Pokémon AeS Scale World

2022 está quase no fim.
No começo do ano fiz um post para falar sobre algumas metas e expectativas relacionadas ao blog. Eu consegui terminar de escrever e publicar o especial "The Post-Game", contando um pouco mais sobre as aventuras dos protagonistas alguns anos depois que sua primeira aventura foi concluída.
Eu comecei a escrever em 2020, então foi um tremendo alívio saber que não estou tão enferrujado. O especial conta com sete capítulos, e trouxe na conclusão uma prévia para um possível Aventuras em Hisui, se é que algum dia isso realmente irá acontecer. Quem sabe?


Eu também esperava que a Panini finalmente lançasse os mangás de Diamond & Pearl, e já estamos no volume 2 (demoraram apenas 8 anos, mas por sorte eu sou paciente).


Eu havia dito também que queria comprar alguns booster da última coleção de TCG Sword & Shield. Fiz umas trocas de cartas de Pokémon no UP!ABC, onde troquei duas cartas de antigas por 700 reais numa loja (foi uma das negociações mais loucas que já fiz).


E por fim, eu cumpri meu maior objetivo que era comprar as coleções Scale World de Pokémon baseadas em Sinnoh. Eu sou apaixonado por miniaturas assim, e eu não poderia perder a chance de fazer uma foto com os três protagonistas do Aventuras em Sinnoh pelos velhos tempos.




Vim aqui só para deixar esse registro. Agora Luke, Lukas e Dawn estão prontos outra vez para se aventurarem pelo mundo! Só faltou um Pachirisu para reunirmos o grupo original de treinadores e seus Pokémon, exatamente como no primeiro header do blog feito lá em 2010. Bateu forte a saudade.


Sempre que posso eu tento tirar um tempinho para dar um "alô" aqui. Vez ou outra me deparo com comentários de novos leitores, portanto, dou-lhes as minhas boas vindas. Eu sempre recebo notificações por e-mail quando algo acontece no blog, e não se enganem, vou continuar amando conversar sobre Pokémon e fanfics.

Desejo a todos boas festas nesse fim de ano, e já aproveito para desejar que 2023 seja repleto de novas histórias para nós (e mangás, figures e cartinhas!).


A Conclusão de Sinnoh 2.022

"Está feito", disse Frodo Bolseiro.

"Sim, Sr. Frodo", respondeu Sam. "Acabou agora."


E com esse trecho de O Senhor dos Anéis em mente, me pego pensando que é a segunda vez que eu "termino" o Aventuras em Sinnoh. A primeira foi lá na Liga Pokémon em fevereiro de 2015, e de lá para cá se passaram 7 anos. Muito mais do que imaginei. Ainda me surpreendo pelo fato do blog continuar vivo, e com alguns visitantes ocasionais aqui e ali. Lá no fundo sinto que ainda sou o mesmo, porque estou sentado no mesmo lugar e usando mesmo notebook velho com quase uma década de existência.

Mas, de alguma forma, acho que TUDO está diferente. O mundo virou um lugar bem estranho.


Sinnoh 2.0 foi uma brincadeira antiga que surgiu assim que a fanfic terminou. Quando uma coisa que as pessoas gostam muito termina, é normal estar no hype e querer saber mais. Lembro que pouco tempo depois de Naruto acabar, logo vieram os boatos do filho dele, Boruto, e eu só conseguia pensar: "Isso devia ter acabado há muito tempo".

Bem, talvez o blog também tivesse de ter acabado também, mas ainda me pego passeando por aqui, lendo comentários antigos e reencontrando alguns velhos rostos quando tenho a oportunidade. 


Com o término do The Post-Game, as histórias que eu tinha para contar aqui terminaram. Consegui entregar um fim que eu sempre quis dar para meus personagens, matar a saudade, e de quebra concluir umas pontas soltas que me incomodavam. Me diverti muito. Deixo meus sinceros agradecimentos ao Dento que puxou meu pé por incontáveis anos para escrever esse arco, e hoje posso vir aqui de cabeça erguida para confirmar que o terminei.

Fica o gancho para uma continuação da continuação, e quem sabe até um Aventuras em Hisui? Bom, aí já não é comigo, mas uma história começa quando um escritor se pergunta: "O que será que vem depois dessa página?"


No início desse ano eu fiz um post falando sobre minha vontade de comprar bonecos da linha Scale World de Pokémon, e eu consegui. A foto de capa está aí para provar (só faltou o Luke).

Ontem também chegou o Vol. 1 da saga Diamond & Pearl nos mangás, e eu percebi que estou esperando essa desgraça desde 2014 quando a Panini lançou Black & White aqui no Brasil, e só agora eles voltaram à quarta geração para eu finalmente acompanhar essa obra. Venho evitando ler desde então, porque eu prometi a mim mesmo que só leria quando tivesse uma edição física em mãos, até para evitar me espelhar na história enquanto eu produzia AeS. Ainda não li o volume, mas estou ansioso para começar. Como cuidei dessa região por 12 anos, eu provavelmente vou achar bem esquisito enxergar os personagens de uma forma tão diferente *risos* Às vezes sinto que eles são só meus.


Acredito que este post marque um final para o blog como o conhecemos. Sem mais histórias. Não tenho mais nada para contar (acho que eu falei a mesma coisa em 2015, mas enfim).


Obrigado pelas memórias. Obrigado pelas visitas e comentários que ainda guardo como um pequeno tesouro. Obrigado à VOCÊ que leu e fez parte dessa história comigo.


The Post-Game 7 [FINAL]

 

No momento em que Amy pôs o pé para fora do portal, ela se reteve. Todo o esquadrão da Polícia Internacional fazia ronda e cercava o local com suas faixas amarelas com os dizeres em letras garrafais “não ultrapasse!” que nenhum cidadão ousava burlar. Parte da guarda costeira de Sinnoh também fora acionada, assim como detetives, investigadores e alguns curiosos de plantão.

A primeira reação de Amy foi recuar um passo e voltar para dentro do Distortion World onde era mais seguro, mas Martha pediu-lhe licença e passou em sua frente, correndo em direção dos seus sobrinhos que a aguardavam ansiosamente. Luke e Lukas a receberam com um abraço caloroso, quase indo ao chão no momento em que ela se jogou nos braços dos meninos.

— Tia Martha, você está bem! Que alívio — disse Lukas com a voz chorosa.

— Me perdoem pelo susto, meus queridos. Eu não queria... eu estava fora de mim.

— Tá tudo bem, tia — respondeu Luke preocupado. — Nós não fazíamos ideia onde você tinha ido parar, não temos notícias suas há meses.

— Mas se tem alguém que conhece cada canto deste universo, essa pessoa é a Paula.

Amy, que até então apenas os observava de longe, deu-se conta da mulher que caminhava em sua direção. Ela era muito alta e tinha longos cabelos perolados, mas a expressão franzida e irritadiça apagava parte da beleza e plenitude que costumava habitar seu olhar. Amy deu dois passos para a direita e saiu da frente da fenda antes que a mulher gritasse: “Mova-se depressa!”.

Com os braços estendidos, Paula abriu as palmas do mão no ar e fechou os braços num movimento cruzado, como se dobrasse as amarras do universo à própria vontade. O portal para o Distortion World retorceu-se, vibrou e emitiu uma energia densa para então ser selado, intransponível, como sempre deveria ter estado.

Mesmo sem entender, Amy fez menção de agradecê-la, mas a mulher lhe deu as costas e desapareceu em um corredor escuro da montanha. Até mesmo Luke estranhou tal atitude, o que o levou a interrogar seu irmão:

— Tá tudo bem com a Paula?

— Ela ficou bem irritada quando pressentiu esse portal sendo aberto... — lamentou Lukas. — Nós não tivemos tempo de conversar muito no caminho para cá, mas ela disse que isso a colocaria em uma séria encrenca com as outras divindades. Espero que ela consiga resolver e tudo termine bem...

— Eu também. E falando nisso, será que o senhor pode me explicar por que não retornou nenhuma das minhas chamadas nos últimos dias? — falou Luke, escondendo a frustração por trás do deboche. — Tava tão ocupado que não teve nem tempo de dizer ao seu irmãozão que chegou bem? Hein, hein?

