data da guilda soubessem bem o que ele estava para trazer.

— Eu não acredito que to te conhecendo! Eu sou seu maior fã! — disse Aerus explodindo de empolgação como uma criancinha que encontra seu ídolo pela primeira vez. — Mano do céu, esse é o dia mais feliz da minha vida! Digo, talvez seja o segundo, porque antes vem o nascimento da minha filha; mas posso dizer com certeza que conhecer você estava na minha listinha!

— Encantada — correspondeu Kayla, acostumada com os fãs.

— Será que... você podia assinar o meu tanquinho?

— Aerus, essa não é uma boa ideia... — General estava para acrescentar o fato de que Titânia não iria gostar nem um pouco de ver o nome de outra mulher escrito na barriga de seu macho, mas Mikau fez menção que ele ficasse quieto só para ver o circo pegar fogo.

— Vocês da Fire Tales são mesmo uma figura! — brincou Kayla.

— Quer dizer que a senhorita já ouviu falar sobre nós? — perguntou Chaud.

— Se ouvi? Garoto, vocês me inspiraram a voltar. Se tivermos a chance, eu adoraria poder enfrentá-los no Torneio de Guildas algum dia. Sem fatalidades dessa vez, claro.

— Pode deixar que eu me comprometo a reunir o bando! — disse Aerus contente. — Nós não paramos de treinar desde que nos consagramos campeões aquele ano. Olhando para trás, passou mesmo um tempão... E quer saber? Eu senti saudade de tudo isso. Estamos ansiosos para voltar!

 

i

 

Luke arremessou a Dusk Ball que acertou com precisão a Heatran fêmea que acabara de ser derrotada. A pokébola tremeluziu três vezes antes de confirmar a captura do Lendário Pokémon. As demais criaturas vulcânicas retornaram para dentro de seus buracos e rios de magma, escondendo-se assustados quando perceberam que a situação se agravara.

— Acho que nossa batalha meio que fugiu do controle — mencionou Amy.

Luke olhou para o alto e percebeu que a montanha estava, de fato, ruindo.

— É. Deu ruim.

— Está acontecendo. Finalmente meu plano está tomando forma — murmurou o Profº Charon, escondido atrás de uma pedra.

Através da interferência da Magma Stone e o caos gerado pelos Heatran, o vulcão adormecido sob a Stark Mountain estava prestes a explodir. Amy retornou seus Pokémon, convicta de que agora tinha um objetivo muito mais importante para resolver do que limpar a sujeira deixada pelos Rockets. Muito distante dali, Luke pôde avistar Cynthia acenando com um dos braços. Ela estava em uma área elevada no interior da montanha, e enviara sua Garchomp para auxiliar na batalha. Junto dela estava Dawn, em segurança, o que aquietou o coração de Luke e o permitiu concentrar-se em outros problemas.

— Temos que impedir esse vulcão de entrar em erupção, ou colocaremos em risco a vida de milhares de pessoas que vivem nessa ilha — Luke contou para Amy, buscando algum conselho.

A moça por sua vez não tardou a perceber que alguém se escondia ali perto. Quando Charon tentou escapar, ela deu um pisão em seu jaleco e o fez tropeçar e ir de cara ao chão.

— Você é quem está por trás disso tudo, não é? Diga-me agora o que temos de fazer para reverter essa situação — Amy o confrontou.

— Nada. Vocês não precisam fazer absolutamente nada — retrucou Charon. — Isso não é irônico?

— O que está tentando insinuar? — indagou o rapaz.

— Luke Wallers — Charon dirigiu-se a ele. — Você não percebe como sua vida é abençoada? Todas as coisas se ajeitam para você e seu irmão, mesmo que através de soluções impossíveis como um tremendo deus ex-machina. Você sempre tem a certeza de que tudo vai terminar bem, não é? É como se vocês fossem abençoados... pelas divindades.

Uma enorme rocha desgrudou-se do teto e por pouco não os atingiu. Luke começou a juntar as peças e só conseguiu pensar em seu irmão. Lukas namorava uma deusa. A mulher que eles conheciam como Paula não passava do disfarce de uma entidade divina capaz de controlar as dimensões do espaço, alterando a realidade a bel prazer. Seu nome verdadeiro era Pearlutina, e era inegável o quanto sua proteção afetara sua jornada. Estaria aquele tempo todo apostando tão alto porque o destino estava do seu lado?

— Está insinuando que tudo que eu conquistei foi mera sorte? — questionou Luke furioso, puxando o velho cientista pela gola.

— Eu não chamaria de sorte — ponderou Charon. — Mas é inegável que alguém quis que você chegasse até aqui, não acha?

Lava começou a ser expelida, e o calor estava prestes a se tornar insuportável. Amy chamou por Cosmo e Star e ordenou que eles ajudassem na evacuação de quem quer que ainda estivesse preso dentro do laboratório dos Galactic. Enquanto se preparavam para a fuga, a Comandante Mars deu as caras, mas acabou por encontrar-se com quem não gostaria.

— Tia Martha? — Luke esboçou surpresa ao vê-la. — Por onde você esteve? Estávamos todos procurando por você. Mamãe não tem notícias sua há meses...

— E-eu... — A Comandante pareceu acuada, e não quis lhe dar satisfações. — Me perdoe.

Martha correu na direção oposta, abandonando seu compromisso com os Galactics e também a sua segurança. Luke estava para ir atrás dela quando Amy o impediu.

— O que você tá fazendo?! Ela é a minha tia!

— Deixa que eu resolvo — retrucou Amy. — Ela está passando por algo que nenhum de vocês entenderia. Eu prometo que irei trazê-la de volta. Concentre-se em ajudar as pessoas a evacuarem a montanha em segurança.

Ainda que não a conhecesse tão bem, Luke sabia que podia confiar em uma treinadora tão forte e capacitada. Deixou a caverna às pressas enquanto Amy corria em direção do perigo atrás de Martha, cada vez mais fundo no coração da montanha.

