The Post-Game 5
Cynthia não suportaria ficar
nem mais um segundo sequer trancada dentro de casa. Nunca fora do tipo que esperava
algum herói ir salvá-la. Tornou-se o símbolo que gostaria de ter tido quando
menina, queria influenciar toda uma geração de treinadores. Desde pequena
gostava de se embrenhar no meio do mato em busca de novas aventuras e Pokémon,
e por mais que muitas fossem arriscadas e repletas de perigos para uma criança
de sua idade, delas nasceram oportunidades transformadoras.
A pequena Verity estava com o
Piplup de Dawn em seu colo, observando sua mãe andando de um lado para o outro
com agitação. Duke estava triste e cabisbaixo após mais uma derrota humilhante,
não seria a primeira vez que era impedido de proteger a sua treinadora quando
ela mais precisou. Cynthia também não conseguiu pregar os olhos à noite
pensando na segurança de Dawn, mas com a insônia vieram também novas ideias e
alternativas.
Dirigiu-se apressada ao seu
escritório. Pelo vão da porta, Verity pôde observá-la retirar do fundo falso do
baú um compartimento secreto trancado a sete chaves. Havia uma pedra de
estranho formato com uma fenda e dois buracos nas laterais, um artefato
extremamente antigo que atiçou sua curiosidade, mas não quis ser xereta e
perguntar o que era.
— Espero não estar arriscando
demais... — ponderou Cynthia consigo mesma.
Ao sair do escritório, já
estava de malas prontas. Verity brincava desenhando na mesa da sala quando sua
mãe passou apressada e lhe deu um beijo na testa de despedida.
— Que desenho bonito. Onde é?
— perguntou Cynthia.
— Onde eu morava antes —
respondeu Verity com tranquilidade, pondo os lápis coloridos de lado. — Pra
onde você vai?
— Mamãe tem algumas
pendências para resolver — respondeu Cynthia. — Eu pedi para alguns amigos
ficarem de olho em você, eles devem chegar daqui a pouco. Não me venha aprontar
com eles, hein? São três dos treinadores mais fortes que conheço, só para ter
certeza que nada de ruim irá lhe acontecer.
Verity encolheu os ombros e
deu risada, fingindo-se de desentendida. Quando Cynthia estava com a chave em
mãos, o Piplup de Dawn correu em sua direção e começou a rodeá-la, pedindo
incessantemente que a levasse junto.
— Ah, Duke, eu não sei...
pode ser perigoso para alguém do seu tamanho.
O Piplup estufou e bateu no
próprio peito com força, insinuando que não tinha medo de nada. Cynthia riu,
afinal, como poderia negar ajuda de um Pokémon tão determinado?
A campainha tocou e ela logo
foi atender. Em frente à sua casa estava ninguém menos do que Riley, Cheryl e
Buck, três dos integrantes originais dos Stat
Trainer que estavam por perto e se ofereceram para a difícil tarefa de
cuidar da criança de uma campeã.
— Fala aí! Firmeza? — falou
Buck apressado cumprimentando com acenos e gestos e já entrando na casa para
ver o que tinha de bom na geladeira.
— Ah, querida... — disse
Cheryl, abraçando sua amiga na tentativa de confortá-la após tudo que ocorrera.
— Eu conheci a Dawn na primeira vez que eles passaram por Eterna. Ela é uma
menina de ouro. Logo agora que você se estabilizou em uma casinha confortável
para chamar de sua, algo terrível assim acontece. Existem muitas pessoas más
nesse mundo.
— Eles não tardarão a
trazê-la em segurança. Você tem os melhores do seu lado — falou Riley com
confiança. — Até lá, dou a minha palavra de que sua filha estará segura
conosco.
De fato era a primeira vez
que seus amigos a visitavam em muito tempo. A notícia de que Cynthia tinha uma
filha daquele tamanho pegou a todos de surpresa assim que souberam, e não dava
para esconder que estavam curiosos para saber mais sobre a misteriosa criança.
Verity continuava na sala,
alheia às visitas. Era uma garotinha de cabelos castanhos e sorriso
contagiante, mas não se parecia em absolutamente nada com Cynthia. Assim que os
viu, Verity deu um salto de onde estava e correu para cumprimentá-los como se
já os conhecesse de longa data.
— Tio Rye, você também veio! —
disse a menina referindo-se a Riley. Em seguida ela olhou para Cheryl e ficou
pasma como ela tinha um corpo bonito. — Puxa, Sabi, quando foi que cresceu
tanto? Você não tinha uns peitõooes desse tamanho! — Ela enfim viu Buck voltar
da cozinha de boca cheia e não pôde deixar de comentar: — E você... você é a
cara da tia Zisu. Eu não sabia que ela também tinha filhos, isso é muito legal!
Vou ter mais gente com quem brincar.
Os Stat Trainers encararam Cynthia, sem entender absolutamente nada do
que aquela garota parecia falar. Será que ela os estava confundindo com outra
pessoa? Cynthia levou a mão ao rosto e lamentou não ter tempo.
— Eu explico tudo depois, mas
agora realmente preciso ir. Fiquem de olho nessa pestinha. Ela é curiosa... até
demais.
Assim que Cynthia fechou a
porta de sua Villa, os três companheiros se entreolharam e pensaram que não
seria tão difícil tomar conta de uma criança. Tinham uma mansão inteira ao seu
dispor, e a hidromassagem aquecida parecia estar funcionando perfeitamente.
— Bom, eu não sei vocês, mas
vou usufruir só um pouquinho dessa vida burguesa — disse Buck já com uma toalha
de banho nas costas.
Estava quase entardecendo,
mas Cynthia continuava disposta a viajar através de toda Battle Zone se fosse para encontrar sua amada. Estava sem nenhum
Pokémon no time, exceto por uma pedra enigmática e um desengonçado Piplup que
se apressava para acompanhar seu passo e recusava-se a ser carregado no colo.
Se a noite os alcançasse, temia que Duke não fosse o suficiente para protegê-la
de eventuais predadores.
— O que houve? Já cansou? —
perguntou Cynthia, olhando para trás só para ter certeza de que o Piplup não
tinha infartado. — Vamos lá, ainda nem começamos a nossa escalada. Segundo o
Luke, devemos encontrá-lo na base da Stark
Mountain. Eu só não consegui mais estabelecer contato algum, acho que está
sem sinal.
Cynthia parou de andar e
encarou o céu. As estrelas estavam radiantes, e a lua crescente era
perfeitamente visível. Só a ideia de que aquele era o mesmo céu visto em Sinnoh
há mais de quinhentos anos a fazia conectar-se com a região, pois sabia que
ainda havia tanto a se explorar! Sentia saudade da inquietação de uma jornada,
e por mais que agora o assunto exigisse urgência, cogitou até sugerir sair para
aventurar-se com Dawn em algum lugar distante, quem sabe visitar sua casa de
veraneio em Unova e conhecer novas pessoas e Pokémon.
O Piplup puxou a barra de sua
calça, chamando a atenção da mulher. Podia não ser um bom lutador, mas seus
extintos apitavam que eles tinham companhia.