— Credo, você tá falando que nem a mamãe! — brincou Lukas, afastando-o de perto de si. — Onde eu estava não tinha sinal. E digamos que era um pouquinho... distante daqui.

— Não acredito que você foi visitar outra região sem mim!

— De forma alguma! É só que a Paula queria que eu conhecesse um dos planetas favoritos dela, porque eles estão na temporada onde acontecem as supernovas.

— Ah — ele soltou uma exclamação. — Perto de você minhas aventuras até perdem a graça.

— Eu sempre vou preferir as nossas aventuras, Luke.

Os Irmãos Wallers guiaram tia Martha para que ela fosse atendida pelos paramédicos. Parte da operação havia sido organizada por tio Marshall, que estava em seus últimos anos na polícia procurando por um substituto. Com a confusão toda envolvendo a aliança entre Rockets e Galactics, seu intuito era manter a mídia o mais longe que pudesse para que isso não manchasse os compromissos da Liga Pokémon ou seus sobrinhos. Charon e os demais tiveram o laboratório apreendido e todos os instrumentos de pesquisa confiscados, e seriam interrogados em breve. Com o vulcão da Stark Mountain controlado, não havia mais o que temer.

E além de Marshall, havia outros rostos que encheram Luke e Lukas de saudades. Quando Stanley ficou sabendo que Luke poderia estar em apuros, ele foi correndo chamar sua namorada Vivian para dar o devido apoio moral. Não que eles pudessem oferecer grande ajuda, mas a intenção era o que mais contava.

— A cavalaria chegou! Graças a Arceus cheguei a tempo! — bradou Vivian, erguendo duas sacolas de supermercado como se segurasse o Santo Graal.

— Ô, glória! Manda pra cá! — berrou Luke do outro lado.

Vivian arremessou com precisão um Soda Pop para cada um de seus amigos. Havia também salgadinhos, bolachas e doces para beliscar e matar a fome antes que desse a hora do almoço. Luke e Stanley se cumprimentaram com um aceno só deles e brindaram a mais uma missão bem sucedida.

— A nossa sequência de batalhas na Battle Tower ainda tá de pé? — indagou Luke.

— Sim, eles entenderam que era uma emergência. Não se pode controlar a barriga — brincou Stanley. — Por sinal, a Dawn está bem depois de toda essa loucura?

— Sim, nós a levamos para a enfermaria até que a polícia controle a situação por aqui, mas eu mesmo ainda não a vi — falou Luke, procurando pelo chefe do setor. — Ô, tio Marshall! A gente tá livre para ir?

— Ainda não, meu rapaz. Preciso de vocês para preencher só mais alguns documentos — respondeu o homem com uma prancheta em mãos. — Restaram poucos membros dos Galactic em operação, e por sorte não houveram casualidades. Estamos investigando o paradeiro do ex-executivo Petrel dos Rockets, mas ainda não o encontramos. Eu vou precisar que todos os envolvidos continuem por aqui. Inclusive você, senhorita.

Marshall apontou com o lápis na direção de Amy que tentava sair de fininho. A garota suspirou, pois a última coisa que queria no momento era o envolvimento da polícia em seus afazeres. Marshall entregou a prancheta para outro oficial, caminhou em sua direção e a chamou para uma conversa em particular. Ele encostou-se à parede e retirou o chapéu para abanar-se por conta do calor, como quem tem uma conversa casual.

— Você é a Srta. Green? — perguntou o chefe da polícia, quase como se confirmasse.

Amy fez que sim com a cabeça, cautelosa e impaciente.

— Entendo. Estou ciente do seu histórico com esses criminosos.

— Isso já faz muito tempo. E se te consola, eu mesmo vim aqui para limpar a bagunça que eles deixaram — respondeu Amy.

— Fique tranquila, não vim com o intuito de pressioná-la. Estou no encalço dos remanescentes dos Rockets que estão atuando em Sinnoh há muito tempo, mas espero que esta seja a última vez.

— O senhor não vai deixar isso vir à tona, ou vai? — indagou Amy por fim.

— Senhorita, eu não quero problemas. E da mesma forma que você busca discrição, eu trabalho nas sombras — falou Marshall, e atrás dele pôde-se ver as asas de um enorme Honchkrow se movimentarem como se fosse um sobretudo em suas costas. — Eu nunca te vi, e você nunca me viu.

— Já até esqueci que tivemos essa conversa — respondeu Amy, aproveitando a chance para escapar pelos fundos antes que alguém sequer se desse conta de que Amanda Green, a herdeira dos Rockets, pusera os pés na região. — Até logo, oficial

 

i

 

Quando Dawn acordou, mal pôde acreditar em seus olhos. Estava de mãos dadas com sua amada Cynthia, com todos seus amigos ao redor que não via há tanto tempo. Seus olhos se encheram de lágrimas ao dar-se conta de que o tempo nunca seria capaz de romper o laço que havia construído com eles, pois eles sempre iriam ao seu encontro quando ela precisasse.

— Oh, minha pequena — Cynthia aproximou-se e deu-lhe um beijo na testa. — Está tudo bem agora. Você está segura.

Dawn sentou-se na maca e levou a mão ao peito, pois ainda respirava com dificuldade. De um lado recebeu o apoio da atual, e do outro, o ex. Quando seus olhos se encontraram com os de Luke, ela teve um lampejo de todos os anos que passaram juntos — da segurança que sentia e da certeza que poderia conquistar o mundo junto dele —, e do outro estava Cynthia, por quem era perdidamente apaixonada.

— Vocês vieram por mim — disse Dawn com a voz chorosa. — Acho que estou fadada a sempre ser a garotinha indefesa do grupo. Me desculpem por sempre dar trabalho...

— Ai, menina, já tá falando besteira — interrompeu Vivian, enfiando uma bolacha recheada de morango na cara dela. — Cala a boca e come.

— O que aconteceu para que todos viessem aqui me ver? — indagou Dawn.

— E precisa de motivo? — perguntou Lukas. — Eu acho é que ficamos tempo demais longe. Precisamos marcar algo com mais frequência, e sem essa de “vou ver e te aviso”. Eu quero uma reunião da velha guarda de Sinnoh pra ontem!

Todos riram e aproveitaram o momento de confraternização com nostalgia de sobra. Dawn ainda estava terminando seu pacote de guloseimas quando alguém bateu à porta e pediu licença ao entrar. O detetive Looker fez sua entrada triunfal, como se fosse uma celebridade famosa que seria recebida ao som de aplausos e a união de inúmeras bocas abertas em sinal “O” conforme seu sobretudo esvoaçava no ritmo do ventilador de canto improvisado.

Mas no instante em que ele entrou, Vivian soltou uma indagação:

— Por que tem um cara fazendo cosplay de Detetive Wobbuffet na porta?

— Saudações. Eu sou o Observador, mas vocês podem me chamar de Looker. Estou aqui em nome da P.I. para verificar o bem estar da Agente D.

Todos os presentes na sala viraram o rosto em direção de Dawn que mordiscava balinhas de jujuba coloridas.

— Quem, eu?

— Claro. Você se lembra que este foi o codinome que eu lhe dei... não lembra? — indagou Looker, encarando com desapontamento a expressão no rosto de Dawn. — Qual é, foi no Capítulo 8, nem faz tanto tempo...

— Irmão, eu não lembro nem o que eu comi ontem — respondeu Luke.

— Enfim — Looker se recompôs e ajeitou a gravata. — Há muitos anos eu me infiltrei nessa região a fim de estudar mais sobre as facções criminosas que atuavam em Sinnoh. Fiquei muito tempo no encalço do executivo Proton, desde o incidente do incêndio nas proximidades da Rota 202 para ser mais exato.

— Rapaz, isso me lembrou aquela vez que fomos atacados por uma horda de Bidoof doidos. Vocês lembram disso? — indagou Stanley.

— Pode crer — confirmou Luke. — Eu achava eles inúteis na época, mas pensando hoje em dia, bem que eu queria ter um Bidoof no time. Bidoof são maneiros.

— E foi como nos conhecemos! — disse Vivian empolgada, abraçando Lukas ao se lembrar de como tinha uma quedinha por ele. — Ih, foi mal. Esqueci que tenho namorado agora.