Martha estava surda para tudo que se movesse. Sua dor era tanta que ela já não conseguia escutar a razão. Amy chamou seu nome mais de uma vez, mas sem resposta. Não podia chamar sua Pidgeot que seria um alvo fácil pelas pedras que despencavam. Subiu escadarias ancestrais e quase a perdeu de vista quando tropeçou e ralou o joelho. Estava se esforçando até demais por uma pessoa desconhecida.

“Ei. Mas essa é a Amy que eu conheço. Sempre colocando o bem estar do próximo acima do seu”, ela pensou na voz de Ethan que a apoiaria mesmo na pior das situações.

— Não. Eu sou egoísta e só faço o que me beneficia — ela pensou em voz alta, tentando se sabotar. — Quando foi a última vez que quase me sacrifiquei para salvar alguém que eu amava?

“Se eu estou aqui, é por sua causa. Então trate de voltar pra mim.”

— Merda — ela chacoalhou a cabeça, livrando-se daqueles pensamentos ao perceber o quanto ainda era apaixonada por ele. — Não me espere acordado, amor.

Assim que alcançou o cume da montanha, Amy percebeu que estava em uma sala sem saída. Martha estava parada no fim dela, encarando a parede como se esperasse que alguma coisa saltasse dali.

— Ainda não acabou — mencionou Martha, procurando algum sinal. — Eu vi acontecer na primeira vez. Sempre acontece à iminência de alguma tragédia. Está quase chegando.

Amy ajeitou seu chapéu ao perceber que uma lufada de ar consumiu a câmara. Entre as rochas daquela sala remota, uma fenda rachou a matéria e abriu um portal para outra dimensão. Parecia que uma parede de vidro havia se trincado por completo, dando espaço para uma abertura que levava a outra realidade.

Amy jamais ouvira falar sobre algo parecido, mas quando se deu conta de que Martha iria pular dentro da fenda, só soube que precisaria segui-la.

 

ii

 

As duas saltaram no portal, sendo transferidas para um mundo paralelo ao que viviam. Assim que abriu os olhos, Amy levou um susto com pequenos pedaços de rocha que flutuavam em sua frente como se não houvesse gravidade. Levantou-se e viu que o céu estava púrpuro, e não havia estrela alguma.

— Que lugar é esse? — perguntou Amy.

— É o Distortion World — concluiu Mars, incrédula. — Eu sabia que ele existia, mas não pensei que... eu não achava que seria capaz de encontrá-lo.

— Nós causamos isso?

— Sim. O Profº Charon vinha estudando uma forma de abrir fendas para outros mundos, e descobriu que isso acontecia com certa frequência quando meus sobrinhos estavam envolvidos. Não tente dar sentido a esse lugar.

— E o que encontraremos desse lado? — Amy a pressionou, mas Martha começou a correr em busca de algo.

Ou alguém.

As duas corriam apressadas saltando entre pedras e plataformas que flutuavam. Não se escutava som algum, não havia nada naquele mundo imaterial onde todas as leis conhecidas não tinham efeito. Quando deu-se conta, Amy estava de ponta cabeça e Mars passava repetidas vezes por ela sem sair do lugar.

— Martha, espere! Por que você veio aqui? O que procura? — perguntou Amy.

— Eu vim buscar o meu filho — ela respondeu com convicção.

Amy começou a reunir os fatos. Seria aquele mundo uma espécie de inferno na mitologia de Sinnoh? Se ali se encontravam todas as pessoas falecidas, torcia para que nenhum fantasma viesse assombrá-la, ou teria sérios problemas.

Martha não pensava em seu falecido chefe, Cyrus, nem em qualquer outra pessoa do passado que gostaria de rever. Só conseguia pensar em seu filho, e aquele sentimento desesperado fez suas pernas se moverem.

A única certeza que tinham era de que não estavam sozinhas. Era impossível que um local sagrado como aquele não tivesse o seu protetor. Estavam andando sem sair do lugar, mas em algum momento a Comandante Mars simplesmente parou e sentiu o corpo congelar. Amy não deu nem mais um passo.

Havia uma gigantesca serpente adormecida no núcleo daquele mundo. A criatura de escamas prateadas estava enrolada em si própria, repousando em silêncio absoluto. Sua dimensão ultrapassava os sete metros, e suas asas retraídas se pareciam com as de um demônio. Amy fez sinal de silêncio, ao qual Mars obedeceu.

— “Vá.” — A treinadora abriu a boca sem emitir som algum.

— “Para onde?” — perguntou Mars em silêncio, assustada demais para reagir.

— “Buscar o seu filho.”

Quando se deu conta, a serpente abriu um dos olhos. Mars correu para a direita e não olhou para trás. Amy continuou escondida atrás de uma pedra ao passo que a serpente se contorcia inteira como se despertasse do sono de mil anos com uma fome voraz. Seu objetivo era desviar a atenção de Martha e, quem sabe com um pouco de sorte, sair dali com vida.

Martha não soube exatamente para onde seguir, mas confiou que seu instinto a guiasse. Havia inúmeras saídas do Distortion World, fendas que levavam a lugares no universo dos quais ela nem poderia sonhar, mas somente uma delas a levaria de volta ao seu lar.

Ela procurou, procurou e procurou. Olhava para seu interior esperando que a resposta estivesse ali, nítida em sua frente. Viu lugares estranhos, mundo futuristas e terras de um passado esquecido. O que chamou sua atenção em uma das fendas foi a imagem de uma mulher com cabelos vermelhos muito parecidos com o seu. Martha parou e se aproximou devagar com a mão estendida.

— Esta... esta sou eu? — perguntou-se ela.

Quase não se reconhecia. Era uma versão mais jovem, muito mais bonita e atraente. Sentiu-se horrível por ter o corpo ferido, e aquilo só a fez pensar que nunca devia ter se tornado mãe. Mas a verdade era que sentia inveja de sua irmã adotiva, Melyssa, que concedeu a vida a Luke e Lukas, dois verdadeiros campeões.

— Não é justo — Martha lamentou em seu silêncio, indo de joelhos ao chão. — Não é justo. Não é justo.