— Saia daí quem quer que
esteja se escondendo, ou vai sofrer as consequências — alertou Cynthia como seu
único aviso.
Do meio da mata surgiu um
homem de meia idade vestindo um sobretudo bege, roupas formais e sapatos
envernizados. Seu semblante era convicto, tinha os cabelos levemente grisalhos
e escovados com cuidado. Não se parecia nem um pouco com um aventureiro, estava
mais para algum tipo de detetive que saíra da sessão de clássicos na biblioteca
de Galar para se perder no meio de um matagal sem repelente para Cutiefly.
— Assumo que você seja a
Srta. Cynthia. Sua reputação a precede — disse o homem, erguendo a mão com um
distintivo da polícia antes mesmo que ela se apresentasse. — Pode me chamar de
Observador, ou Looker se achar que tudo no inglês fica mais chique. Ou
Bellochio. Ou Beladonis. Ou simplesmente Mr. Handsome para os íntimos. Tenho
vários nomes, um para cada continente. São meus disfarces.
— Fascinante — respondeu
Cynthia, pouco interessada.
— Onde estão seus Pokémon?
Vejo que está sem nenhuma pokébola. Acho difícil acreditar que uma treinadora
capaz como você decidiu se aventurar pela região com um inicial como se ainda
fosse uma jovem.
— Perdão? — Cynthia
questionou, ofendida. — Está insinuando alguma coisa sobre minha idade?
— De forma alguma — Looker
respondeu, cauteloso.
— Quanta indelicadeza... E
respondendo sua pergunta, o sistema ainda não deu baixa e entende que estou com
seis Pokémon na equipe, por isso não me permite sacar uma sétima pokébola.
— Estamos cientes do
sequestro que ocorreu em sua morada na tarde de ontem, senhorita, inclusive do
roubo de seus Pokémon. A polícia foi acionada. Estamos em uma operação secreta
há mais de cinco meses seguindo os passos dos membros remanescentes dos
Galactic que se espalharam por Sinnoh.
— Eu não pedi a ajuda de
vocês — respondeu Cynthia de forma ríspida. Ela se lembrava com clareza da
ameaça de Petrel, alegando que se a polícia se envolvesse, pessoas iriam se
machucar. Achava que a presença de tanta gente só dificultaria as coisas, ainda
mais agora que Luke estava tão próximo de localizar o paradeiro deles.
Cynthia e Duke retomaram o
caminho da selva deixando Looker para trás, mas o detetive voltou a segui-los
no seu encalço.
— Ouvi dizer que a senhorita
estuda mitos e lendas do Mundo Pokémon — disse ele.
— Pois é — confirmou Cynthia,
pouco interessada em compartilhar mais de seu conhecimento tão valioso. — Muito
do que ouço falar por aí não passa de fantasia, teoria sem embasamento. O tipo
de história que busco não tem jogos de política, bombas e tiroteios como no
tipo de livros que o senhor deve gostar de ler para sair por aí brincando de
Detetive Wobbuffet.
— Não tenho tempo para essas
brincadeiras, senhorita. Meu negócio é onde as coisas acontecem — contou o
detetive. — Eu sempre estou um passo à frente de meus inimigos. Quando você
menos estiver esperando, eu estarei lá.
— É mesmo? Puxa, espero que
não chegue atrasado então — respondeu Cynthia com um sorriso forçado.
A mulher apressou-se alguns
metros a frente quando Looker decidiu perguntar:
— O que você entende sobre
fendas temporais?
Cynthia parou e olhou
na direção dele de forma alarmada. Não quis deixar transparecer, mas aquele era
um assunto que vinha levando como segredo absoluto até mesmo de pessoas que
amava. Looker ajeitou a gravata ao perceber que tocara num tópico delicado,
exatamente como havia planejado.
— Acreditamos que os Galactic
estão querendo trazer seu antigo chefe de volta através de uma fenda do Distortion World.
— Ah — Cynthia soltou uma
indagação, parecendo um pouco aliviada. — O mundo da antimatéria. Dizem que
está no lado reverso ao nosso.
— Sim. Não podemos deixar que
isso aconteça, você entende, não?
Cynthia respirou com pesar.
Havia muito mais em jogo do que simplesmente resgatar sua companheira das mãos
de criminosos. Sabia o quanto os Galactic e os Rocket podiam ser perigosos,
ainda mais quando unidos. Desde o princípio havia dito a si mesma que não se
envolveria naquelas loucuras, mas agora só podia desejar que Luke estivesse bem
e em segurança.
i
Dentro da redoma repousava
uma pedra vermelha que brilhava como se fosse lava, cujas bordas distorcidas
emitiam uma energia densa o bastante para superaquecer o vidro blindado que a
protegia. O Professor Charon examinava cuidadosamente uma pequena fratura
extraída da Magma Stone através de um
microscópio, estudando as reações causadas cada vez que misturava água e outros
elementos orgânicos. A pedra os derretia quase que instantaneamente, por isso
era necessário manuseá-lo através de um maquinário eficiente e sempre com
proteção adequada.
Alerta
vermelho! Alerta vermelho!
Sua concentração foi
interrompida no momento em que o alarme soou. Charon nem se deu ao trabalho de
olhar para trás, tão concentrado que estava. Perto da saída, Petrel fumava um
cigarro até o talo, seus dedos batucando com impaciência sobre o batente da
mesa.
— Não vai ir verificar o que
é que tá rolando? — perguntou Petrel, pouco interessado.
— Não. Contratei você para
ser o músculo dessa operação. O cérebro é por minha conta — respondeu Charon,
concentrado no estudo da pedra.
Petrel jogou o cigarro
no chão e o apagou com uma pisada forte.
— Nunca vou entender
cientistas e essa sua ciência imbecil.
— É por isso que nunca se
formou na escola, Petrel — retrucou Charon, com os olhos grudados em seu
microscópio.
O executivo saiu ainda mais
irritado do que antes, já farto de ter que trabalhar com aqueles Galactic
imprestáveis e seus sonhos surreais. Sentia falta da facção que o abraçara em
tempos de necessidade. Os Rocket sempre tomavam o que queria, mesmo que para
isso tivessem que usar a força. Aquele cientista não passava de um lunático. Se
pudesse, teria acabado com ele ali mesmo e faria parecer um acidente
laboratorial.
Enquanto seguia através dos
corredores espremidos do esconderijo, escutou o som do que parecia ser uma
batalha. Se a polícia estivesse mesmo envolvida não tardaria para que eles se
espalhassem como baratas, mas havia uma tensão estranha no ar.
O chão começou a tremer.
Petrel precisou se apoiar em uma das paredes. Quando se deu conta, um Garchomp
passou disparando por baixo da terra, cortando ferro e metal como se fosse
papel. Logo atrás vinha uma Sneasel que se esgueirava pelas sombras com
velocidade impressionante. O dragão brecou e fez uma curva com agressividade,
pronto para interceptar sua adversária frente a frente. A Sneasel tentou
defender-se, mas levou uma pancada forte o bastante para arremessá-la do outro
lado.
— Sorrateira, Icicle Crash! — ordenou Amy.