Enfim — Looker pigarreou mais alto, tentando retomar o assunto. — Chegou aos meus ouvidos que ele pode ter alguma conexão com a Comandante Mars dos Galactic. O que vocês sabem sobre isso?

— Nada — Lukas balançou a cabeça.

— Nadica de nada. Nunca ouvi esse nome na minha vida — concordou Luke.

— Hm. Suspeito — ponderou Looker, sem se dar por vencido. — Bem, acredito que isso agora seja tarefa para a polícia local, então vou me abster.

— Ah, lembrei! — disse Dawn em sinal de surpresa, apontando subitamente na direção do detetive. — A última vez que fiquei sabendo, o senhor havia se envolvido em um tiroteio. Eu jurava que estivesse morto.

— Morto?! Aquilo tudo foi um disfarce para que eu saísse de cena! — retrucou Looker com convicção. — Eu me permiti ser atingido, para que assim o inimigo não levantasse mais suspeitas sobre meu envolvimento. Passei algumas semanas no hospital e depois saí de licença para passar um tempo em Alola descans-- digo, trabalhando arduamente.

— Oh, estou impressionada! O senhor planejou tudo mesmo — mencionou Dawn.

Seus amigos se entreolharam. Só mesmo Dawn para cair na conversa daquele detetive fajuto.

— Vocês devem estar pensando que eu não fiz nada durante minhas fér-- digo, minha missão em Alola. Pois é justamente por esse motivo que vim aqui hoje — falou Looker, fazendo suspense. — Vocês já ouviram falar sobre fendas?

A menção daquela palavra fez Cynthia se levantar, como quem não deseja que aquele assunto seja levado em diante.

— Detetive, receio que a paciente precise descansar. O horário de visitas já encerrou.

Looker a encarou em silêncio por alguns segundos, mas logo percebeu que estava em clara desvantagem. Por mais que tivesse o desejo e interesse de pedir a ajuda daqueles jovens para seguir com seu estudo sobre as fendas temporais, reconheceu que não conseguiria nada em Sinnoh. Os Ultra Wormhole ainda era assunto sigiloso até mesmo para as autoridades, e por mais que a situação exigisse urgência, talvez fosse melhor não envolvê-los naquilo.

— Bem, então não era para ser — lamentou o detetive, vestindo seu casaco. — Me desculpem se pareço excêntrico, mas é que não posso evitar. Meu tempo em Sinnoh finalmente está chegando ao fim agora que meu trabalho aqui está concluído.

— Mas você não fez nad--

Stanley tampou a boca de Vivian antes que ela machucasse o pouquinho de dignidade que restava àquele pobre homem.

Looker girou nos calcanhares e fez um último aceno breve para os jovens heróis que fizeram parte de sua história.

— Adeus. Que os ventos do destino permitam que nossos caminhos voltem a se cruzar algum dia! — disse o detetive, fazendo um som de vento com a boca para dar efeito conforme fechava a porta, ainda mantendo contato visual.

 

Cynthia continuou ao lado de Dawn para ajudá-la a reunir seus pertences e levá-la de volta para casa assim que os médicos a liberassem. A operação da polícia estava quase no fim, e como prometido, tio Marshall conseguira desviar toda a atenção da mídia para um incidente envolvendo o descontrole dos Heatran que quase ocasionou na erupção do vulcão.

Os dois irmãos se sentaram próximos à ribanceira para observar o nascer do sol. Stanley e Vivian também se uniram a eles, e logo o grupo que originalmente se aventurara por Sinnoh quando criança estava reunido outra vez. A montanha dava uma bela visão do Monte Coronet que se erguia diminuto no horizonte, assim como a região norte de Sinnoh toda coberta de neve até a costa e o castelo da Liga Pokémon ao leste.

— Puta merda — falou Luke por fim. — Eu amo Sinnoh. Grande parte da minha vida passou-se nessa região, e sou muito grato por ela. Obrigado por fazerem parte disso.

— Deu de ficar todo emotivo agora? — indagou Stanley. — Até parece que nunca mais vai voltar.

— Eu conheci muitos lugares junto da Paula, mas devo admitir que meu coração sempre estará aqui — comentou Lukas.

— E eu vou aonde vocês forem! — mencionou Vivian. — O que acham de organizarmos uma nova aventura só nós quatro, como nos velhos tempos?

— Eu topo — falou Luke. — O que acham de semana que vem?

— Ih, já tenho compromisso — falou Lukas.

— E nós temos a disputa da Battle Tower remarcada, cabeção — acrescentou Stanley.

— Ô porra, mas será que gente velha nunca consegue marcar nada? Vou ter que começar a marcar horário com três meses de antecedência na minha agenda de celebridade — disse Vivian raivosa, mas logo a situação toda os fez rir e concordar que a vida nunca mais seria a mesma, e a graça estava justamente naqueles momentos tão raros e preciosos que eles compartilhavam.

Luke ria contente quando sentiu um minúsculo pedregulho acertar-lhe. Levou a mão à boina na cabeça e olhou para trás a tempo de ver alguém se esconder atrás de uma árvore. Ao reconhecê-la, ele se levantou e foi em sua direção, sendo recepcionado por Amy que já se despedia às pressas.

— Ei. Eu quero te agradecer pelo que fez pela nossa tia — falou Luke. — Não fazíamos ideia que ela tinha perdido um filho e como isso a afetou. Dessa vez ela preferiu contar com a nossa ajuda para se reabilitar, e iremos tomar conta dela.

— Família é tudo — concordou Amy. — Vim só me despedir porque também estou voltando pra casa.

— Minha tia me contou um pouco do que vocês passaram no Distortion World, e... é um lugar complicado, eu também já estive lá.

— Não achei nada demais — disse Amy como quem faz charme, mantendo em segredo absoluto tudo que vivenciara no mundo da antimatéria. Ela puxou a boina do rapaz para baixo e revelou aquele sorriso típico que somente Amanda Green sabia dar. — Se cuida, campeão.

— Como sabe que conquistei esse título? — perguntou Luke.

— Um Campeão sabe reconhecer o outro — respondeu Amy com uma piscadela.

— Não brinca! E nós nem tivemos uma batalha pra valer! Topa um acerto de contas definitivo?

— Vai ter que ficar para depois — disse Amy apressada, olhando para ver se alguém mais a observava.

Lá longe Vivian forçava os olhos para descobrir quem era a biscate que Luke estava conversando, e após remexer suas memórias mais remotas e longínquas, ela apontou na direção de Amy e soltou um berro que fez a montanha estremecer:

É a mina que roubou a minha bike quando eu era criança!

— Vai ser rancorosa assim no inferno, garota! — retrucou Amy enquanto corria na direção oposta e saltava pelos barrancos até desaparecer do mapa.

 

ii

 

No momento em que Cynthia girou a chave na fechadura, as duas soltaram um longo suspiro prazeroso. A tardezinha se despedia e elas finalmente estavam em casa após aquela loucura toda dos últimos dias. Duke estava ansioso para contar a novidade aos seus companheiros Pokémon, mas ao dar o primeiro passo, suas patas desengonçadas escorregaram em sabão e ele foi deslizando pelo chão como se estivesse em uma pista de gelo.

Dawn e Cynthia largaram as malas na varanda ao se darem conta da música alta que vinha da festança que acontecia na piscina. Buck contratara um DJ que agitava com as músicas mais badaladas do momento, ele também convidara algumas amigas para desfilarem de biquíni enquanto Cheryl cuidava dos comes e bebes. Até mesmo Riley descansava em uma boia com o formato de Lapras tomando um refresco. Todas as cascatas estavam ligadas, as luzes coloridas cortavam o céu como holofotes. Algum doido até mesmo saltou da sacada no segundo andar, fazendo um tremendo splash! que jogou água para todos os lados.

Verity ao menos não parava quieta no meio de toda aquela gente, e ela parecia estar adorando! Nunca antes Cynthia a vira se divertindo tanto, principalmente por tê-la mantido muito tempo trancada dentro de casa, sem contato com o restante do mundo.

— Calma. Respira. Nós vamos arrumar tudo — disse Dawn bem lentamente, pronta para acalmar os nervos de sua companheira.