E então, ela ouviu um chamado. Alguém a chamou de “mãe”. Martha ergueu os olhos e procurou dentro de cada uma das fendas, mas não via sua criança. Começou a se arrastar por entre o chão de poeira, triste e esgotada com tudo aquilo, mas o chamado se repetiu.

“Mãe, você está aí?”

— Sim. Sim, querido, onde você está? Como posso vê-lo?

Martha abriu os olhos e encarou uma fenda onde se via um rapaz belo de cabelos vermelhos como os seus, mas com os traços de Proton, seu marido. Ela soube na mesma hora que aquele era o seu filho, talvez vindo de outro universo onde ele havia sobrevivido e, assim, puderam viver uma vida felizes juntos.

— Você é tão lindo... — Martha murmurou com os lábios ressecados, tentando esticar a mão para tocá-lo, mas em vão.

O rapaz ergueu a mão e quis retribuir o gesto, mesmo que não sentisse.

“Eu estou bem, mamãe. Senti a sua falta.”

— Eu também, querido, todos os dias. Queria estar ao seu lado para sempre.

“Não é certo na natureza que um filho se vá antes daqueles que o geraram. Esta não é a ordem das coisas. No seu mundo eu posso ter partido cedo demais, mas, no meu, você nos deixou para que eu pudesse viver.”

— Então... eu morri? — indagou Martha com preocupação. — Quem cuidou de você e sua irmã?

“Nós tivemos de aprender a nos virar. Sem uma mãe, a vida não tem tanta graça. Mas você precisa continuar sendo uma por inteiro para cuidar daqueles que ainda estão ao seu lado. Não desista deles.”

Martha fechou o punho e quis abraçá-lo, mas aquela realidade era tão cruel que nem aquilo ela tinha o direito. Acenou com a cabeça e prometeu dar o seu melhor. Tinha perdido um filho, mas sua primeira filha ainda estava ali por ela. Proton a amava e protegeria enquanto tivesse forças para respirar.

Sentiu-se ingrata por ter agido daquela forma, abandonando sua única família. Era hora de voltar e pedir perdão para quem sabe assim tivesse a chance de recomeçar. Martha encarou dentro da fenda para tentar guardar na memória a imagem do filho. Pensar que em algum lugar ele crescera para se tornar um rapaz tão bonito a fez sentir-se orgulhosa, pois todo pai deseja acima de tudo que seu filho obtenha sucesso. Não precisava compará-lo com seus sobrinhos, ele podia não ser nenhum Campeão ou Top Coordenador, mas aos seus olhos sempre seria especial — pois era o seu filho.

— Mamãe te ama — Martha murmurou baixinho antes que o portal se fechasse. — Prometo que um dia vamos nos reencontrar.

 

Giratina sabia que alguém invadira sua morada. Com um sibilo, Amy teve a impressão de que pôde escutar uma voz como se conversasse com um humano.

“Como entrou aqui?”, perguntou Giratina. A serpente oscilava sua atenção, deixando claro que ainda não sabia exatamente onde ela se encontrava, embora soubesse que estava ali. “Faz muito tempo que não recebo visitas.”

Amy sentiu o coração disparar e a respiração ficar mais densa. E Giratina também sabia disso.

“Não fique nervosa. Eu não lhe farei mal algum”, disse a serpente ardilosa. “Saia das sombras para que eu a veja.”

A garota não se convenceu, e decidiu provocá-la.

— Sou aquela digna de amor.

Amy acessou uma memória muito antiga de quando ainda era menina e sua mãe lia histórias antes de dormir. Em uma delas, um indivíduo de origem simples confrontava um dragão em um jogo de enigmas, o que despertou seu interesse e permitiu que ele escapasse de sua cova com vida. Se pudesse colocar tal habilidade em prática, quem sabe assim conseguisse enganar a própria morte?

“Continue”, ordenou Giratina.

— Sou banhada em verde, e conquistei o Coração de Ouro.

“Seus títulos têm a minha atenção”, disse a serpente cada vez mais interessada. “E de onde você vem?”.

— Da terra onde tudo se originou.

“E você sente saudade de seu lar?”.

— Sinto.

“E por que se esgueira em minha casa como um ladrão em busca de algum tesouro perdido? O que tenho a lhe oferecer, senão dor e perda?”.

Amy precisou pensar rápido. Não podia dizer que entrara ali por acidente, ou tudo pareceria coincidência demais. Precisava prender a atenção de Giratina, e quem sabe levá-lo a cumprir com o que queria.

— O que você tem não se encontra em nenhum lugar do meu mundo.

“Isto é uma charada?”, ponderou a serpente, sentindo-se desafiada. Giratina flutuou por algum tempo contemplando os arredores e pensando no que possuía e que não existia em nenhum outro lugar. Com certeza não seriam pedras, mas estava de mal humor e não queria ficar de piadinhas com seu visitante, por isso respondeu: “Uma alma”.

Amy prendou a respiração. O que diria agora?

“Eu sei quem você busca. Ele está aqui, esperando-a a muito tempo”, disse Giratina. “Você deseja mesmo encontrá-lo?”

— N-não... — Amy vacilou em um segundo de fraqueza. Não podia pensar nele. Não podia demonstrar fraqueza para que a serpente entrasse em sua mente e fizesse o que bem entendesse com ela.

Mas era tarde demais. Amy viu-se de frente a um espelho, mas em sua frente havia uma garotinha de apenas dez anos. Enxergou a si mesma quando saiu em sua primeira aventura Pokémon, uma criança assustada sem os pais, cujo coração era repleto de apatia e insegurança.

Atrás da menina veio um homem vestido de terno. A criança pediu colo, mas o homem não a enxergou. Amy continuou a seguir o espelho, cada vez mais imersa naquela lembrança tão dolorosa.

— P-pai? — ela repetiu.

Giovanni olhou em sua direção, como se pudesse escutá-la, mas sem vê-la. Ele parecia preso dentro daquele mundo, uma alma que não se dera conta de que havia partido. Amy fechou os punhos e sentiu raiva. Não queria lembrar-se dele. Não precisava dele. Agora era uma mulher crescida, tinha a própria vida e quem a amasse do jeito que ela era. Ele nunca estivera ao seu lado quando precisou. Não seria levada a pensar que poderia fazer algo para remediar aquela ausência.