A felina soprou um ar gélido
que congelou um enorme pedaço de rocha que despencou de uma das paredes. Usou
suas garras para fatiá-la até transformá-la no que parecia um estalactite,
atirando-o em direção do dragão como se fosse uma lança. O Garchomp tentou
defender-se com os braços, mas a lança o perfurou no ombro e o prensou contra a
parede, causando uma dor lancinante.
— Nenhum Garchomp
sobreviveria a um golpe do tipo gelo como esse — comentou Petrel, transtornado.
— Essa Sneasel... parece que eu já a vi em algum lugar.
O Garchomp não se deu por
vencido. De alguma forma ele parecia estar carregando uma Berry consigo, e no
momento em que a consumiu, o gelo pareceu nem surtir efeito. Dessa vez ele devolveria o ataque em dobro,
causando uma ponte de pedras através do Stone
Edge que atingiu a Sneasel em cheio, nocauteando-a de imediato.
— Eu fiz minha lição de casa —
mencionou Luke do outro lado. — As Yache
Berries possuem propriedades que diminuem o impacto de golpes de gelo.
— Pelo visto você não é leigo
mesmo, apesar da cara de bobo — comentou Amy, antecipando o próximo passo. —
Para a próxima luta vamos precisar de um pouco mais de espaço.
O sistema de eletricidade do
laboratório sofreu uma descarga e então todas as luzes se apagaram. Petrel só
conseguia pensar que precisava dar logo o fora dali, só precisava encontrar
alguma saída de emergência. Seguiu a única luz vermelha que conseguiu
encontrar, mas por algum motivo ela estava se distanciando cada vez mais. A luz
piscou, e através dela pôde enxergar um assustador Dusknoir de braços cruzados
cujo único olho o fitava como se prestes a consumi-lo. Petrel sentiu as pernas
estremecerem e partiu na direção oposta, mas do outro lado uma sombra
fantasmagórica espreitou-se pelas paredes até desaparecer como um sopro. Ele
podia escutar sua risada sinistra ecoando por toda parte.
— Um Gengar...! — afirmou
Petrel. — Eu só conheço uma pessoa que tinha um desses na equipe, ainda por
cima shiny.
O Gengar disparou uma Shadow Ball contra Petrel que se agachou
segundos antes da esfera maligna atingir o Dusknoir no peito. General
contraiu-se com o impacto, mas tão logo recobrou a pose. Com um soco potente,
devolveu um Shadow Punch na mesma
moeda, acertando seu oponente aonde quer que ele tentasse se esconder.
— Por que você chama seu
Gengar de Blue se ele não é azul? — perguntou Luke, só por curiosidade.
— Porque eu o capturei quando
ele era um Gastly e, para sua informação, existe uma vertente da espécie desses
fantasmas que emite uma fumaça azulada extremamente rara. Fui uma dessas
afortunadas — contou Amy.
— Maneiro. Acho legal você
dar nome para os seus Pokémon. Só os fortes fazem isso — disse o rapaz. — Por
sinal, eu ainda não sei o seu.
— É Amanda Green — ela disse
confiante.
— Se falou o sobrenome, então
deve ser importante. Sou Luke Wallers.
A batalha estava começando a
sair do controle. O velho Charon respirou com pesar, mas ao menos concluíra a
primeira etapa de sua pesquisa. Quando desligou seu maquinário, a Magma Stone ainda estava fervendo tanto
que seria impossível pegá-la com as mãos.
— O que fazemos agora,
senhor? — indagou Cosmo.
— Nós esperamos — respondeu
Charon. — Já provocamos a pedra, não tardará para que seus donos venham
recuperá-la, atraídos pela energia que ela emite.
— Mas se os Heatran vierem,
isso não poderá acarretar na erupção do vulcão adormecido sob a Stark Mountain? — insistiu o assistente.
— Isto seria uma catástrofe.
— Sim. Catástrofe. Esta é a
palavra — disse Charon com o semblante sombrio. — Sempre que um perigo iminente
desses está para assolar um continente, acontece um evento que gosto de chamar
de ruptura das fendas. Elas são completamente aleatórias e podem acontecer em
qualquer lugar do mundo, mas podemos também forçar uma rachadura no tempo-espaço.
Bastam alguns minutos para que elas se fechem, e isso faz com que sejam seladas
para nunca mais serem vistas.
— E a garota... ela viu uma
dessa fendas no Spear Pillar quando
perdemos o Mestre Cyrus — Star mencionou.
— Precisamente. E, graças a
ela, dessa vez eu sei exatamente onde haverá uma. E é para lá que rumamos.
Charon juntou uma pasta com
seus principais arquivos confidenciais e uma bolsa com alguns poucos pertences.
Era claro que ele não pretendia retornar. Aquele velho laboratório já havia sido
condenado e era questão de tempo até que os Heatran chegassem e consumissem
tudo com seu fogo.
Sua mão pousou sobre o botão
de abertura da porta quando ele percebeu que havia água entrando por entre as
frestas. Cosmo e Star se entreolharam, ponderando qual deles se esquecera de
desligar a torneira ou dar descarga na privada. Quando se deram conta, a porta
arrebentou como uma barragem e uma enxurrada de água varreu o laboratório
inteiro.
Os corredores se
transformaram em um tobogã, cuspindo-os para fora com a força de uma torrente
marítima. Charon ajeitou os óculos e olhou para cima a tempo de ver um enorme
Gyarados disparar um Hyper Beam na
direção de um Kingdra que desviou-se por alguns poucos segundos. Mikau mirou e
fez um único disparo certeiro do Hydro
Pump dentro da boca da serpente, arremessando-a com força contra o chão.
— É, parece que os Heatran
serão o menor dos nossos problemas — brincou Charon, limpando o jaleco e
ajeitando seus pertences. — Esses dois sozinhos vão causar a erupção do vulcão.
Luke e Amy batalhavam com
ferocidade, enfrentando-se com a determinação inesgotável de dois campeões que
se recusavam a desistir. Seus Pokémon estavam no auge de sua força, e não
fariam feio frente a um adversário desconhecido. Havia certa confiança por
parte de cada um que entrava em batalha, uma vontade exagerada de vencer
independente de aquilo influenciar ou não no resgate de Dawn — que, por sinal,
fora largada em algum lugar do laboratório feito um saco de batatas.
— É impressão minha ou aqui
dentro está esquentando? — perguntou Amy com malícia.
— Olha, faz tempo que não
sinto uma empolgação dessas em uma batalha — falou Luke, limpando o suor da
testa.
Os dois olharam para o alto e
se deram conta de que ainda estavam dentro na montanha, aproximando-se cada vez
mais de seu centro. Dava para enxergar o céu através da abertura por onde
fumaça e enxofre eram expelidos. As paredes da montanha eram salpicadas de
vermelho como se magma fluísse através delas em uma cachoeira constante.