Mas, para sua surpresa, Cynthia começou a rir.

— Quer saber? Que se dane.

Ela arrancou as roupas da viagem, ficando apenas com as roupas de baixo que mais pareciam com um top e uma calça de ginástica. Ela não devia mais nada a ninguém, e estava cansada de viver escondida dos olhos da mídia que teimaria em caçá-la até os confins do mundo para denegrir a sua imagem. Dessa vez seria diferente. Ao invés de: “Ex-campeã é vista causando tumulto em sua casa de veraneio”, seria muito mais interessante a manchete: “Ex-campeã sede a maior festa da última década!”.

Dawn chamou Duke, ainda se acostumando com o fato de que não poderia mais levá-lo no colo. O Prinplup parecia muito contente com sua nova forma, e tanto Milady quanto Isaac ficaram extremamente orgulhosos da evolução do estimado filhote.

O pinguim subiu até o topo da cachoeira artificial e deu um salto com Verity em suas costas. Buck e os demais aplaudiram a manobra, e mandaram mais uma rodada de refrigerante e muita espuma.

Tudo naquele mundo era tão diferente e novo para a garotinha. Cynthia tomou a filha nos braços e a ergueu no alto, e junto de Dawn elas abraçaram a menina cujo sorriso não cabia mais no rosto.

Obrigada! Obrigada! Obrigada! Vocês são as melhores mamães que eu poderia pedir! — disse Verity, explodindo de alegria.

— Oh, minha querida... Você é o meu presente dos céus — falou Cynthia com a voz mansa.

— Eu não quero voltar — contou a pequena. — Aqui é muito mais legal do que Hisui. Por favor, se eu puder ficar mais um pouquinho...

— Ninguém vai te tirar de nós. Nunca — Cynthia assegurou-lhe. — Seu segredo está seguro conosco. E se algum dia você tiver de voltar para o lugar de onde veio, pode ter certeza que suas mamães irão buscá-la. Nem que para isso precisemos enfrentar as divindades!

— Eu amo vocês!

Verity as envolveu em seus bracinhos e desejou nunca despertar daquele sonho.

 

iii

 

49º andar, 49ª vitória. A última vez que Luke sentira suas mãos tremerem tanto havia sido na batalha contra Ike Smithsonian na Liga Pokémon. Stanley se aquecia no banco ao lado, com os três melhores de seu time prontos para a batalha em dupla. Fire Tales e Red Fortress reunidos. Os holofotes todos centralizados neles.

— E lá vamos nós outra vez — disse Stanley a um dado momento. — Vai ficar com dor de barriga de novo?

Luke limpou o suor da testa, procurando se concentrar.

— Eu nunca pensei que fosse ficar tão ansioso por enfrentar o tio Palmer em batalha.

— Qual é, você cresceu vendo o meu velho dormindo no sofá de casa depois do almoço. Tem como ser intimidado por isso? — brincou Stanley. — Só mais uma batalha e batemos o nosso recorde. Quem derrota o Tower Tycoon recebe uma medalha oficial. E como o bom colecionador que você é, aposto que vai querer uma dessas no seu Garchomp.

— Ô, se quero. Eu vim aqui pra isso — confirmou Luke, terminando de alongar os braços. — Então ‘simbora que essa batalha vai entrar pra história!

No momento em que a porta do ginásio se abriu, uma multidão aplaudiu a chegada de Luke Wallers e Stanley Tycoon ao 50º andar da torre. Ainda havia uma longa caminhada rumo à 100º vitória consecutiva, um marco que pouquíssimos treinadores na história haviam conquistado, mas a batalha de Nº 50 era muito aguardada pela força do adversário e seus convidados ocasionais.

Palmer estava do outro lado da arena, aguardando de braços cruzados. Ele parecia calmo e tranquilo como Stanley por fora, mas sabia que era só questão da batalha começar para que os dois liberassem tudo que vinham guardando.

Luke preparou a Dusk Ball de seu Garchomp e Stanley fez o mesmo com a pokébola de seu Torterra, mas antes que a batalha tivesse início, Palmer fez um sinal e pediu que eles aguardassem.

— Só um minutinho. Meu parceiro de batalha ainda não chegou.

Como se tudo tivesse sido combinado, uma abertura no chão se abriu exalando fumaça por toda a arena. A plateia aguardou ansiosamente a chegada da figura misteriosa que se erguia, e então uma mulher soltou um grito ensurdecedor que foi seguido por milhares de outros que preencheram a torre de comoção e euforia.

Viu-se um homem elegante de terno e braços estendidos, usando seus óculos escuros e com a barba um pouco mais grisalha do que anos atrás. Walter Wallers, ex-campeão de Sinnoh e pai de Luke revelou-se como o parceiro de Palmer para aquela batalha em duplas. A multidão agora estava mil vezes mais empolgada, fazia quase duas décadas que ninguém via Walter participar de uma disputa Pokémon oficial.

Walter retirou os óculos escuros e revelou um sorriso franco na direção de seus adversários.

— E aí, filhão. Gostou da surpresa?

— A gente tá fodido — concluiu Luke do outro lado.

— É — concordou Stanley, sem mais nada a acrescentar.

Luke e Stanley jamais ultrapassaram o 50º andar da torre.

 

iv

 

Paula estava parada diante das ruínas no Spear Pillar. A mulher fechou os olhos e seu corpo foi envolvido por uma luz ofuscante, expandindo em proporções até transformá-la em sua forma original. Palkia, a entidade controladora do espaço, fora convocada para uma reunião do Grande Conselho dos Pokémon Lendários que só acontecia quando o equilíbrio do mundo se via afetado.

Aquilo não era um bom sinal.

Um feixe de luz cortou o horizonte e atingiu o cume da montanha. O mármore branco refletia os degraus mágicos que se formavam em direção aos céus em uma escadaria infinda. Palkia começou então sua longa subida rumo ao Templo de Arceus, onde tudo tivera início.

A guardiã cumpriu todo o percurso em silêncio, como se sofresse sua penitência. Estava ciente do que iria acontecer, mas vinha tentando adiar aquilo há muito tempo.

Quando o som e a luz por fim não puderam mais acompanhá-la, Palkia se viu diante do grande tribunal. Acima dela estava Arceus em sua onipotência, cujos mil braços moldaram o mundo como ele era. À sua direita estava Dialga, seu irmão de criação, à esquerda de Giratina cujo olhar ardiloso pousava na Guardiã do Tempo.

“Pearlutina Palkia”, disse a voz de Arceus que preenchia todos os lugares. “Tu estás diante de teu Criador porque não cumpriste com tua tarefa. As fendas continuam a aparecer, ameaçando a realidade como a conhecemos. Isto deve cessar”.

“Eu venho cumprindo minha obrigação desde minha existência, meu Senhor”, respondeu Palkia. “Não voltará a se repetir”.

“Não mesmo?”, indagou Giratina com a voz capciosa. “Pois eu lhe digo que uma humana adentrou meus domínios quando me foi prometido que isto nunca mais voltaria a acontecer. E adivinhem? Repetiu-se, um sopro para nossa existência. Está se tornando mais comum do que imaginávamos.”

“Tu és a protetora do espaço, mas o que resta se não fores capaz de exercer tua função?”, indagou Arceus.

“O que me resta?”, indagou Palkia, cada vez mais furiosa. “A cada ciclo humano sou privada daquilo que mais amo. Se me resta algo, são as correntes às quais sou incumbida”. Palkia ergueu os braços e mostrou as amarras perpétuas. “Pai, alguma vez eu o desapontei? Por que exiges tanto de mim e não fazes o mesmo com meus irmãos? O que lhe ofereço nunca será o suficiente?”.

“Teus irmãos estão exatamente onde deveriam estar”, respondeu Arceus. “Ofereces teu tempo aos homens, e já não a vejo mais entre as divindades. Estás te tornando parte deles”.

“Os humanos são perigosos”, mencionou Giratina. “Cada dia mais ousados, e não me surpreenderia se logo decidissem por desafiar até mesmo a ti, meu Pai.”

“Eles são sua criação, como todos nós!”, disse Palkia em sinal de frustração.