“O que você diria ao seu pai se pudesse encontrá-lo outra vez?”, Amy escutou a voz da serpente a incitá-la.

Ela encarou seu reflexo e pensou pelo que pareceu uma eternidade.

— Eu não preciso de você.

Sssssim.”

— Quando eu finalmente achei que tinha fugido de você, eu nunca mais quis encontrá-lo. Mas você continuava sendo o meu pai. Você mentiu para mim a vida toda, e depois omitiu algo que eu precisava saber. Você queria que eu tivesse nascido homem para substituí-lo um dia, mas pelo visto vim com defeito por ser mulher. Você me odiou simplesmente por eu vir ao mundo como sou.

Sssssim.”

— Mesmo assim, você ainda me assombra nos meus sonhos, como se implorasse por perdão. Sua partida se deu cheia de mágoas e arrependimento. Você se foi cedo demais, e nunca tive a chance de lhe dizer isso.

O quê, Amy? O quê você diria a ele?

Com lágrimas nos olhos, a garota encarou a criança no lado oposto ao espelho. A menina apertou com mais força um Bulbasaur de pelúcia que carregava nos braços. Amy libertou todo aquele misto de sentimentos que vinha acumulando ao longo dos anos, e com a voz embriagada, enfim admitiu:

— Eu te perdoo, pai. Por ter me deixado para seguir com sua vida. Pode não ter sido a coisa certa, mas sei que foi da única forma que sabia fazer. Nós dois somos egoístas, e isso herdei de você. Mas também herdei a vontade de vencer, de chegar ao topo do mundo e ter a certeza de que todos os dias fiz o que pude. Um dia eu me tornarei você também, mas quero que saiba que serei uma versão melhor, muito melhor.

Amy limpou uma lágrima solitária que escorria pelo seu rosto e olhou para trás.

Giratina a observava quieto, quase relutante. Gostava de colocar humanos frente a frente com seus piores medos, mas detestava vê-los vencendo. Banhava-se no caos, e seu alimento era a desesperança, a raiva e o ódio.

A serpente voltou a encolher-se e retornou devagar para dentro das sombras de onde saíra, enrolada como um feto, muda e enfraquecida. A brincadeira havia perdido toda a graça.

O espelho rompeu-se em mil pedacinhos e Amy viu-se liberta daquele mundo, e também de todos os medos da responsabilidade que um dia a assombraram. Ela fechou os olhos, e sentiu-se em paz consigo mesma.


The Post-Game 5

 

Cynthia não suportaria ficar nem mais um segundo sequer trancada dentro de casa. Nunca fora do tipo que esperava algum herói ir salvá-la. Tornou-se o símbolo que gostaria de ter tido quando menina, queria influenciar toda uma geração de treinadores. Desde pequena gostava de se embrenhar no meio do mato em busca de novas aventuras e Pokémon, e por mais que muitas fossem arriscadas e repletas de perigos para uma criança de sua idade, delas nasceram oportunidades transformadoras.

A pequena Verity estava com o Piplup de Dawn em seu colo, observando sua mãe andando de um lado para o outro com agitação. Duke estava triste e cabisbaixo após mais uma derrota humilhante, não seria a primeira vez que era impedido de proteger a sua treinadora quando ela mais precisou. Cynthia também não conseguiu pregar os olhos à noite pensando na segurança de Dawn, mas com a insônia vieram também novas ideias e alternativas.

Dirigiu-se apressada ao seu escritório. Pelo vão da porta, Verity pôde observá-la retirar do fundo falso do baú um compartimento secreto trancado a sete chaves. Havia uma pedra de estranho formato com uma fenda e dois buracos nas laterais, um artefato extremamente antigo que atiçou sua curiosidade, mas não quis ser xereta e perguntar o que era.

— Espero não estar arriscando demais... — ponderou Cynthia consigo mesma.

Ao sair do escritório, já estava de malas prontas. Verity brincava desenhando na mesa da sala quando sua mãe passou apressada e lhe deu um beijo na testa de despedida.

— Que desenho bonito. Onde é? — perguntou Cynthia.

— Onde eu morava antes — respondeu Verity com tranquilidade, pondo os lápis coloridos de lado. — Pra onde você vai?

— Mamãe tem algumas pendências para resolver — respondeu Cynthia. — Eu pedi para alguns amigos ficarem de olho em você, eles devem chegar daqui a pouco. Não me venha aprontar com eles, hein? São três dos treinadores mais fortes que conheço, só para ter certeza que nada de ruim irá lhe acontecer.

Verity encolheu os ombros e deu risada, fingindo-se de desentendida. Quando Cynthia estava com a chave em mãos, o Piplup de Dawn correu em sua direção e começou a rodeá-la, pedindo incessantemente que a levasse junto.

— Ah, Duke, eu não sei... pode ser perigoso para alguém do seu tamanho.

O Piplup estufou e bateu no próprio peito com força, insinuando que não tinha medo de nada. Cynthia riu, afinal, como poderia negar ajuda de um Pokémon tão determinado?

A campainha tocou e ela logo foi atender. Em frente à sua casa estava ninguém menos do que Riley, Cheryl e Buck, três dos integrantes originais dos Stat Trainer que estavam por perto e se ofereceram para a difícil tarefa de cuidar da criança de uma campeã.

— Fala aí! Firmeza? — falou Buck apressado cumprimentando com acenos e gestos e já entrando na casa para ver o que tinha de bom na geladeira.

— Ah, querida... — disse Cheryl, abraçando sua amiga na tentativa de confortá-la após tudo que ocorrera. — Eu conheci a Dawn na primeira vez que eles passaram por Eterna. Ela é uma menina de ouro. Logo agora que você se estabilizou em uma casinha confortável para chamar de sua, algo terrível assim acontece. Existem muitas pessoas más nesse mundo.