E então, o primeiro deles caiu
como uma rocha desgrudando da montanha. Luke olhou para o alto e notou que mais
pedras se formavam como se fosse um enorme formigueiro vivo. Havia uma
infinidade de Heatran que fizeram do vulcão sua morada, infestando as paredes e
nadando em rios de magma. Eles haviam sido atraídos do abismo de seus lares em
busca da Magma Stone, vociferando com
suas mandíbulas metálicas enquanto trituravam ferro e rocha.
— Está prestes a acontecer —
disse Charon com a cápsula térmica da pedra em mãos.
ii
Cynthia havia acabado de
alcançar a montanha quando notou que a fumaça expelida se tornara densa e
escura. Com sorte havia chegado alguns minutos antes da polícia, tempo o
suficiente para resolver as coisas do seu jeito.
Duke provou-se um excelente
companheiro, especialmente em uma região com predominância de Pokémon do tipo
fogo, pedra e terrestre. Varreu todos por seu caminho, abrindo espaço para que
a treinadora alcançasse a entrada do laboratório. Cynthia deparou-se com tudo
inundado, equipamentos danificados e qualquer tipo de prova simplesmente
destruída. Deixaria aquilo a cargo da polícia, pois no momento sua prioridade
era encontrar Dawn e tirá-la dali em segurança o quanto antes.
Piplup parecia ter um ótimo
senso de direção, localizando-se através das poças d’água que se formaram com a
inundação para buscar rastros e até o cheiro de sua treinadora. Ele corria
apressado até demais para um pinguinzinho desengonçado. Duke estava tão
preocupado quanto qualquer outro com Dawn.
O ar começou a esquentar.
Cynthia sabia que estava chegando ao centro da montanha. Assim que alcançaram a
saída, ela percebeu que estavam em uma área muito mais distante e elevada da
montanha onde era possível enxergar de longe Luke travar uma batalha épica contra
Amy.
Abaixo deles, um rio de lava
corria fumegante com uma centena de Heatran furiosos. Sobre eles, Petrel
segurava Dawn amordaçada e com uma faca em seu pescoço.
— Fique quietinha e
comporte-se como uma boa garota — ordenou o Rocket.
Por mais assustada que
estivesse, Cynthia não deixou transparecer em momento algum sua preocupação.
Petrel era o tipo de criminoso mais perigoso que agia com imprudência e, por
fim, recorria à violência quando encurralado num sinal de desespero. Dele, não
podia esperar nada. Duke estremeceu ao dar-se conta de que sua treinadora
estava em perigo outra vez, mas Cynthia procurou acalmá-lo.
Em seu cinto, Petrel
carregava as seis pokébolas roubadas do time da treinadora. Dawn a encarou nos
olhos, e acreditou que tudo terminaria bem.
— Tome cuidado, Petrel. Você
está entrando em um terreno sem volta — disse a ex-campeã.
— Qual é, você não vai
perguntar o que eu quero? — confrontou o homem. — Dinheiro? Fama?
Reconhecimento? Eu perdi tudo. Pode parecer
idiota, mas eu quero me vingar de todos vocês, de qualquer pessoa, de toda essa
gente feliz seguindo com suas vidas pelo mundo, se aventurando ao lado do um
Pokémon inicial que amam. Nem todos têm essa chance, sabe?
— Oh, pobrezinho. Tão
incompreendido — Cynthia o provocou, o que o deixou cada vez mais irritado. —
Você não passa de uma mera sombra do que já foi a facção criminosa mais respeitada
e influente no Mundo Pokémon. Ninguém aqui tem medo de você.
— Medo? Quero ver você dizer
isso quando eu estiver com uma faca em sua garganta.
— Eu vou te ensinar o que é
medo — ralhou Cynthia.
Com apenas uma das mãos, a
treinadora posicionou misteriosa pedra que trouxera de sua casa. Era a primeira
vez que usava algo considerado tão perigoso. Conhecida como Odd Keystone, dizia que dentro daquela pedra
estavam aprisionados 108 espíritos malignos que foram banidos por conta de sua
maldade constante há quinhentos anos.
A pedra tremeluziu quando sua
chave foi rompida. Contorcendo-se como uma criatura finalmente liberta de seu
cárcere, de dentro dela saiu uma aberração exorcizada de olhos penetrantes e
barulho ensurdecedor. Petrel sentiu suas pernas tremerem diante da presença do
Spiritomb, um Pokémon tão antigo que suas lendas foram esquecidas pelos livros
de história. Cynthia vinha estudando aquele Pokémon há muito tempo para
descobrir uma forma de colocá-lo em seu time e ser capaz de controlá-lo.
O Spiritomb abriu sua boca e
começou a sugar tudo ao seu redor para dentro do vazio. A distorção causada foi
forte o bastante para chamar a atenção dos Heatran e perturbar o vulcão. Um
terremoto foi sentido por conta da batalha travada entre Luke e Amy. Uma enorme
pedra desprendeu-se e por pouco não atingiu Petrel e Dawn que precisou se jogar
para não serem atingidos. Cynthia correu para socorrê-la, mas o chão começou a
rachar prestes a desmoronar. Com dedos ágeis, atirou uma Quick Ball na direção do Spiritomb e o capturou efetivamente, um
acerto crítico. Mas a distração serviu para que Petrel a agarrasse pela perna
enquanto os dois escorregavam em direção do rio de lava.
— Eu caio, mas vou levar um
de vocês comigo...! — gritou o criminoso.
E então, Petrel sentiu uma
pedra chata acertá-lo bem no meio da testa. Não fez mais do que um arranhão,
deixando um filete de sangue escorrer até sua boca.
— Uma... Everstone? — indagou Petrel.
Quando se deu conta, um
Piplup enfurecido correu em sua direção e disparou com a força de um canhão,
dando-lhe uma cabeçada em cheio no abdômen. O impacto o fez escorregar e soltar
Cynthia no susto. Pokémon e criminoso deslizaram pelo piso que cedeu sobre seus
pés rumo a sua sina iminente, e durante a queda ainda foi possível escutar um
último grito de desespero por parte de Petrel, quase que um clamor em nome da
facção que tanto amara: “Vida longa aos
Rockets!”.
— Pinguim! — Cynthia gritou alarmada.
Ela correu e prostrou-se
sobre a beirada do precipício quando uma luz ofuscante tomou conta do ambiente.
Ao se dar conta, havia um Prinplup segurando-se com esforço na beirada e com um
cinto contendo seis pokébolas intactas, arrancadas das calças do criminoso.
Cynthia o ajudou a subir e o abraçou com tanta força que Duke sentiu-se um
vencedor. Dawn não conseguia parar de chorar, estava tão contente por rever
seus amigos, e principalmente por seu primeiro Pokémon ter aberto mão de sua
forma inicial que tanto prezava somente para salvá-la.
— Eu sempre acreditei em
você, Duke! Você nunca desistiu de mim, e eu nunca vou desistir de você! —
disse Dawn, envolvendo-o em um forte abraço.
Cynthia juntou-se a eles num gesto caloroso e agradeceu os céus por estarem bem. Sua missão agora fora concluída, mas um novo problema se formou — a montanha não tinha mais salvação e a erupção era iminente, condenando toda a ilha conhecida como Battle Area a afundar no oceano.