Arceus escutou cada um dos argumentos em silêncio, e meditou por muito tempo sobre qual decisão tomar. Giratina exigia cautela, e enxergava através da maldade e do desejo por poder dos humanos que um dia eles iriam se rebelar. Palkia desde sempre acreditara no amor, enxergava com curiosidade a busca pelo conhecimento, orgulhava-se da força de vontade e regozijava-se por todas as emoções que um simples humano poderia causar mesmo em uma entidade como ela.

Sentia muito a falta de Lukas, e lutaria até o fim para preservar o mundo onde ele vivia.

“Dialga”, Arceus o chamou por fim. “Estás em silêncio há muito tempo. O que tens a dizer?”.

O Guardião do Tempo encarou sua irmã com quem compartilhava um vínculo mútuo atemporal. Ele não escondia sua frustração em saber que Pearlutina vinha se ausentando da vida nos céus, que todo seu tempo e pensamento eram dedicados aos humanos. A falha nas rupturas do espaço vinha se tornando frequentes, pois agora ela não sabia como dividir a vida como divindade de sua forma ordinária.

“Eu sinto sua falta, minha irmã”, lamentou Dialga.

“Mas eu ainda estou aqui”, retrucou Palkia. “E sempre estarei.”

“Não. Você não pode mais me ceder o seu tempo, pois precisa do seu espaço agora.”

“Não seja egoísta. Logo você, que tem todo o tempo do mundo!”

“Silêncio!”, bradou Arceus. “Sinto as emoções no coração de cada um, e com isto chego ao meu veredito final. Pearlutina Palkia, tu serás proibida de visitar o mundo dos humanos pelo próximo milênio, ou até que livre-se de toda esta raiva que habita em teu coração.”

As correntes nos braços de Palkia a apertaram com mais força. Sua angústia foi tamanha que os céus estremeceram e uma galáxia inteira foi fendida. Giratina enrolou-se relutante e Dialga lamentou que sua irmã sofresse por seus atos. Arceus manteve-se firme em sua decisão, e dela não abriu mão.

Mil anos. Nunca mais voltaria a encontrar Lukas naquela existência. Demoraria muito tempo até encontrar seu herdeiro, aprender a conhecê-lo do zero, descobrir seus trejeitos e características que tanto adorava, mas e se ele passasse a temê-la? O mundo já teria mudado de forma, e talvez nem existissem mais humanos até lá. Mil anos podiam passar como um sopro para as divindades, mas seus olhos se encontraram com os de Dialga e ela sentiu uma raiva que não poderia ser medida.

“Eu nunca irei perdoá-lo”, vociferou Palkia, consolidando a rivalidade que desde tempos imemoriais vinha sendo evitada. “Você pagará pelo seu silêncio”.

“Não permitirei nenhuma ameaça em solo sagrado”, bradou Arceus. “Contenha-se”.

“Vocês estão tentando me transformar na vilã dessa história”, respondeu Palkia, dando as costas para sua família e para todos os valores que conhecia. “E, quando isso acontecer, terão de lidar com as consequências”.

The Post-Game 6

 

Pokémon P.O.V. [Point of View, em homenagem aos velhos tempos!]

 

O Garchomp desviou-se bem a tempo de escapar de um golpe letal da Pidgeot que desceu com um rasante feito um torpedo. Suas bicadas feriam com a força penetrante de uma lança, e suas asas cortavam o próprio vento como se fossem lâminas de aço. Nenhuma tentativa de usar o Stone Edge funcionara, e só lhe restava energia para uma última investida.

A Pidgeot alçou voo e fez uma parábola no ar, os olhos de águia agora fixos em seu adversário. Aerus preparou-se para atingi-la em uma última tentativa desesperada. Quando desceu com um Brave Bird, mirou a ponte de pedras e errou por um triz, sendo atingido no ombro e arremessado no chão com a colisão. A Pidgeot, entretanto, não se deu conta de um tiro vindo de fora da batalha que a atingiu na asa direita que começou a fumegar e queimar, comprometendo seu voo.

Mayday! Mayday! A Pidgeot fez a curva a tempo de amenizar o impacto, mas acabou por estrebuchar-se no chão e por pouco não quebrar uma das asas no processo. Se não fosse uma aviadora tão experiente, poderia ter dado fim à sua carreira ali mesmo.

Quem foi o filho de uma meretriz que se meteu no meio da nossa batalha?! Aerus berrou furioso, procurando o culpado pelo disparo.

— Não olha pra mim. Meus tiros não são de fogo — Mikau respondeu logo atrás como quem só quer debochar.

Havia um exército de Heatran aproximando-se da montanha, emergindo dos rios de lava e infestando as paredes até que estivessem cobertas. Um deles fez um disparo contra o Garchomp que se defendeu com suas lâminas que imediatamente começaram a derreter dado o calor absurdo do magma.

— Parece que estamos encurralados — disse General. O Dusknoir envolveu sua amada, Froslass, ao redor dos braços, pronto para protegê-la de qualquer ataque.

— Eu posso tentar conter o calor, mas são muitos — respondeu Glaciallis.

— Esse era um bom momento para a guilda estar completa. Cadê o resto do pessoal? — indagou Sophie, a Gardevoir.

— Teremos de nos virar com as armas que temos em mãos — acrescentou Chaud, o Bastiodon, com seu escudo pronto para repelir.

O grupo de seis Pokémon formou um círculo conforme os Heatran furiosos os cercavam, fechando cada vez mais o cerco. As criaturas metálicas pareciam dispostas a ferir e até matar os invasores que haviam profanado seu templo sagrado. Não que eles tivessem culpa, cabia a uma guilda de Pokémon obedecer às ordens de seu treinador, e no momento sua prioridade era escapar dali com vida.

— Alguém coloca aí o tema dos Vingadores pra bater a inspiração? — caçoou Aerus.

— Eu nem sei o que é isso, mas se tem vingança e sexo, então eu gosto — respondeu Mikau com seus tiros certeiros prontos para atingir o alvo.

O primeiro Heatran deu um salto na direção do grupo, e foi imediatamente atingido por um Hydro Pump na cabeça. À esquerda de Mikau, Glaciallis congelava três deles na medida em que General e Chaud montavam uma barreira ao seu redor. Sophie previu através de seu Future Sight que cinco deles cairiam, e na sequência uma explosão psíquica os mandou pelos ares.

Aerus estava na linha de frente do combate quando percebeu que seus inimigos formaram uma fileira e abriram espaço para seu líder. Um Heatran maior do que qualquer outro aproximou-se suntuoso, armado até a cabeça em ferro e metal e cuja espada flamejante fumegava em uma das mãos.

— Você deve ser o alfa — presumiu o Garchomp.

O cavaleiro não disse palavra alguma, mas a espada zuniu em sua mão pronta para o embate. Aerus defendeu-se da primeira investida, buscando a melhor alternativa de enfrentá-lo sem utilizar seu melhor golpe. O Earthquake era uma técnica perigosa. Com todos seus companheiros por perto, o golpe acabaria por atingi-los e até comprometer a estrutura da montanha. O cavaleiro não estava para brincadeira, continuou a avançar com ferocidade, dominado por uma fúria avassaladora. Existia certa sutileza na forma como sua espada era empunhada, deixando um rastro de fagulhas e brilho incandescente que cortava o ar.

Aerus ativou suas lâminas e usou o Dragon Claw bem no peito do cavaleiro, fincando-as na armadura de aço. Para o seu azar, elas ficaram presas, o que deu a abertura para que seu oponente lhe devolvesse uma cabeçada que o fez enxergar estrelas.

Sophie correu para socorrê-lo, dando cobertura através do Heal Pulse para que recuperasse a energia. Mikau estava começando a ficar sem munição, e os Heatran inferiores continuavam a proteger seu alfa.

O grupo viu-se encurralado mais uma vez, pressionados contra o abismo de lava sobre eles. Os Fire Tales podiam ter muitas histórias para compartilhar ao redor de uma fogueira quente, mas encarar todo um exército da guilda vulcânica era suicídio.

O cavaleiro marchava com passos pesados, aguardando a rendição. Agarrou Aerus pela garganta e o ergueu à sua altura. Só se enxergava um par de olhos alaranjados por baixo do elmo que protegia sua cabeça como uma coroa. Sua voz gutural espalhava terror e insegurança:

— Vão se arrepender de ter pisado em solo sagrado — disse o cavaleiro.