— Eles não tardarão a trazê-la em segurança. Você tem os melhores do seu lado — falou Riley com confiança. — Até lá, dou a minha palavra de que sua filha estará segura conosco.

De fato era a primeira vez que seus amigos a visitavam em muito tempo. A notícia de que Cynthia tinha uma filha daquele tamanho pegou a todos de surpresa assim que souberam, e não dava para esconder que estavam curiosos para saber mais sobre a misteriosa criança.

Verity continuava na sala, alheia às visitas. Era uma garotinha de cabelos castanhos e sorriso contagiante, mas não se parecia em absolutamente nada com Cynthia. Assim que os viu, Verity deu um salto de onde estava e correu para cumprimentá-los como se já os conhecesse de longa data.

— Tio Rye, você também veio! — disse a menina referindo-se a Riley. Em seguida ela olhou para Cheryl e ficou pasma como ela tinha um corpo bonito. — Puxa, Sabi, quando foi que cresceu tanto? Você não tinha uns peitõooes desse tamanho! — Ela enfim viu Buck voltar da cozinha de boca cheia e não pôde deixar de comentar: — E você... você é a cara da tia Zisu. Eu não sabia que ela também tinha filhos, isso é muito legal! Vou ter mais gente com quem brincar.

Os Stat Trainers encararam Cynthia, sem entender absolutamente nada do que aquela garota parecia falar. Será que ela os estava confundindo com outra pessoa? Cynthia levou a mão ao rosto e lamentou não ter tempo.

— Eu explico tudo depois, mas agora realmente preciso ir. Fiquem de olho nessa pestinha. Ela é curiosa... até demais.

Assim que Cynthia fechou a porta de sua Villa, os três companheiros se entreolharam e pensaram que não seria tão difícil tomar conta de uma criança. Tinham uma mansão inteira ao seu dispor, e a hidromassagem aquecida parecia estar funcionando perfeitamente.

— Bom, eu não sei vocês, mas vou usufruir só um pouquinho dessa vida burguesa — disse Buck já com uma toalha de banho nas costas.

 

Estava quase entardecendo, mas Cynthia continuava disposta a viajar através de toda Battle Zone se fosse para encontrar sua amada. Estava sem nenhum Pokémon no time, exceto por uma pedra enigmática e um desengonçado Piplup que se apressava para acompanhar seu passo e recusava-se a ser carregado no colo. Se a noite os alcançasse, temia que Duke não fosse o suficiente para protegê-la de eventuais predadores.

— O que houve? Já cansou? — perguntou Cynthia, olhando para trás só para ter certeza de que o Piplup não tinha infartado. — Vamos lá, ainda nem começamos a nossa escalada. Segundo o Luke, devemos encontrá-lo na base da Stark Mountain. Eu só não consegui mais estabelecer contato algum, acho que está sem sinal.

Cynthia parou de andar e encarou o céu. As estrelas estavam radiantes, e a lua crescente era perfeitamente visível. Só a ideia de que aquele era o mesmo céu visto em Sinnoh há mais de quinhentos anos a fazia conectar-se com a região, pois sabia que ainda havia tanto a se explorar! Sentia saudade da inquietação de uma jornada, e por mais que agora o assunto exigisse urgência, cogitou até sugerir sair para aventurar-se com Dawn em algum lugar distante, quem sabe visitar sua casa de veraneio em Unova e conhecer novas pessoas e Pokémon.

O Piplup puxou a barra de sua calça, chamando a atenção da mulher. Podia não ser um bom lutador, mas seus extintos apitavam que eles tinham companhia.

— Saia daí quem quer que esteja se escondendo, ou vai sofrer as consequências — alertou Cynthia como seu único aviso.

Do meio da mata surgiu um homem de meia idade vestindo um sobretudo bege, roupas formais e sapatos envernizados. Seu semblante era convicto, tinha os cabelos levemente grisalhos e escovados com cuidado. Não se parecia nem um pouco com um aventureiro, estava mais para algum tipo de detetive que saíra da sessão de clássicos na biblioteca de Galar para se perder no meio de um matagal sem repelente para Cutiefly.

— Assumo que você seja a Srta. Cynthia. Sua reputação a precede — disse o homem, erguendo a mão com um distintivo da polícia antes mesmo que ela se apresentasse. — Pode me chamar de Observador, ou Looker se achar que tudo no inglês fica mais chique. Ou Bellochio. Ou Beladonis. Ou simplesmente Mr. Handsome para os íntimos. Tenho vários nomes, um para cada continente. São meus disfarces.

— Fascinante — respondeu Cynthia, pouco interessada.

— Onde estão seus Pokémon? Vejo que está sem nenhuma pokébola. Acho difícil acreditar que uma treinadora capaz como você decidiu se aventurar pela região com um inicial como se ainda fosse uma jovem.

— Perdão? — Cynthia questionou, ofendida. — Está insinuando alguma coisa sobre minha idade?

— De forma alguma — Looker respondeu, cauteloso.

— Quanta indelicadeza... E respondendo sua pergunta, o sistema ainda não deu baixa e entende que estou com seis Pokémon na equipe, por isso não me permite sacar uma sétima pokébola.

— Estamos cientes do sequestro que ocorreu em sua morada na tarde de ontem, senhorita, inclusive do roubo de seus Pokémon. A polícia foi acionada. Estamos em uma operação secreta há mais de cinco meses seguindo os passos dos membros remanescentes dos Galactic que se espalharam por Sinnoh.

— Eu não pedi a ajuda de vocês — respondeu Cynthia de forma ríspida. Ela se lembrava com clareza da ameaça de Petrel, alegando que se a polícia se envolvesse, pessoas iriam se machucar. Achava que a presença de tanta gente só dificultaria as coisas, ainda mais agora que Luke estava tão próximo de localizar o paradeiro deles.

Cynthia e Duke retomaram o caminho da selva deixando Looker para trás, mas o detetive voltou a segui-los no seu encalço.

— Ouvi dizer que a senhorita estuda mitos e lendas do Mundo Pokémon — disse ele.

