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Notas do Autor (AnD 3)

Só por vias de curiosidade, um amigo meu costumava me acordar de formas inusitadas e “o mar tá pegando fogo” foi uma delas, então tem um valor emocional. 

Se você já leu o capítulo, terá percebido que ele nos trouxe uma aparição... inusitada. Se esperava algo grandioso, se deu mal, porque era só a Dawn (eu adoro zoar ela, sério kkk) Brincadeiras à parte, nossa jovem pesquisadora que acabou de aparecer no Capítulo 101 volta a dar as caras nesse especial para tratar um pouco mais do que sempre a motivou a continuar seguindo em frente: sua paixão pelo mundo Pokémon. Alguém lembrava disso? Provavelmente não, porque eu admito que a Dawn foi a personagem mais subutilizada do Aventuras em Sinnoh. Até mesmo Stanley teve um propósito maior do que ela, nos mais de 250 capítulos e especiais que escrevi para o blog, não há um onde a Dawn se comporte como uma verdadeira estudiosa do ramo (talvez só no comecinho da Saga Pérola).

Quando o Dento me sugeriu um especial que contasse a história da vida numa dessas madrugadas, ele havia dito para que eu fizesse algo envolvendo a Marley, tenho vontade de usá-la para um especial voltado apenas para os Stats Trainers (saudades, Riley e Cheryl). Pensei em usá-la aqui, mas não consegui encaixá-la de jeito nenhum. A Dawn combinou muito bem nesse cenário de ilha remota e, pela primeira vez, eu senti que ela tinha muito potencial. Por mais breve que tenha sido a aparição, estou muito satisfeito com as informações que aqui foram reveladas, como o fato dela finalmente ter se arriscado a fazer faculdade na área. Ela nunca teve a chance de seguir seus sonhos, por isso foi bom rever a Dawn. Ela merecia.

Dentre as mais marcantes, está o trio de Vulpix que eles se deparam em uma breve descrição do vulcão, e percebemos que há também um casal de Ninetales com eles. Nos jogos, não é possível fotografar nenhum Ninetales, o que dá a entender que esses Vulpix vistos são filhotes daqueles que existem no jogo. E se só há um casal, provavelmente o terceiro morreu. Triste. 
A horda de Charmanders que dança ao ritmo da Pokéflute.
VAI, DÁ CABEÇADA NELE, DÁ!
Os Bulbasaur que se escondem nos troncos estão entre as coisinhas mais fofas do mundo. 
Zubats voando adoidados em túneis são presença garantidas no game.
Creio que eles também sejam um dos Pokémon mais difíceis de se tirar uma foto decente.
A fumaça que sai flutuando do Vulcão em forma de Koffing.
Flutuando? Oooohm, Wingardium leviooossaaaaaaaaa! 

Esse capítulo está recheado de referências de todos os tipos, desde as internas que só a galera da Aliança Aventuras conhece até elementos do próprio Pokémon Snap original. O ZERO-ONE é o automóvel utilizado por Todd. Admitam, ele voa, ele pode se adaptar na água, ele se teletransporta, ele protege o condutor, ele atropela qualquer coisa no caminho... ESSA GERINGONÇA FAZ TUDO! QUEM PRECISA DE UM TANQUE DE GUERRA? Tivemos também a aparição das clássicas Maçãs e Pester Balls (só descobri essa informação de que as maçãs são ração de Pokémon quando fui pesquisar). Que nostalgia é escrever sobre um game que gosto tanto!

Teve até referência ao anime com a cena do Kabuto. Se você lembra desse episódio no anime, provavelmente hoje você tem mais de vinte anos. É, meus caros, espero que tenham se divertido com essas loucuras porque a quarta e última parte desse especial virá para fechar o ciclo, solucionar mistérios e mexer com nossos corações. Preparem-se para... MIND BLOWN!