— É que tenho o costume de entrar sem ser convidado pra festa — murmurou Aerus que nunca perdia a chance de provocar alguém.

A manopla de ferro começou a pressioná-lo com mais força, mas um tiro o atingiu com precisão no ombro e o fez soltar com um grito de dor. Mikau estava sem munição, então quem poderia ter sido?

Na abertura mais distante da caverna, o Gyarados de Amy certificou-se de que o próximo seria na cabeça, pois seu título como um dos maiores atiradores de Kanto o presidia. A guilda de Pidgeot veio ao seu resgate, trazendo consigo o Primeape campeão de luta dos pesos médios, a Sneasel que atuava nas sombras como assassina de aluguel, o Venomoth cujos venenos letais derrubavam reinos e o Gengar Shiny que se limitava a rir e caçoar da situação.

As duas guildas uniram forças para controlar a batalha, combatendo um a um os soldados vulcânicos que protegiam o templo até que não sobrasse nenhum. O Cavaleiro de Fogo se reergueu, e sua espada ardeu como um farol na escuridão. Aerus estava pronto para seu embate final quando percebeu que o som da batalha cessou, e nenhum de seus companheiros lutava mais.

Olhou para trás por curiosidade e avistou uma única mulher erguer-se contra todos eles. Era uma descendente da tribo ancestral dos Garchomp, alta, esguia e de porte invejável como uma rainha de outrora. O mero vislumbre de alguém tão importante capaz de emanar uma aura esmagadora como aquela o fez pensar em Titânia, e seu coração se encheu de saudade. General e Chaud fizeram uma mesura ao reconhecerem a ilustríssima figura, e até mesmo Mikau intimidou-se diante de sua presença. Aerus precisou retirar seus óculos escuros assim que ela passou ao seu lado.

— V-você... — Seus lábios tremiam ao dizer seu nome.

— Kayla. O prazer é todo seu. Vim em nome de minha mestra, Cynthia, para colocar um fim em toda essa guerra desnecessária — respondeu a Garchomp, convicta. — Se continuarem lutando, ambos os lados sofrerão casualidades. E se alguém ainda quiser lutar... então venha. Eu serei sua adversária.

Um a um, os soldados Heatran largaram suas espadas e se renderam. Mesmo os Fire Tales reconheceram que a mera presença dela era o bastante para fazer qualquer um abaixar as armas. Porém, o Cavaleiro de Fogo não se deu por intimidado, e com velocidade impressionante ergueu sua espada flamejante contra ela. Kayla limitou-se a erguer sua lâmina, e sem que qualquer um pudesse acompanhar seu movimento, o inimigo foi atingido tantas vezes que sua armadura inteira se rompeu, sendo completamente retalhada.

Tendo sido derrotado em combate, todos puderam ver o verdadeiro rosto do cavaleiro. Era uma mulher de cabelos vermelhos e olhos incansáveis, pingando suor após a exaustiva batalha. Sua visão ficou turva, as pernas cederam e seu corpo fraquejou para a direita, mas Aerus lhe deu apoio para que continuasse de pé.

— Um líder não pode cair na frente de seus homens — disse o Garchomp.

A cavaleira sorriu e concordou, passando a admirá-lo ainda mais.

— Você é mesmo tudo aquilo que falam e mais um pouco.

— Pra conhecer mais de mim, só convivendo com esse bando de loucos que chamo de família — brincou Aerus, deixando no ar um convite indireto para que ela se juntasse aos Fire Tales.

Com a situação controlada, sua atenção voltou-se à Garchomp, uma das primeiras a consagrar-se campeã no Torneio das Guildas e provavelmente a figura mais forte e influente em todo o reino. Aerus aproximou-se dela de queixo erguido, e quem não o conhecia imaginou que ali aconteceria um embate entre alfas para disputar quem era o mais poderoso; embora seus amigos de longa data da guilda soubessem bem o que ele estava para trazer.

— Eu não acredito que to te conhecendo! Eu sou seu maior fã! — disse Aerus explodindo de empolgação como uma criancinha que encontra seu ídolo pela primeira vez. — Mano do céu, esse é o dia mais feliz da minha vida! Digo, talvez seja o segundo, porque antes vem o nascimento da minha filha; mas posso dizer com certeza que conhecer você estava na minha listinha!

— Encantada — correspondeu Kayla, acostumada com os fãs.

— Será que... você podia assinar o meu tanquinho?

— Aerus, essa não é uma boa ideia... — General estava para acrescentar o fato de que Titânia não iria gostar nem um pouco de ver o nome de outra mulher escrito na barriga de seu macho, mas Mikau fez menção que ele ficasse quieto só para ver o circo pegar fogo.

— Vocês da Fire Tales são mesmo uma figura! — brincou Kayla.

— Quer dizer que a senhorita já ouviu falar sobre nós? — perguntou Chaud.

— Se ouvi? Garoto, vocês me inspiraram a voltar. Se tivermos a chance, eu adoraria poder enfrentá-los no Torneio de Guildas algum dia. Sem fatalidades dessa vez, claro.

— Pode deixar que eu me comprometo a reunir o bando! — disse Aerus contente. — Nós não paramos de treinar desde que nos consagramos campeões aquele ano. Olhando para trás, passou mesmo um tempão... E quer saber? Eu senti saudade de tudo isso. Estamos ansiosos para voltar!

 

i

 

Luke arremessou a Dusk Ball que acertou com precisão a Heatran fêmea que acabara de ser derrotada. A pokébola tremeluziu três vezes antes de confirmar a captura do Lendário Pokémon. As demais criaturas vulcânicas retornaram para dentro de seus buracos e rios de magma, escondendo-se assustados quando perceberam que a situação se agravara.

— Acho que nossa batalha meio que fugiu do controle — mencionou Amy.

Luke olhou para o alto e percebeu que a montanha estava, de fato, ruindo.

— É. Deu ruim.

— Está acontecendo. Finalmente meu plano está tomando forma — murmurou o Profº Charon, escondido atrás de uma pedra.

Através da interferência da Magma Stone e o caos gerado pelos Heatran, o vulcão adormecido sob a Stark Mountain estava prestes a explodir. Amy retornou seus Pokémon, convicta de que agora tinha um objetivo muito mais importante para resolver do que limpar a sujeira deixada pelos Rockets. Muito distante dali, Luke pôde avistar Cynthia acenando com um dos braços. Ela estava em uma área elevada no interior da montanha, e enviara sua Garchomp para auxiliar na batalha. Junto dela estava Dawn, em segurança, o que aquietou o coração de Luke e o permitiu concentrar-se em outros problemas.

— Temos que impedir esse vulcão de entrar em erupção, ou colocaremos em risco a vida de milhares de pessoas que vivem nessa ilha — Luke contou para Amy, buscando algum conselho.

A moça por sua vez não tardou a perceber que alguém se escondia ali perto. Quando Charon tentou escapar, ela deu um pisão em seu jaleco e o fez tropeçar e ir de cara ao chão.

— Você é quem está por trás disso tudo, não é? Diga-me agora o que temos de fazer para reverter essa situação — Amy o confrontou.

— Nada. Vocês não precisam fazer absolutamente nada — retrucou Charon. — Isso não é irônico?

— O que está tentando insinuar? — indagou o rapaz.

— Luke Wallers — Charon dirigiu-se a ele. — Você não percebe como sua vida é abençoada? Todas as coisas se ajeitam para você e seu irmão, mesmo que através de soluções impossíveis como um tremendo deus ex-machina. Você sempre tem a certeza de que tudo vai terminar bem, não é? É como se vocês fossem abençoados... pelas divindades.

Uma enorme rocha desgrudou-se do teto e por pouco não os atingiu. Luke começou a juntar as peças e só conseguiu pensar em seu irmão. Lukas namorava uma deusa. A mulher que eles conheciam como Paula não passava do disfarce de uma entidade divina capaz de controlar as dimensões do espaço, alterando a realidade a bel prazer. Seu nome verdadeiro era Pearlutina, e era inegável o quanto sua proteção afetara sua jornada. Estaria aquele tempo todo apostando tão alto porque o destino estava do seu lado?