The Post-Game 4
Era a primeira vez que
Amy viajava até Sinnoh, e em outros tempos gostaria de ter feito isso para
desfrutar das paisagens, visitar os resorts com vista para o mar
e ostentar nos cassinos e hotéis mais luxuosos da região. Precisou se
controlar, pois hoje estaria ali a trabalho.
Estava esperando que
fizesse frio para comer um delicioso fondue
de chocolate em Snowpoint antes de voltar, mas ninguém lhe dissera que o verão
em Sinnoh fazia tanto calor. Seus longos cabelos balançavam ao toque do vento,
e ao invés de optar por uma infiltração sigilosa, fez questão de garantir uma
passagem em um cruzeiro que logo iria atracar na Battle Zone na ilha a nordeste de Sinnoh.
Com seu chapéu verde
camuflado, óculos de sol e blusão largo por cima do vestido, a intenção era
justamente passar despercebida e conseguir estudar o paradeiro dos
remanescentes dos Rockets antes que mais alguém soubesse que estavam retomando
as atividades. Sentia-se responsável pelos atos daqueles imbecis desde que
assumira o controle da facção após a morte de seu pai, Giovanni, havia tantos
anos. Apesar da clara ordem de suspender toda e qualquer atividade ilegal,
havia quem não compactuasse com seus planos e não considerasse a liderança de
Amanda Green eficaz. Mas Amy não era tão complacente quanto seu pai com quem
não obedecia suas ordens.
E falando em ordens,
havia um namorado carente a esperando em Johto que ansiava por qualquer sinal
de vida desde sua partida.
— Ei. Desculpinha por sair
sem avisar no meio da madrugada. Ainda sou horrível com despedidas — disse Amy
enquanto fazia uma chamada de vídeo através de seu PokéGear.
“Não esquenta. Já te conheço bem. Amanda Green sempre faz o que quer”,
disse a voz de Ethan do outro lado. Ele vestia um avental de margaridas com uma
espátula na mão e um extintor de incêndio na outra. Seu Typhlosion vistoriava
tudo da sala, só por precaução.
— Eu percebi mesmo que minha
mochila estava pronta. E você até se deu ao trabalho de preparar uma marmitinha
para a viagem, que fofo da sua parte. Fala sério, eu tenho ou não tenho o
melhor namorado do mundo?
Ethan corou do outro lado da
linha com o elogio, mas estava focado demais em fazer a panela de pressão não
explodir.
— Tá se alimentando direito?
Eu não quero voltar pra casa e encontrar um corpo desnutrido e desidratado na
cama porque você não sabe fritar um ovo direito.
“Eu sei fazer pão na chapa. Por sinal, estou fazendo isso agor-- AI, MEU
DEDO!”
— Amor, estou começando a
pensar em abortar essa missão... Quer que eu volte pra casa?
“De forma alguma! Você precisa ir resolver os problemas que os Rockets
continuam causando. Nós ficamos devendo isso pro Proton e a filha dele.”
— Tô só brincando. Eu não ia
voltar mesmo — disse Amy com uma risada.
A treinadora encarou a
imagenzinha em seu celular por algum tempo, rindo da maneira como Ethan tentava
dar o seu melhor em se virar e cuidar da casa durante a ausência da namorada.
Amy jamais diria aquilo em voz alta, mas poderia ficar observando-o de longe o
dia inteiro, e até encontrava certo charme nele ser um palerma que se esforçava
tanto para fazer as coisas darem certo. Tudo por ela.
—
O que está pensando em fazer amanhã além de ser um fracasso? —
indagou Amy.
“Muito engraçado. Não piore minha autoestima”, disse Ethan com
sarcasmo. “É difícil ficar sem você... Eu preciso fazer alguma coisa,
estou ficando doido!”
— Você já explorou cada canto
de Johto, o que tem para de descobrir? Céus, New Bark parece mesmo um vilarejo
do interior depois que viajamos até outros continentes, aí só tem caipira!
“Poxa, não fala mal da terrinha...”
— Tá bem, tá bem. Eu amo New
Bark. Posso ter nascido em Kanto, mas meu coração está em Johto, porque você
está aí — Amy começou a tagarelar enquanto ia mostrando a paisagem do navio. —
Ei. Eu estava lembrando aquela vez que
você me beijou no Lago da Fúria... ou melhor, eu estava desacordada. Nós dois
sabemos que você só se aproveitou de uma dama indefesa e fez o que bem
entendeu.
“E-era uma respiração boca a boca,
tá legal? Ouch! Calma aí que tropecei no Sand estirado no tapete.”
— Acho melhor eu voltar pra
casa antes que você e o Tai coloquem fogo em tudo. Quer apostar que termino o
serviço até o fim de semana? — Amy olhou para o mar e ajeitou uma mecha no
cabelo. — Mesmo que esteja fazendo calor, os ventos que sopram aqui são bem
gélidos, parece até a Jynx tentando me matar congelada de novo. Ah... E quando tivermos a chance, quero voltar com você.
“Eu vou adorar. E sabe que você está
bem sexy vestida assim? Estou doido para te encontrar e arrancar peça por peça
de você.”
— Eu quebro seu nariz — disse Amy com uma risada calorosa. —
Vou desligar agora porque já estamos quase na costa. Se cuida, seu boçal. Te
amo. Beijo-beijo.
Dava para enxergar a
gigantesca Battle Tower muito longe
na costa, erguendo-se majestosa em meio ao mar infindo como um pináculo de
poder. A Fight Area recebia inúmeros
treinadores estrangeiros que se preparavam para o desafio dos cem andares, mas
Amy tinha outro objetivo. O primeiro passo era investigar e descobrir qualquer
avanço suspeito na região nos últimos meses sem levantar suspeitas da polícia.
— Vamos começar estudando o
cenário. Pidgeot, é hora da carona.
Amy lançou a pokébola de seu
Pokémon pássaro que se materializou e esticou as asas para demonstrar
inquietação. Sua Pidgeot era uma das maiores já registradas, capaz de carregar
até três treinadores em suas costas e atravessar um continente.
As penas do Pokémon reluziam ao sol, com a crina multicolorida brilhando como
um arco-íris.
Amy subiu em suas costas e
sobrevoou a região, encantada com o quão bela Sinnoh era. O Monte Coronet
erguia-se no centro por onde uma nuvem densa pairava, mais ao norte podia ver
focos de neve em Snowpoint e ao sul toda a beleza das praias maravilhosas de
Sunyshore.
O vento soprava forte e o sol
esquentava a cabeça. A Pidgeot praticamente planava sobre as nuvens, sempre
rumando ao norte. Ela tinha tamanho domínio do céu que sua treinadora podia se
dar ao luxo de estudar a topografia da região e fazer possíveis anotações em um
caderno sem se preocupar em dirigi-la.
Tudo seguia na mais perfeita
calma quando Amy escutou o som de sirenes. Segurou o chapéu e olhou para trás,
notando que havia uma pequena cabine automática com hélices barulhentas que
mais se parecia com um mini-helicóptero aproximando-se. Ela revirou os olhos e
aguardou. Quando a cabine foi aberta havia um homem uniformizado ali dentro,
vestindo óculos escuros e chapéu da Guarda Florestal. Empoleirado em seu ombro
havia um Chatot de olhos esbugalhados e bico torto. O policial retirou os
óculos e balançou a cabeça lentamente.