Aventuras no Desconhecido [Capítulo 3]


Capítulo 3 – Vulcan & River

Stan, acorda! O mar tá pegando fogo!
O rapaz levantou-se apavorado com uma pokébola em mãos. Imaginou se não seria obra dos Galactics e seus planos de destruição global, ou quem sabe os Rockets tinham instalado uma base de operações secreta na ilha, mas deparou-se com uma namorada agitada que saltava em seu colo enquanto brincava com suas bochechas.
— Brincadeirinha! — Vivian esparramou-se na barriga dele, como se estivesse se espreguiçando em uma cama quentinha e confortável. — Bom dia, mozão. Dormiu bem?
— Melhor, agora que você foi a primeira coisa que vi no dia.
Stanley tornou a relaxar, a essa altura já devia estar acostumado com as formas excêntricas de ser despertado, afinal, era bem similar ao que ela fazia quando os dois viajavam juntos por Sinnoh — em algum momento da jornada, lembrava-se de tê-la ouvindo pedir um par de desfibriladores emprestado, mas graças à Arceus nunca chegou a usá-los.
Ela era sempre assim, dinâmica e enérgica às sete da matina; já ele preferia uma madrugada tranquila para ouvir música e divertir-se com os amigos. Vez ou outra, Vivian tentava acompanhá-lo em suas maratonas de seriados quando encontrava algo novo no Natuflix, o maior serviço de streaming Pokémon da região, mas acabava dormindo no segundo ou terceiro episódio. Mesmo assim, Stan amava a companhia dela, porque sempre que queria alguém para comentar a batalha final sua namorada dizia cheia de empolgação: “Sério? Uau, me conte mais! Adoro saber das coisas que te fazem feliz.”
Por sinal, onde estavam?
Stanley olhou para os lados, ainda sonolento. Não se lembrava de nenhuma rota de Sinnoh que tivesse uma visão tão linda do oceano e o horizonte distante, muito menos que o sol intenso os castigasse como se estivessem no auge do verão. A ficha caiu, trazendo-lhe lembranças de que estava viajando com a namorada em uma ilha deserta atrás de nada em específico, e como sentira saudade daquilo! Aventurar-se pelo desconhecido com ela, se continuassem progredindo mais alguns capítulos logo se deparariam com Luke, Lukas e Dawn trazendo as novidades e conquistas de suas aventuras. Ele olhou para o lado e deparou-se com Vivian se trocando, a moça vestia apenas seu shortinho e chinelos enquanto vasculhava a mala de Stan atrás de algo que servisse nela, e acabou optando por uma jaqueta larga e um boné velho da Liga Pokémon que a protegeria do sol.
— Tem o seu cheirinho... — disse Vivian com o rosto enterrado na jaqueta.
Todas as roupas dele estavam bem dobradas e organizadas por cor e degradê, do jeito que Stanley gostava. Vivian adorava vestir de usar as roupas dele, pois cabiam direitinho nela, a danada ficava bem em qualquer moda masculina.
— De cabelo curtinho assim, vão pensar que sou um garoto — disse ela enquanto se olhava no reflexo de seu celular. Stanley não pôde deixar de brincar:
— Seria um garotão sexy.
— Ai, para, tá querendo um agradinho, né? — Vivian pegou-se rindo, mas bem que se contentaria de ouvi-lo elogiá-la o dia inteiro. — É muito nojento eu usar sua escova de dente?
— Nojento seria se você não escovasse — respondeu Stan.
— Às vezes dá a impressão de que não fazemos essas coisas enquanto estamos nos aventurando, né? — disse Vivian. — Tipo, imagina se nós fôssemos escritores de uma história, você perderia tempo descrevendo tarefas do cotidiano de seus personagens como usar o banheiro, preparar o almoço, essas coisas? Isso cortaria totalmente o clima.
— Não sei, acho que depende das prioridades que temos e do quão rápido um autor quer terminá-la.
— É, faz sentido. Oxi, você trouxe até pente, shampoo e condicionador? Por isso que eu adoro ter um namorado prevenido que nem você, Stan, não preciso ficar me preocupando com esses utensílios dispensáveis! — disse Vivian enquanto vasculhava o nécessaire dele. — Não acredito que você trouxe protetor solar e cortador de unhas também. Eu te amo, mozão.