— Pois é — confirmou Cynthia, pouco interessada em compartilhar mais de seu conhecimento tão valioso. — Muito do que ouço falar por aí não passa de fantasia, teoria sem embasamento. O tipo de história que busco não tem jogos de política, bombas e tiroteios como no tipo de livros que o senhor deve gostar de ler para sair por aí brincando de Detetive Wobbuffet.

— Não tenho tempo para essas brincadeiras, senhorita. Meu negócio é onde as coisas acontecem — contou o detetive. — Eu sempre estou um passo à frente de meus inimigos. Quando você menos estiver esperando, eu estarei lá.

— É mesmo? Puxa, espero que não chegue atrasado então — respondeu Cynthia com um sorriso forçado.

A mulher apressou-se alguns metros a frente quando Looker decidiu perguntar:

— O que você entende sobre fendas temporais?

Cynthia parou e olhou na direção dele de forma alarmada. Não quis deixar transparecer, mas aquele era um assunto que vinha levando como segredo absoluto até mesmo de pessoas que amava. Looker ajeitou a gravata ao perceber que tocara num tópico delicado, exatamente como havia planejado.

— Acreditamos que os Galactic estão querendo trazer seu antigo chefe de volta através de uma fenda do Distortion World.

— Ah — Cynthia soltou uma indagação, parecendo um pouco aliviada. — O mundo da antimatéria. Dizem que está no lado reverso ao nosso.

— Sim. Não podemos deixar que isso aconteça, você entende, não?

Cynthia respirou com pesar. Havia muito mais em jogo do que simplesmente resgatar sua companheira das mãos de criminosos. Sabia o quanto os Galactic e os Rocket podiam ser perigosos, ainda mais quando unidos. Desde o princípio havia dito a si mesma que não se envolveria naquelas loucuras, mas agora só podia desejar que Luke estivesse bem e em segurança.

 

i

 

Dentro da redoma repousava uma pedra vermelha que brilhava como se fosse lava, cujas bordas distorcidas emitiam uma energia densa o bastante para superaquecer o vidro blindado que a protegia. O Professor Charon examinava cuidadosamente uma pequena fratura extraída da Magma Stone através de um microscópio, estudando as reações causadas cada vez que misturava água e outros elementos orgânicos. A pedra os derretia quase que instantaneamente, por isso era necessário manuseá-lo através de um maquinário eficiente e sempre com proteção adequada.

Alerta vermelho! Alerta vermelho!

Sua concentração foi interrompida no momento em que o alarme soou. Charon nem se deu ao trabalho de olhar para trás, tão concentrado que estava. Perto da saída, Petrel fumava um cigarro até o talo, seus dedos batucando com impaciência sobre o batente da mesa.

— Não vai ir verificar o que é que tá rolando? — perguntou Petrel, pouco interessado.

— Não. Contratei você para ser o músculo dessa operação. O cérebro é por minha conta — respondeu Charon, concentrado no estudo da pedra.

Petrel jogou o cigarro no chão e o apagou com uma pisada forte.

— Nunca vou entender cientistas e essa sua ciência imbecil.

— É por isso que nunca se formou na escola, Petrel — retrucou Charon, com os olhos grudados em seu microscópio.

O executivo saiu ainda mais irritado do que antes, já farto de ter que trabalhar com aqueles Galactic imprestáveis e seus sonhos surreais. Sentia falta da facção que o abraçara em tempos de necessidade. Os Rocket sempre tomavam o que queria, mesmo que para isso tivessem que usar a força. Aquele cientista não passava de um lunático. Se pudesse, teria acabado com ele ali mesmo e faria parecer um acidente laboratorial.

Enquanto seguia através dos corredores espremidos do esconderijo, escutou o som do que parecia ser uma batalha. Se a polícia estivesse mesmo envolvida não tardaria para que eles se espalhassem como baratas, mas havia uma tensão estranha no ar.

O chão começou a tremer. Petrel precisou se apoiar em uma das paredes. Quando se deu conta, um Garchomp passou disparando por baixo da terra, cortando ferro e metal como se fosse papel. Logo atrás vinha uma Sneasel que se esgueirava pelas sombras com velocidade impressionante. O dragão brecou e fez uma curva com agressividade, pronto para interceptar sua adversária frente a frente. A Sneasel tentou defender-se, mas levou uma pancada forte o bastante para arremessá-la do outro lado.

— Sorrateira, Icicle Crash! — ordenou Amy.

A felina soprou um ar gélido que congelou um enorme pedaço de rocha que despencou de uma das paredes. Usou suas garras para fatiá-la até transformá-la no que parecia um estalactite, atirando-o em direção do dragão como se fosse uma lança. O Garchomp tentou defender-se com os braços, mas a lança o perfurou no ombro e o prensou contra a parede, causando uma dor lancinante.

— Nenhum Garchomp sobreviveria a um golpe do tipo gelo como esse — comentou Petrel, transtornado. — Essa Sneasel... parece que eu já a vi em algum lugar.

O Garchomp não se deu por vencido. De alguma forma ele parecia estar carregando uma Berry consigo, e no momento em que a consumiu, o gelo pareceu nem surtir efeito.  Dessa vez ele devolveria o ataque em dobro, causando uma ponte de pedras através do Stone Edge que atingiu a Sneasel em cheio, nocauteando-a de imediato.

— Eu fiz minha lição de casa — mencionou Luke do outro lado. — As Yache Berries possuem propriedades que diminuem o impacto de golpes de gelo.

— Pelo visto você não é leigo mesmo, apesar da cara de bobo — comentou Amy, antecipando o próximo passo. — Para a próxima luta vamos precisar de um pouco mais de espaço.

O sistema de eletricidade do laboratório sofreu uma descarga e então todas as luzes se apagaram. Petrel só conseguia pensar que precisava dar logo o fora dali, só precisava encontrar alguma saída de emergência. Seguiu a única luz vermelha que conseguiu encontrar, mas por algum motivo ela estava se distanciando cada vez mais. A luz piscou, e através dela pôde enxergar um assustador Dusknoir de braços cruzados cujo único olho o fitava como se prestes a consumi-lo. Petrel sentiu as pernas estremecerem e partiu na direção oposta, mas do outro lado uma sombra fantasmagórica espreitou-se pelas paredes até desaparecer como um sopro. Ele podia escutar sua risada sinistra ecoando por toda parte.