— Bonito, hein.
— Escuta, Seu Policial, eu
nem estava acima da velocidade, todos os meus documentos estão em ordem, pode
verificar. Sou nova na região, então me perdoe se eu estiver infringindo alguma
lei que eu desconheça, e--
Amy começou a inventar tantas
desculpas que o próprio policial ergueu a mão e pediu que ela parasse.
— Fica tranquila, moça. Só
estou falando que esse seu Pidgeot aí... é mesmo uma nAve, sacou? Esse é o
maior que eu já vi em toda minha vida. Precisei até parar pra perguntar — disse
o homem em tom de surpresa. — Primeira Geração?
— Ah, você gostou? É sim, uma
Kantoniana clássica, 6 IVs e focada em velocidade. Foi um dos meus primeiros
Pokémon da vida. Cuido dela desde garotinha.
— Eu sou fissurado em Pokémon
voadores. Quando menino até me inscrevi para me tornar líder de ginásio do tipo
aqui na região, mas não consegui passar da segunda fase. Vou te contar, eu
tenho um Staraptor, Quarta Geração, 3 IVs que já é uma mão na roda, mas ele não
chega aos pés dessa belezinha aqui.
— Ela é linda mesmo, não é? —
disse Amy enquanto afagava as penas de seu estimado Pokémon e falava com a voz
mais fina. — Quem é a diva da mamãe, hein? Quem é?
— Mamãe-mamãe! Kraaaaw! — repetiu Chatot.
Amy olhou feio em direção do
Chatot que até se encolheu no ombro de seu dono.
— Então a senhorita vem de
Kanto — ponderou o policial com a prancheta em mãos, em pleno voo. — O que veio
fazer por essas terras gélidas bem durante o verão? Pretende participar da Battle Tower com essa superpotência?
— Ah, só estou atrás de
algumas experiências novas. Sabe de algum bom lugar pra treinar?
— Sim, eu recomendaria a Stark Mountain em outros tempos, mas no
momento a área está com acesso bloqueado. Ouvi dizer que a Polícia Internacional
foi acionada, eles farão uma operação até o anoitecer, acredita?
— Jura? — Amy se fez de
desentendida. — Ah, então é melhor eu ficar longe mesmo! Imagine só se eu acabo
trombando com algum desses ladrões de Pokémon? Eu iria detestar que levassem minha
pobre Pidgeot!
— Isso seria uma tragédia! —
espantou-se o policial. — Nunca se sabe quando um ladrão pode estar disfarçado
bem na nossa frente, né? Enfim, vou ter que pedir que tome cuidado ao sobrevoar
essa área. A fumaça do vulcão pode ofuscar seu campo de visão, mesmo para um
foguete experiente como sua Pidgeot.
— Pode deixar, Seu Policial!
— Mamãe-mamãe! — gritou o Chatot em despedida, e só pelo olhar Amy
deixou bem claro que se aquele papagaio dissesse mais alguma coisa ela o
ensinaria uma palavrinha nova que iria bani-lo de todas as competições globais
por uma década.
Assim que o policial deu as
costas com seu veículo motorizado barulhento, Amy deu um rasante com sua
Pidgeot que mergulhou tão depressa abaixo das nuvens que ninguém pôde
enxergá-la. Por obra do acaso ou descuido das autoridades, ela agora sabia que
a P.I. estava com uma operação não-tão-secreta marcada na famigerada Stark Mountain. Sua investigação
começaria por ali.
Ela desceu nas proximidades
da floresta, preferindo buscar alguma passagem na base da montanha. Por se
tratar de um local tão famoso era de se esperar que houvesse mais treinadores
na região, mas no momento não havia ninguém.
Ao descer da Pidgeot, ela
esticou a mão para frente ao perceber que pequenos floquinhos pareciam pairar
pelo céu. Seu chapéu já estava sujo nas bordas. Ela pegou a fuligem preta e a
amassou com a ponta dos dedos.
— Cinzas vulcânicas —
murmurou ela.
Para estudar o solo, lançou a pokébola de um Pokémon que vivia bem em regiões montanhas. Sorrateira,
sua Sneasel, não estava nem um pouco contente por dar as caras em um lugar tão
abafado e fedido que não se lembrava em nada com sua morada, mas cumpriria sua
parte do trabalho e logo voltaria a descansar.
A Sneasel farejou o ar. Só
podia ser enxofre, e com toda certeza a origem do cheiro a levaria ao centro do
vulcão. Amy precisou se apressar para acompanhar a Sneasel que não se
incomodava em olhar para trás. Sua treinadora conhecia tão bem seus Pokémon que
só precisava se dar ao trabalho de dar-lhes a instrução uma única vez.
— O que encontrou,
Sorrateira?
A Sneasel estava parada
diante do que parecia uma zona de descarte e resíduos, com pedaços de vidro e
material orgânico utilizado em pesquisa. Aquilo era um sinal mais do que óbvio
de que havia atividade humana nas redondezas.
E eles não deviam estar tão
distantes.
Em pouco mais de uma hora a
Sneasel localizou uma passagem discreta nas raízes da montanha, perto do que
pareciam ser termas aquecidas por vapor. Amy aproximou-se só para verificar com
a pontinha do dedo a temperatura da água que estava ideal. Sentiu vontade de
despir-se ali mesmo e passar algumas horas relaxando naquela banheira natural,
mas já entardecia e a Polícia Internacional daria início a sua operação.
Ao adentrar a passagem, o ar
começou a ficar cada vez mais quente e abafado. O local era todo iluminado por
um sistema elétrico antiquado, o que indicava ao menos que alguém o vinha
frequentando. Devia funcionar como uma saída de emergências, pois era um longo
corredor que serpenteava cada vez mais fundo nos confins da montanha.
— Parece um laboratório velho
— comentou Amy. — Isso aqui está cheirando a Rockets.
Amy não avistou uma alma viva
nos poucos minutos que se infiltrou na base. Sua Sneasel caminhava à frente
pronta para atacar caso necessário. A treinadora saiu investigando qualquer
pista que pudesse expô-los, mas só encontrou pesquisas e livros acadêmicos. Em
um dos armários havia uma série de uniformes cinza com detalhes preto
estampando um logotipo em forma G que ela nunca ouvira falar.
Amy e seu Pokémon se
entreolharam. Sua Sneasel estava claramente a julgando.
— Não olhe assim pra mim. Uma
vez ladra, sempre ladra.
Amy vestiu o uniforme cafona
e tirou um minuto para se olhar num espelho trincado no canto da sala. Deu uma
bela olhada em sua traseira, preocupando-se que tudo estivesse devidamente em
ordem. A roupa era um pouco cavada, com um tipo de collant apertado que ia por
baixo usando botas e calças listradas.
— Por Arceus, como é que
alguém em sã consciência sai na rua com um uniforme desses? Não é à toa que os
Rockets ganhavam todo ano no festival de moda com o Melhor Uniforme.