Vivian e Stanley retomaram a jornada pela Ilha Pokémon logo cedo, a começar pela trilha que levava ao túnel escuro. O local costumava ser a entrada de uma usina desativada, os pesquisadores que estudavam os arredores precisavam de uma fonte de energia que alimentasse suas máquinas e a presença de Pokémon elétricos no local como Magnemites, Electrodes e Electabuzz auxiliavam os geradores. Um dos principais motivos de estudo que cativara a atenção de diversos pesquisadores à época era a influência de nuvens tão grandes que pareciam acomodar algo dentro delas; tais nuvens afastavam tempestades tropicais e mantinham o clima regular, tornando o habitat perfeito para os mais diversos tipos de criaturas — mas elas ainda aconteciam, era impossível controlar a natureza.
O túnel era menos assustador do que imaginavam. Após passarem a primeira noite na ilha, ela parecia se tornar mais amigável, os Pokémon continuavam chegando perto o bastante para Vivian tirar ótimas fotos, pois estavam desacostumados com a presença de humanos. O grande Torterra continuava a guiá-los, afastando Zubats que voavam por todas as partes e até mesmo um Haunter brincalhão que tentou assustá-los.
— Stan, saca só — disse Vivian, apontando para uma estranha forma amarelada. — Olha aquela pedra esquisita.
— O Luke teria dito que é um fóssil ancestral — brincou Stanley, apanhando um pedregulho e atirando-o nela.
Para a surpresa dos dois, a pedra gigante pareceu se levantar e rastejar devagar pelo chão de lama, o par de olhos vermelhos brilhando na escuridão do túnel como dois faróis. Stanley abriu a boca ao reconhecer um Kabuto, um Pokémon fóssil que desaparecera havia milhões de anos, ele era tão grande que poderia dizer que havia um humano escondido ali dentro. Aquele achado não poderia passar despercebido, os dois poderiam revolucionar a ciência juntos! Stanley já estava com uma Ultra Ball na mão quando Vivian o puxou para trás.
— Nem pensar! Já disse que aqui é uma reserva, sem capturas.
— Mas olha só o tamanho daquele Kabuto! O Luke ia pirar de inveja se eu trouxesse um Pokémon fóssil pra casa. Poxa, pensa no meu lado, só protagonista tem chance de ser agraciado com um desses... Ninguém vai acreditar em nós quando voltarmos.
— É para isso que existem câmeras, fofo. É só mirar, encontrar a melhor pose, e...
FLASH!
A caverna toda se iluminou. O brilho do aparelho foi tão intenso que o Kabuto se assustou e caiu para trás. Eles olharam para o alto e uma aglomeração de Zubats assustados que forravam o teto saíram voando por todas as partes, Vivian sacou a pokébola de Primia para que a Scizor os protegesse dos ataques, pois o Torterra encontrava-se imobilizado — todos seus ataques como Stone Edge e o Earthquake colocariam em risco a segurança de seus treinadores.
Assim que os Zubats se dispersaram, os dois treinadores viram que o Kabuto estava com o casco virado para baixo e as perninhas balançando para cima, incapaz de se mover.
— Pobrezinho, não podemos deixá-lo ali... — disse Vivian. — Vai, tá esperando o quê?
— Eu? Assim que eu o virar esse bicho vai me fatiar em pedacinhos, ele tá até grunhindo de raiva, consegue ouvir? — respondeu Stanley.
— E eu lá tenho cara de que aguentaria esse peso todo? Pode não parecer, mas eu sou uma lady delicada — disse Vivian com uma piscadela forçada. — Affe, vai logo, coloca esses muques pra funcionar e me ajuda aqui.
— Se prepara pra correr, hein...
— Você tem que ser mais lerdo que um Metapod pra ser alcançado por um Kabuto.
Vivian arregaçou as mangas e os dois começaram a revirar o Pokémon, mas perceberam que nem de perto ele era tão pesado quanto imaginavam. De fato, ele tinha a carapaça macia e um semblante artificial.
— Graças ao céus, pensei que fosse morrer aqui! — eles ouviram uma voz mecânica.
Stanley piscou, pois tinha certeza de que aquela frase não fora dita por Vivian.
— O P-Pokémon tá falando! — disse o loiro em sinal de surpresa.
— Cacetada, mas isso é impossível — comentou Vivian, intrigada. — Será que é um clone modificado ou algum tipo de mutação? Admito que às vezes consigo escutar a Primia falando na minha cabeça, mas tem que rolar muito Poder da Amizade envolvido.