— Um Gengar...! — afirmou Petrel. — Eu só conheço uma pessoa que tinha um desses na equipe, ainda por cima shiny.

O Gengar disparou uma Shadow Ball contra Petrel que se agachou segundos antes da esfera maligna atingir o Dusknoir no peito. General contraiu-se com o impacto, mas tão logo recobrou a pose. Com um soco potente, devolveu um Shadow Punch na mesma moeda, acertando seu oponente aonde quer que ele tentasse se esconder.

— Por que você chama seu Gengar de Blue se ele não é azul? — perguntou Luke, só por curiosidade.

— Porque eu o capturei quando ele era um Gastly e, para sua informação, existe uma vertente da espécie desses fantasmas que emite uma fumaça azulada extremamente rara. Fui uma dessas afortunadas — contou Amy.

— Maneiro. Acho legal você dar nome para os seus Pokémon. Só os fortes fazem isso — disse o rapaz. — Por sinal, eu ainda não sei o seu.

— É Amanda Green — ela disse confiante.

— Se falou o sobrenome, então deve ser importante. Sou Luke Wallers.

 

A batalha estava começando a sair do controle. O velho Charon respirou com pesar, mas ao menos concluíra a primeira etapa de sua pesquisa. Quando desligou seu maquinário, a Magma Stone ainda estava fervendo tanto que seria impossível pegá-la com as mãos.

— O que fazemos agora, senhor? — indagou Cosmo.

— Nós esperamos — respondeu Charon. — Já provocamos a pedra, não tardará para que seus donos venham recuperá-la, atraídos pela energia que ela emite.

— Mas se os Heatran vierem, isso não poderá acarretar na erupção do vulcão adormecido sob a Stark Mountain? — insistiu o assistente. — Isto seria uma catástrofe.

— Sim. Catástrofe. Esta é a palavra — disse Charon com o semblante sombrio. — Sempre que um perigo iminente desses está para assolar um continente, acontece um evento que gosto de chamar de ruptura das fendas. Elas são completamente aleatórias e podem acontecer em qualquer lugar do mundo, mas podemos também forçar uma rachadura no tempo-espaço. Bastam alguns minutos para que elas se fechem, e isso faz com que sejam seladas para nunca mais serem vistas.

— E a garota... ela viu uma dessa fendas no Spear Pillar quando perdemos o Mestre Cyrus — Star mencionou.

— Precisamente. E, graças a ela, dessa vez eu sei exatamente onde haverá uma. E é para lá que rumamos.

Charon juntou uma pasta com seus principais arquivos confidenciais e uma bolsa com alguns poucos pertences. Era claro que ele não pretendia retornar. Aquele velho laboratório já havia sido condenado e era questão de tempo até que os Heatran chegassem e consumissem tudo com seu fogo.

Sua mão pousou sobre o botão de abertura da porta quando ele percebeu que havia água entrando por entre as frestas. Cosmo e Star se entreolharam, ponderando qual deles se esquecera de desligar a torneira ou dar descarga na privada. Quando se deram conta, a porta arrebentou como uma barragem e uma enxurrada de água varreu o laboratório inteiro.

Os corredores se transformaram em um tobogã, cuspindo-os para fora com a força de uma torrente marítima. Charon ajeitou os óculos e olhou para cima a tempo de ver um enorme Gyarados disparar um Hyper Beam na direção de um Kingdra que desviou-se por alguns poucos segundos. Mikau mirou e fez um único disparo certeiro do Hydro Pump dentro da boca da serpente, arremessando-a com força contra o chão.

— É, parece que os Heatran serão o menor dos nossos problemas — brincou Charon, limpando o jaleco e ajeitando seus pertences. — Esses dois sozinhos vão causar a erupção do vulcão.

Luke e Amy batalhavam com ferocidade, enfrentando-se com a determinação inesgotável de dois campeões que se recusavam a desistir. Seus Pokémon estavam no auge de sua força, e não fariam feio frente a um adversário desconhecido. Havia certa confiança por parte de cada um que entrava em batalha, uma vontade exagerada de vencer independente de aquilo influenciar ou não no resgate de Dawn — que, por sinal, fora largada em algum lugar do laboratório feito um saco de batatas.

— É impressão minha ou aqui dentro está esquentando? — perguntou Amy com malícia.

— Olha, faz tempo que não sinto uma empolgação dessas em uma batalha — falou Luke, limpando o suor da testa.

Os dois olharam para o alto e se deram conta de que ainda estavam dentro na montanha, aproximando-se cada vez mais de seu centro. Dava para enxergar o céu através da abertura por onde fumaça e enxofre eram expelidos. As paredes da montanha eram salpicadas de vermelho como se magma fluísse através delas em uma cachoeira constante.

E então, o primeiro deles caiu como uma rocha desgrudando da montanha. Luke olhou para o alto e notou que mais pedras se formavam como se fosse um enorme formigueiro vivo. Havia uma infinidade de Heatran que fizeram do vulcão sua morada, infestando as paredes e nadando em rios de magma. Eles haviam sido atraídos do abismo de seus lares em busca da Magma Stone, vociferando com suas mandíbulas metálicas enquanto trituravam ferro e rocha.

— Está prestes a acontecer — disse Charon com a cápsula térmica da pedra em mãos.

 

ii

 

Cynthia havia acabado de alcançar a montanha quando notou que a fumaça expelida se tornara densa e escura. Com sorte havia chegado alguns minutos antes da polícia, tempo o suficiente para resolver as coisas do seu jeito.

Duke provou-se um excelente companheiro, especialmente em uma região com predominância de Pokémon do tipo fogo, pedra e terrestre. Varreu todos por seu caminho, abrindo espaço para que a treinadora alcançasse a entrada do laboratório. Cynthia deparou-se com tudo inundado, equipamentos danificados e qualquer tipo de prova simplesmente destruída. Deixaria aquilo a cargo da polícia, pois no momento sua prioridade era encontrar Dawn e tirá-la dali em segurança o quanto antes.