No fim do corredor escutou
vozes se aproximando. Os pesquisadores deviam estar começando a voltar ao
serviço.
Amy esgueirou-se nas sombras
com profissionalismo, pois desde pequena adquirira experiência para passar a
perna mesmo nas equipes criminosas mais perigosas do mundo. Escondeu-se embaixo
de uma mesa e parou para escutar. Quando olhou de relance, um rapaz e uma moça
chegaram e sentaram-se em frente aos seus computadores, conversando sobre algo
extremamente importante do qual Amy não compreendia.
— Star, você acha que devo
arriscar?
— Não sei, Cosmo. Quantas
gemas você conseguiu juntar esse mês?
— Umas 200, mas não sei se
isso é o suficiente para eu conseguir a personagem que quero. São só 3% de
chance, se eu gastar 155 gemas então posso ter um garantido, mas não vai sobrar
nada para tentar as waifus de biquíni
no fim do mês.
— Vai ter algum husbando bonitão?
— Sempre tem. Se der sorte,
eu pego os dois.
Cosmo estava pronto para
arriscar a sorte. Rezou para todos os deuses que conhecia e prometeu ser um
capanga melhor para sua facção caso obtivesse êxito, e na décima sétima
tentativa, a tela brilhou anunciando que um personagem Ultra Raro estava a
caminho.
— Glória a Arceus! — berrou Cosmo com as mãos
ao alto.
Antes mesmo que pudesse
comemorar a maior conquista de sua vida, sentiu as garras de uma Sneasel ao
redor de seu pescoço. Do outro lado, sua companheira também havia sido
imobilizada pela ladra.
— Quem são vocês? — Amy
perguntou agressiva. — Para quem estão trabalhando? Que tipo de pesquisa fazem
aqui? — Após um breve intervalo de interrogações, ela os pressionou: — Vocês
não estão trabalhando para os Rockets, estão?
— Rockets? Claro que não.
Somos Team Galactic com orgulho —
respondeu Cosmo.
— Ou pelo menos o que sobrou
deles — concordou Star.
— Galactic? Nunca ouvi falar —
mentiu Amy. De fato não os conhecia pessoalmente, mas lembrava-se do breve
relato de Proton sobre sua operação. — O que fazem debaixo dessa montanha como
se estivessem atuando no sigilo?
— Nós pesquisamos Pokémon.
Estamos estudando clonagem.
— Eu sabia! — afirmou Amy. —
Então há de fato algum Rocket envolvido nisso.
— Nós não suportamos esses
caras — contou Cosmo. — São todos um bando de egocêntricos que só visam roubar
e não hesitam em ferir os outros para atingir seus métodos. Sim, temos um ou
outro atuando aqui conosco. E seríamos muito gratos se pudesse dar um fim nos
que restaram.
— Estamos começando a falar a
mesma língua — disse Amy com interesse.
Cosmo e Star não hesitaram ao
contar “quase” todos os detalhes que sabiam sobre as pesquisas do Profº Charon
na Stark Mountain. Contaram sobre os
eventos da Grande Criação que precedeu uma investida da polícia e os membros da Liga que liquidaram de
vez a presença dos Rocket no continente. Amy, por motivos óbvios, não contou a
eles que era a mandante da facção, mas também ela não tinha culpa se Archer e
outros ex-executivos agiram por suas costas para reerguer os planos de Giovanni
longe de Kanto.
“O Proton não tinha me
explicado a história toda... parece que eles fizeram um estrago em Sinnoh
também”, pensou Amy. “Me sinto responsável por isso. Está na hora de colocar um
fim de uma vez por todas na Equipe Rocket e seu legado de terror.”
— Como posso encontrar os
membros que sobraram? — indagou Amy.
— Um dos representantes deles
está aqui. Posso guiá-la se quiser.
Cosmo a guiou através dos
corredores que se dividia em inúmeras passagens, Amy atingiu a sorte das
grandes por contar com aquela escolta. Quando alcançaram seu objetivo, ele fez
sinal de silêncio e apontou para dentro de uma salinha escura antes de se
retirar.
Amy confiava que seus Pokémon
poderiam resolver qualquer problema. Sneasel estava de garras expostas, e seu
Primeape pronto para nocautear quem ousasse escapar. Não sabia com qual dos
ex-executivos estava lidando, e cogitou até mesmo que alguns deles tivesse
voltado do mundo dos mortos para assombrá-la.
Uma moça de cabelos negros e
jaleco branco estava sentada de costas para a porta, um sinal de claro desleixo
tendo em vista que uma das regras primordiais dos Rockets era sempre sentar-se
onde se tem visão da saída para uma eventual fuga quando necessário. De fato, a
garota usava um par de fones de ouvido e balançava a cabeça alegremente,
absorvida pelas anotações que fazia num papel florido com canetas coloridas.
A Sneasel tocou a ponta de
sua garra nas costas dela. A garota soltou um suspiro, largou a caneta e ergueu
as mãos num sinal de rendição.
— Não grite — ordenou Amy.
— Não se preocupe. Já passei
por tanta coisa essa semana que estou me acostumando — respondeu Dawn, girando
na cadeira bem devagar para encarar quem quer que estivesse ali.
— Você é a mandante dos
Rockets por aqui? Por que está retomando as pesquisas de clonagem? — Amy a
pressionou apreensiva.
— Quem, eu? — indagou Dawn,
surpresa. — Não estou ajudando Rocket nenhum, estou só compartilhando meu
conhecimento para ajudar.
— É o que todos cientistas
dizem antes de inventar alguma engenhoca que vai colocar em risco o mundo
inteiro — retrucou Amy.
— Desculpe? Que tipo de
preconceito é esse para cima dos cientistas? — Dawn revidou, profundamente
ofendida. — Pois saiba que nós, pesquisadores, precisamos nos arriscar para que
novas descobertas possam chegar à população. Eu estou cansada desse retrato
estereotipado de que o cientista é sempre o lunático, só porque mexemos com
coisas que a maioria não entende. É só reparar que em toda história o arquétipo
do cientista é usado como um disfarce para um vilão nessa eterna busca por
conhecimento, visando despertar uma entidade adormecida ou quem sabe até--
Amy cansou-se daquela
conversa e ordenou que sua Sneasel nocauteasse a garota com um golpe na nuca.
Dawn apagou na mesma hora, caindo no chão desacordada. Se ela fosse mesmo a
responsável pela ascensão dos Rockets em Sinnoh, precisaria de seus contatos e
influência para entender o que eles estavam planejando.
— Você fala demais, garota —
murmurou Amy impaciente, tentando carregá-la.
Quando estava para deixar a
sala de pesquisas, a saída havia sido bloqueada. Em frente à porta havia uma
mulher de cabelos vermelhos, olheiras e o velho uniforme dos Galactic com seu
emblema estampado no peito. Ela estava magra e fraca, mas havia uma ferocidade
no olhar que apontava que era melhor não mexerem com ela.
— Eu não sei quem você é, mas
é melhor não interromper nossos planos — disse a Comandante Mars.