— Está insinuando que tudo que eu conquistei foi mera sorte? — questionou Luke furioso, puxando o velho cientista pela gola.

— Eu não chamaria de sorte — ponderou Charon. — Mas é inegável que alguém quis que você chegasse até aqui, não acha?

Lava começou a ser expelida, e o calor estava prestes a se tornar insuportável. Amy chamou por Cosmo e Star e ordenou que eles ajudassem na evacuação de quem quer que ainda estivesse preso dentro do laboratório dos Galactic. Enquanto se preparavam para a fuga, a Comandante Mars deu as caras, mas acabou por encontrar-se com quem não gostaria.

— Tia Martha? — Luke esboçou surpresa ao vê-la. — Por onde você esteve? Estávamos todos procurando por você. Mamãe não tem notícias sua há meses...

— E-eu... — A Comandante pareceu acuada, e não quis lhe dar satisfações. — Me perdoe.

Martha correu na direção oposta, abandonando seu compromisso com os Galactics e também a sua segurança. Luke estava para ir atrás dela quando Amy o impediu.

— O que você tá fazendo?! Ela é a minha tia!

— Deixa que eu resolvo — retrucou Amy. — Ela está passando por algo que nenhum de vocês entenderia. Eu prometo que irei trazê-la de volta. Concentre-se em ajudar as pessoas a evacuarem a montanha em segurança.

Ainda que não a conhecesse tão bem, Luke sabia que podia confiar em uma treinadora tão forte e capacitada. Deixou a caverna às pressas enquanto Amy corria em direção do perigo atrás de Martha, cada vez mais fundo no coração da montanha.

Martha estava surda para tudo que se movesse. Sua dor era tanta que ela já não conseguia escutar a razão. Amy chamou seu nome mais de uma vez, mas sem resposta. Não podia chamar sua Pidgeot que seria um alvo fácil pelas pedras que despencavam. Subiu escadarias ancestrais e quase a perdeu de vista quando tropeçou e ralou o joelho. Estava se esforçando até demais por uma pessoa desconhecida.

“Ei. Mas essa é a Amy que eu conheço. Sempre colocando o bem estar do próximo acima do seu”, ela pensou na voz de Ethan que a apoiaria mesmo na pior das situações.

— Não. Eu sou egoísta e só faço o que me beneficia — ela pensou em voz alta, tentando se sabotar. — Quando foi a última vez que quase me sacrifiquei para salvar alguém que eu amava?

“Se eu estou aqui, é por sua causa. Então trate de voltar pra mim.”

— Merda — ela chacoalhou a cabeça, livrando-se daqueles pensamentos ao perceber o quanto ainda era apaixonada por ele. — Não me espere acordado, amor.

Assim que alcançou o cume da montanha, Amy percebeu que estava em uma sala sem saída. Martha estava parada no fim dela, encarando a parede como se esperasse que alguma coisa saltasse dali.

— Ainda não acabou — mencionou Martha, procurando algum sinal. — Eu vi acontecer na primeira vez. Sempre acontece à iminência de alguma tragédia. Está quase chegando.

Amy ajeitou seu chapéu ao perceber que uma lufada de ar consumiu a câmara. Entre as rochas daquela sala remota, uma fenda rachou a matéria e abriu um portal para outra dimensão. Parecia que uma parede de vidro havia se trincado por completo, dando espaço para uma abertura que levava a outra realidade.

Amy jamais ouvira falar sobre algo parecido, mas quando se deu conta de que Martha iria pular dentro da fenda, só soube que precisaria segui-la.

 

ii

 

As duas saltaram no portal, sendo transferidas para um mundo paralelo ao que viviam. Assim que abriu os olhos, Amy levou um susto com pequenos pedaços de rocha que flutuavam em sua frente como se não houvesse gravidade. Levantou-se e viu que o céu estava púrpuro, e não havia estrela alguma.

— Que lugar é esse? — perguntou Amy.

— É o Distortion World — concluiu Mars, incrédula. — Eu sabia que ele existia, mas não pensei que... eu não achava que seria capaz de encontrá-lo.

— Nós causamos isso?

— Sim. O Profº Charon vinha estudando uma forma de abrir fendas para outros mundos, e descobriu que isso acontecia com certa frequência quando meus sobrinhos estavam envolvidos. Não tente dar sentido a esse lugar.

— E o que encontraremos desse lado? — Amy a pressionou, mas Martha começou a correr em busca de algo.

Ou alguém.

As duas corriam apressadas saltando entre pedras e plataformas que flutuavam. Não se escutava som algum, não havia nada naquele mundo imaterial onde todas as leis conhecidas não tinham efeito. Quando deu-se conta, Amy estava de ponta cabeça e Mars passava repetidas vezes por ela sem sair do lugar.

— Martha, espere! Por que você veio aqui? O que procura? — perguntou Amy.

— Eu vim buscar o meu filho — ela respondeu com convicção.

Amy começou a reunir os fatos. Seria aquele mundo uma espécie de inferno na mitologia de Sinnoh? Se ali se encontravam todas as pessoas falecidas, torcia para que nenhum fantasma viesse assombrá-la, ou teria sérios problemas.

Martha não pensava em seu falecido chefe, Cyrus, nem em qualquer outra pessoa do passado que gostaria de rever. Só conseguia pensar em seu filho, e aquele sentimento desesperado fez suas pernas se moverem.

A única certeza que tinham era de que não estavam sozinhas. Era impossível que um local sagrado como aquele não tivesse o seu protetor. Estavam andando sem sair do lugar, mas em algum momento a Comandante Mars simplesmente parou e sentiu o corpo congelar. Amy não deu nem mais um passo.

Havia uma gigantesca serpente adormecida no núcleo daquele mundo. A criatura de escamas prateadas estava enrolada em si própria, repousando em silêncio absoluto. Sua dimensão ultrapassava os sete metros, e suas asas retraídas se pareciam com as de um demônio. Amy fez sinal de silêncio, ao qual Mars obedeceu.

— “Vá.” — A treinadora abriu a boca sem emitir som algum.

— “Para onde?” — perguntou Mars em silêncio, assustada demais para reagir.

— “Buscar o seu filho.”

Quando se deu conta, a serpente abriu um dos olhos. Mars correu para a direita e não olhou para trás. Amy continuou escondida atrás de uma pedra ao passo que a serpente se contorcia inteira como se despertasse do sono de mil anos com uma fome voraz. Seu objetivo era desviar a atenção de Martha e, quem sabe com um pouco de sorte, sair dali com vida.

Martha não soube exatamente para onde seguir, mas confiou que seu instinto a guiasse. Havia inúmeras saídas do Distortion World, fendas que levavam a lugares no universo dos quais ela nem poderia sonhar, mas somente uma delas a levaria de volta ao seu lar.

Ela procurou, procurou e procurou. Olhava para seu interior esperando que a resposta estivesse ali, nítida em sua frente. Viu lugares estranhos, mundo futuristas e terras de um passado esquecido. O que chamou sua atenção em uma das fendas foi a imagem de uma mulher com cabelos vermelhos muito parecidos com o seu. Martha parou e se aproximou devagar com a mão estendida.

— Esta... esta sou eu? — perguntou-se ela.

Quase não se reconhecia. Era uma versão mais jovem, muito mais bonita e atraente. Sentiu-se horrível por ter o corpo ferido, e aquilo só a fez pensar que nunca devia ter se tornado mãe. Mas a verdade era que sentia inveja de sua irmã adotiva, Melyssa, que concedeu a vida a Luke e Lukas, dois verdadeiros campeões.

— Não é justo — Martha lamentou em seu silêncio, indo de joelhos ao chão. — Não é justo. Não é justo.

E então, ela ouviu um chamado. Alguém a chamou de “mãe”. Martha ergueu os olhos e procurou dentro de cada uma das fendas, mas não via sua criança. Começou a se arrastar por entre o chão de poeira, triste e esgotada com tudo aquilo, mas o chamado se repetiu.

“Mãe, você está aí?”

— Sim. Sim, querido, onde você está? Como posso vê-lo?