Piplup parecia ter um ótimo senso de direção, localizando-se através das poças d’água que se formaram com a inundação para buscar rastros e até o cheiro de sua treinadora. Ele corria apressado até demais para um pinguinzinho desengonçado. Duke estava tão preocupado quanto qualquer outro com Dawn.

O ar começou a esquentar. Cynthia sabia que estava chegando ao centro da montanha. Assim que alcançaram a saída, ela percebeu que estavam em uma área muito mais distante e elevada da montanha onde era possível enxergar de longe Luke travar uma batalha épica contra Amy.

Abaixo deles, um rio de lava corria fumegante com uma centena de Heatran furiosos. Sobre eles, Petrel segurava Dawn amordaçada e com uma faca em seu pescoço.

— Fique quietinha e comporte-se como uma boa garota — ordenou o Rocket.

Por mais assustada que estivesse, Cynthia não deixou transparecer em momento algum sua preocupação. Petrel era o tipo de criminoso mais perigoso que agia com imprudência e, por fim, recorria à violência quando encurralado num sinal de desespero. Dele, não podia esperar nada. Duke estremeceu ao dar-se conta de que sua treinadora estava em perigo outra vez, mas Cynthia procurou acalmá-lo.

Em seu cinto, Petrel carregava as seis pokébolas roubadas do time da treinadora. Dawn a encarou nos olhos, e acreditou que tudo terminaria bem.

— Tome cuidado, Petrel. Você está entrando em um terreno sem volta — disse a ex-campeã.

— Qual é, você não vai perguntar o que eu quero? — confrontou o homem. — Dinheiro? Fama? Reconhecimento? Eu perdi tudo. Pode parecer idiota, mas eu quero me vingar de todos vocês, de qualquer pessoa, de toda essa gente feliz seguindo com suas vidas pelo mundo, se aventurando ao lado do um Pokémon inicial que amam. Nem todos têm essa chance, sabe?

— Oh, pobrezinho. Tão incompreendido — Cynthia o provocou, o que o deixou cada vez mais irritado. — Você não passa de uma mera sombra do que já foi a facção criminosa mais respeitada e influente no Mundo Pokémon. Ninguém aqui tem medo de você.

— Medo? Quero ver você dizer isso quando eu estiver com uma faca em sua garganta.

— Eu vou te ensinar o que é medo — ralhou Cynthia.

Com apenas uma das mãos, a treinadora posicionou misteriosa pedra que trouxera de sua casa. Era a primeira vez que usava algo considerado tão perigoso. Conhecida como Odd Keystone, dizia que dentro daquela pedra estavam aprisionados 108 espíritos malignos que foram banidos por conta de sua maldade constante há quinhentos anos.

A pedra tremeluziu quando sua chave foi rompida. Contorcendo-se como uma criatura finalmente liberta de seu cárcere, de dentro dela saiu uma aberração exorcizada de olhos penetrantes e barulho ensurdecedor. Petrel sentiu suas pernas tremerem diante da presença do Spiritomb, um Pokémon tão antigo que suas lendas foram esquecidas pelos livros de história. Cynthia vinha estudando aquele Pokémon há muito tempo para descobrir uma forma de colocá-lo em seu time e ser capaz de controlá-lo.

O Spiritomb abriu sua boca e começou a sugar tudo ao seu redor para dentro do vazio. A distorção causada foi forte o bastante para chamar a atenção dos Heatran e perturbar o vulcão. Um terremoto foi sentido por conta da batalha travada entre Luke e Amy. Uma enorme pedra desprendeu-se e por pouco não atingiu Petrel e Dawn que precisou se jogar para não serem atingidos. Cynthia correu para socorrê-la, mas o chão começou a rachar prestes a desmoronar. Com dedos ágeis, atirou uma Quick Ball na direção do Spiritomb e o capturou efetivamente, um acerto crítico. Mas a distração serviu para que Petrel a agarrasse pela perna enquanto os dois escorregavam em direção do rio de lava.

— Eu caio, mas vou levar um de vocês comigo...! — gritou o criminoso.

E então, Petrel sentiu uma pedra chata acertá-lo bem no meio da testa. Não fez mais do que um arranhão, deixando um filete de sangue escorrer até sua boca.

— Uma... Everstone? — indagou Petrel.

Quando se deu conta, um Piplup enfurecido correu em sua direção e disparou com a força de um canhão, dando-lhe uma cabeçada em cheio no abdômen. O impacto o fez escorregar e soltar Cynthia no susto. Pokémon e criminoso deslizaram pelo piso que cedeu sobre seus pés rumo a sua sina iminente, e durante a queda ainda foi possível escutar um último grito de desespero por parte de Petrel, quase que um clamor em nome da facção que tanto amara: “Vida longa aos Rockets!”.

Pinguim! — Cynthia gritou alarmada.

Ela correu e prostrou-se sobre a beirada do precipício quando uma luz ofuscante tomou conta do ambiente. Ao se dar conta, havia um Prinplup segurando-se com esforço na beirada e com um cinto contendo seis pokébolas intactas, arrancadas das calças do criminoso. Cynthia o ajudou a subir e o abraçou com tanta força que Duke sentiu-se um vencedor. Dawn não conseguia parar de chorar, estava tão contente por rever seus amigos, e principalmente por seu primeiro Pokémon ter aberto mão de sua forma inicial que tanto prezava somente para salvá-la.

— Eu sempre acreditei em você, Duke! Você nunca desistiu de mim, e eu nunca vou desistir de você! — disse Dawn, envolvendo-o em um forte abraço.

Cynthia juntou-se a eles num gesto caloroso e agradeceu os céus por estarem bem. Sua missão agora fora concluída, mas um novo problema se formou — a montanha não tinha mais salvação e a erupção era iminente, condenando toda a ilha conhecida como Battle Area a afundar no oceano.


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