— Você não vai querer arrumar
encrenca comigo — respondeu Amy.
A primeira investida veio por
parte de Mars que arremessou sua pokébola que liberou uma Purugly balofa, tão
resistente quanto um tanque. Do lado de Amy seu Primeape entrou no ringue
pronto para esmurrar.
— Close Combat! — ordenou a treinadora.
O Pokémon primata esmurrou a
Purugly que tentava aguentar firme mesmo em clara desvantagem. Quanto mais o
Primeape se irritava, mais poderoso ele se tornava. Saltitava de um lado para o
outro dando jabs e socos direto no felino que se concentrava em defender até
que chegassem reforços. Amy não poderia perder tempo com aquela baboseira, ou
acabaria ficando encurralada.
— Não vou permitir que você
leve essa menina. Ela é da família — contou Mars.
— Sei bem como é. Sempre
protegemos os nossos — respondeu Amy, confiante. — E como a representante legal
por todas as merdas que os Rockets continuam causando, eu preciso acabar logo
com isso.
O Primeape finalizou seu
oponente com um cruzado que fez o Purugly ver estrelas. Mars não estava em
condições físicas ou psicológicas de vencer uma batalha. Dawn começou a se
mexer ainda atordoada pela concussão, mas agora dava sinais de recobrar sua
consciência.
— Tia... Martha...? O que
você está... fazendo?
— Martha? Você só pode estar
de brincadeira — indagou Amy, encarando a Comandante Mars. — Nós não vamos
parar essa luta só porque alguém disse “Salve a Martha”, ou vamos?
A Comandante retornou seu
Pokémon, mas ponderou com cuidado sobre suas palavras. Tentou interligar os
fatos, e só conseguiu chegar a uma conclusão.
— Foi o meu marido que a
mandou aqui, não foi? — indagou Mars.
— Se você for a esposa de um
cara charmoso que atende pelo codinome Proton, então sim.
— Quero que diga a ele para
não tentar mais me impedir — vociferou Mars com irritação. — Eu já tomei a
minha decisão! Vou trazer o nosso filho de volta, mesmo que isso custe a minha
vida. E-eu preciso fazer isso... por ele...
— Ei, ei. Vai com calma —
falou Amy, procurando uma abordagem mais amena. — Eu não vim aqui para
julgá-la. Vim por dois motivos: primeiro, limpar a sujeira dos outros antes que
sobre para mim; e segundo, você tem uma filhinha linda te esperando em casa.
Não abra mão do seu mundo inteiro só porque perdeu parte dele.
A expressão de Mars mudou da
água para o vinho. Em seu olhar havia o semblante de uma mulher doce que
descobrira a maternidade havia pouco tempo, mas também manchada pelas
cicatrizes e doses que vinham no conjunto. Mars amava Eletra, sua filha mais
velha, e queria vê-la crescer e quem sabe um dia tocar sua própria facção
criminosa. Tal ideia a fez rir com os olhos marejados. Por um instante
sentiu-se muito egoísta em abrir mão dela e do marido que tanto a amava.
— O que eles disseram sobre
mim...? — indagou Mars.
— Os dois só querem que você
volte para casa. Eles precisam de você como mãe e esposa — respondeu Amy.
— Mas como eu poderia
encará-los ao voltar de mãos abanando?
Amy desviou o olhar, buscando
fundo em seu próprio coração para dizer aquelas palavras:
— Eu cresci sem pai. É
difícil ser cuidado por um lado só, a balança sempre acaba pendendo. Ele vivia
procurando uma forma de voltar para casa e trazer alguma coisa para mim para
compensar, fosse um presente que ele achava que eu queria ou rios de dinheiro.
Às vezes ele só queria manter as contas pagas. Mas ele nunca percebeu que o que
eu mais precisava era ter um pai presente em casa. Eu teria pago para ele pra
ficar, se fosse rica como ele era. Eu teria comprado todo o tempo do mundo ao
lado dele...
— Mas tempo não se compra. E
disso Dialga sabe muito bem — respondeu Mars de maneira mansa.
Quando as duas finalmente
estavam começando a se entender, o alarme do laboratório disparou com seu som
ensurdecedor. “Alerta vermelho! Alerta
vermelho! Intruso detectado!”.
— Parece que fui descoberta. —
Amy deu de ombros, fingindo surpresa. — Até que demoraram.
— Não foi você — contou Mars.
— Tem mais alguém aqui.
A Comandante saiu às pressas,
pois não queria que ninguém soubesse que ela compactuava com os planos do Team Galactic e aquilo voltasse a
colocar a segurança de sua família em risco. Amy agachou para verificar as
condições de Dawn, mas a garota ainda estava desnorteada e não conseguiria
andar, o que dificultaria sua fuga.
Amy olhou para o fim do
corredor esfumaçado, iluminado por luzes vermelhas oscilantes conforme o alarme
gritava. Sacou uma pokébola da bolsa e aguardou o confronto.
Do outro lado do corredor,
duas sombras se ergueram como se envolvidas por uma dança. Um majestoso
Dusknoir adentrou o local de braços cruzados ao lado de uma Froslass que fazia
sua entrada triunfal como sua primeira dama. Conforme avançavam, o chão por
onde os Pokémon fantasma flutuavam congelava assim como as paredes ao redor,
transformando o corredor espremido em um caixão de gelo dentro de um vulcão
adormecido.
Atrás deles veio um garoto
ordinário, sempre de cabeça e queixo erguido com sua boina púrpura, jaqueta
azul e seu clássico cachecol branco. O gelo controlara a temperatura de tal
forma que ele nem precisou se dar ao trabalho de trocar de roupa, como se a
própria natureza tivesse de se curvar perante sua vontade.
— Opa. Foi mal por atrapalhar
seus planos. Só sei entrar pela porta da frente — disse Luke Wallers.
O que mais o surpreendia era
que alguém ainda tivesse coragem e ousadia o bastante para combatê-lo. Os anos
podiam tê-lo tornado mais humilde e contido, mas ainda havia traços da soberba
de alguém que se consagrou campeão em sua juventude. Luke não se deu ao
trabalho de pensar demais e ligar os fatos. Ali estava uma mulher desconhecida
com o uniforme da extinta facção dos Galactic, pronta para enfrentá-lo. Ao seu
lado, o corpo estirado da garota por quem cruzaria um continente para salvar.
Luke e Amy se encararam sem
dizer palavra alguma. No cinto da calça, uma Dusk Ball estava à mostra como se fosse sua principal arma, seu
dedo indicador pousando a poucos centímetros do gatilho.
— Solta a garota — ordenou
Luke.
Mas Amy não gostava de
receber ordens. Ela sorriu com afronta.
— Vem me obrigar.
A Dusk Ball zuniu. Um flash dominou o corredor antes que tudo mergulhasse num breu, como se tivesse roubado a própria escuridão. Por entre a fumaça e luzes oscilantes da sirene, um par de olhos amarelos surgiu e deu espaço a um enorme dragão bípede com suas lâminas no lugar de garras prontas para dilacerar. O Garchomp vociferou como forma de intimidação e aguardou as ordens ao lado de seu mestre.