Martha abriu os olhos e encarou uma fenda onde se via um rapaz belo de cabelos vermelhos como os seus, mas com os traços de Proton, seu marido. Ela soube na mesma hora que aquele era o seu filho, talvez vindo de outro universo onde ele havia sobrevivido e, assim, puderam viver uma vida felizes juntos.

— Você é tão lindo... — Martha murmurou com os lábios ressecados, tentando esticar a mão para tocá-lo, mas em vão.

O rapaz ergueu a mão e quis retribuir o gesto, mesmo que não sentisse.

“Eu estou bem, mamãe. Senti a sua falta.”

— Eu também, querido, todos os dias. Queria estar ao seu lado para sempre.

“Não é certo na natureza que um filho se vá antes daqueles que o geraram. Esta não é a ordem das coisas. No seu mundo eu posso ter partido cedo demais, mas, no meu, você nos deixou para que eu pudesse viver.”

— Então... eu morri? — indagou Martha com preocupação. — Quem cuidou de você e sua irmã?

“Nós tivemos de aprender a nos virar. Sem uma mãe, a vida não tem tanta graça. Mas você precisa continuar sendo uma por inteiro para cuidar daqueles que ainda estão ao seu lado. Não desista deles.”

Martha fechou o punho e quis abraçá-lo, mas aquela realidade era tão cruel que nem aquilo ela tinha o direito. Acenou com a cabeça e prometeu dar o seu melhor. Tinha perdido um filho, mas sua primeira filha ainda estava ali por ela. Proton a amava e protegeria enquanto tivesse forças para respirar.

Sentiu-se ingrata por ter agido daquela forma, abandonando sua única família. Era hora de voltar e pedir perdão para quem sabe assim tivesse a chance de recomeçar. Martha encarou dentro da fenda para tentar guardar na memória a imagem do filho. Pensar que em algum lugar ele crescera para se tornar um rapaz tão bonito a fez sentir-se orgulhosa, pois todo pai deseja acima de tudo que seu filho obtenha sucesso. Não precisava compará-lo com seus sobrinhos, ele podia não ser nenhum Campeão ou Top Coordenador, mas aos seus olhos sempre seria especial — pois era o seu filho.

— Mamãe te ama — Martha murmurou baixinho antes que o portal se fechasse. — Prometo que um dia vamos nos reencontrar.

 

Giratina sabia que alguém invadira sua morada. Com um sibilo, Amy teve a impressão de que pôde escutar uma voz como se conversasse com um humano.

“Como entrou aqui?”, perguntou Giratina. A serpente oscilava sua atenção, deixando claro que ainda não sabia exatamente onde ela se encontrava, embora soubesse que estava ali. “Faz muito tempo que não recebo visitas.”

Amy sentiu o coração disparar e a respiração ficar mais densa. E Giratina também sabia disso.

“Não fique nervosa. Eu não lhe farei mal algum”, disse a serpente ardilosa. “Saia das sombras para que eu a veja.”

A garota não se convenceu, e decidiu provocá-la.

— Sou aquela digna de amor.

Amy acessou uma memória muito antiga de quando ainda era menina e sua mãe lia histórias antes de dormir. Em uma delas, um indivíduo de origem simples confrontava um dragão em um jogo de enigmas, o que despertou seu interesse e permitiu que ele escapasse de sua cova com vida. Se pudesse colocar tal habilidade em prática, quem sabe assim conseguisse enganar a própria morte?

“Continue”, ordenou Giratina.

— Sou banhada em verde, e conquistei o Coração de Ouro.

“Seus títulos têm a minha atenção”, disse a serpente cada vez mais interessada. “E de onde você vem?”.

— Da terra onde tudo se originou.

“E você sente saudade de seu lar?”.

— Sinto.

“E por que se esgueira em minha casa como um ladrão em busca de algum tesouro perdido? O que tenho a lhe oferecer, senão dor e perda?”.

Amy precisou pensar rápido. Não podia dizer que entrara ali por acidente, ou tudo pareceria coincidência demais. Precisava prender a atenção de Giratina, e quem sabe levá-lo a cumprir com o que queria.

— O que você tem não se encontra em nenhum lugar do meu mundo.

“Isto é uma charada?”, ponderou a serpente, sentindo-se desafiada. Giratina flutuou por algum tempo contemplando os arredores e pensando no que possuía e que não existia em nenhum outro lugar. Com certeza não seriam pedras, mas estava de mal humor e não queria ficar de piadinhas com seu visitante, por isso respondeu: “Uma alma”.

Amy prendou a respiração. O que diria agora?

“Eu sei quem você busca. Ele está aqui, esperando-a a muito tempo”, disse Giratina. “Você deseja mesmo encontrá-lo?”

— N-não... — Amy vacilou em um segundo de fraqueza. Não podia pensar nele. Não podia demonstrar fraqueza para que a serpente entrasse em sua mente e fizesse o que bem entendesse com ela.

Mas era tarde demais. Amy viu-se de frente a um espelho, mas em sua frente havia uma garotinha de apenas dez anos. Enxergou a si mesma quando saiu em sua primeira aventura Pokémon, uma criança assustada sem os pais, cujo coração era repleto de apatia e insegurança.

Atrás da menina veio um homem vestido de terno. A criança pediu colo, mas o homem não a enxergou. Amy continuou a seguir o espelho, cada vez mais imersa naquela lembrança tão dolorosa.

— P-pai? — ela repetiu.

Giovanni olhou em sua direção, como se pudesse escutá-la, mas sem vê-la. Ele parecia preso dentro daquele mundo, uma alma que não se dera conta de que havia partido. Amy fechou os punhos e sentiu raiva. Não queria lembrar-se dele. Não precisava dele. Agora era uma mulher crescida, tinha a própria vida e quem a amasse do jeito que ela era. Ele nunca estivera ao seu lado quando precisou. Não seria levada a pensar que poderia fazer algo para remediar aquela ausência.

“O que você diria ao seu pai se pudesse encontrá-lo outra vez?”, Amy escutou a voz da serpente a incitá-la.

Ela encarou seu reflexo e pensou pelo que pareceu uma eternidade.

— Eu não preciso de você.

Sssssim.”

— Quando eu finalmente achei que tinha fugido de você, eu nunca mais quis encontrá-lo. Mas você continuava sendo o meu pai. Você mentiu para mim a vida toda, e depois omitiu algo que eu precisava saber. Você queria que eu tivesse nascido homem para substituí-lo um dia, mas pelo visto vim com defeito por ser mulher. Você me odiou simplesmente por eu vir ao mundo como sou.

Sssssim.”

— Mesmo assim, você ainda me assombra nos meus sonhos, como se implorasse por perdão. Sua partida se deu cheia de mágoas e arrependimento. Você se foi cedo demais, e nunca tive a chance de lhe dizer isso.

O quê, Amy? O quê você diria a ele?

Com lágrimas nos olhos, a garota encarou a criança no lado oposto ao espelho. A menina apertou com mais força um Bulbasaur de pelúcia que carregava nos braços. Amy libertou todo aquele misto de sentimentos que vinha acumulando ao longo dos anos, e com a voz embriagada, enfim admitiu:

— Eu te perdoo, pai. Por ter me deixado para seguir com sua vida. Pode não ter sido a coisa certa, mas sei que foi da única forma que sabia fazer. Nós dois somos egoístas, e isso herdei de você. Mas também herdei a vontade de vencer, de chegar ao topo do mundo e ter a certeza de que todos os dias fiz o que pude. Um dia eu me tornarei você também, mas quero que saiba que serei uma versão melhor, muito melhor.

Amy limpou uma lágrima solitária que escorria pelo seu rosto e olhou para trás.

Giratina a observava quieto, quase relutante. Gostava de colocar humanos frente a frente com seus piores medos, mas detestava vê-los vencendo. Banhava-se no caos, e seu alimento era a desesperança, a raiva e o ódio.

A serpente voltou a encolher-se e retornou devagar para dentro das sombras de onde saíra, enrolada como um feto, muda e enfraquecida. A brincadeira havia perdido toda a graça.

O espelho rompeu-se em mil pedacinhos e Amy viu-se liberta daquele mundo, e também de todos os medos da responsabilidade que um dia a assombraram. Ela fechou os olhos, e sentiu-se em paz consigo mesma.


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