— Essa ilha tá mexendo com a nossa cabeça, Vi. Sempre suspeitei que faltassem alguns parafusos em nós, mas... isso aqui é novidade — Stanley começou, certo de que estava conversando com um Pokémon selvagem como se fosse algo natural. — Sério, é cada história doida que a gente ouve, Onix que fala, Pokémon montando guilda e lutando com espada, Torchic usando Leer... eu não duvido de mais nada nesse mundo — falou Stanley.
— Gente, vocês estão me ouvindo? Alôôô? — gemeu o Kabuto. — Ainda estou aqui. Dá pra alguém me ajudar?
Os dois encaram o Kabuto, aguardando novas ordens.
— Então, amigo... como é que podemos te ajudar? Perdeu-se da sua família?
— Sei que pode parecer estranho, mas isso é uma fantasia — disse o Kabuto. — Li o artigo de um pesquisador famoso de Kanto que relatou seus experimentos enquanto aprendia os hábitos, costumes e limitações de Pokémon ao se fantasiar como eles, só não imaginei que minhas patinhas fossem me impossibilitar de ativar o botão que desativa o traje! Eu fui muito burra.
— Burro foi quem criou essa porcaria — falou Stanley.
— Não, burro é a pessoa que entrou aí dentro — respondeu Vivian.
— Será que vocês podem parar de me azucrinar e me ajudar logo? É só apertar o botão vermelho na minha lateral esquerda.
Vivian apressou-se a localizar o botão. Ao apertá-lo, uma cortina de fumaça foi exalada e a carapaça do Kabuto se abriu, liberando uma forma humana que saiu dali de dentro. Os dois se remexeram ansiosos, estavam no aguardo de uma revelação histórica, talvez o encontro com alguma celebridade internacional ou alguém no nível do próprio Professor Carvalho, porém...
— Ah, é só a Dawn — falou Vivian.
— Oi, Dawn — respondeu Stanley.
— Não acredito que de todas as pessoas fui encontrar justo vocês — disse a garota ao se livrar da fantasia. — Bem que reconheci suas vozes, mas é difícil enxergar com aquela roupa toda.
— Vem cá, me dá um abraço, amiga! — disse Vivian contente, já recuperada. — Você nos deu um sustinho aqui agora, mas estamos felizes em... pera, o que você tá fazendo aqui? E que coincidência doida a nível ex-machina é essa? SERÁ QUE ARCEUS ESTÁ CONSPIRANDO CONTRA NÓS?
— Gente, calma, acho que posso explicar... mas primeiro será que podem me dar uma carona para fora desse túnel? Eu adoraria respirar um pouco de ar puro depois de tanto tempo presa no corpo de um Kabuto.
Dawn acompanhou-os pela trilha enferrujada até a saída, onde o Torterra estacionou. A garota fartava-se das frutas que seus amigos tinham recolhido, considerava-se sortuda por ter se deparado justo com dois conhecidos de uma região tão distante, mas não estava em posição de reclamar de nada.
— Eu vim para a Ilha Pokémon para fazer uma pesquisa na minha área.
— Verdade, você queria ser pesquisadora, né? — perguntou Vivian. Todo mundo se esquecia daquele detalhe.
— Pois é. Depois de viajar por Sinnoh com vocês, eu senti que precisava continuar seguindo esse sonho, sabe? Apesar de eu nunca ter exercido muito, acho que levo jeito!
— Ai, menina, estou tão feliz por você! Eu jurava que você seria a terceira protagonista inútil e sem ambição pelo resto da sua vida, mas pelo visto todos têm uma chance de redenção.
— Obrigada pela parte que me toca — respondeu Dawn com ironia. — Eu me formo ano que vem pela Unisyno. Tenho muita sorte de ter alguém como a Cynthia que se ofereceu para pagar o curso que custa os olhos da cara, ela vive dizendo que nunca é tarde para uma formação, estou me esforçando ao máximo para ser a melhor da turma! Tive até aulas de libras, não que eu vá usar, mas é sempre bom entender dessas coisas quando se lida com pessoas.
— Gente, que maravilha, então logo mais você tá desempregada que nem a gente — continuou Vivian.
— Tá afiada hoje, hein? Mas devo concordar, tá difícil pra todo mundo... Pelo menos estou feliz em trabalhar com o que amo, e a Ilha Pokémon oferece tantos meios de pesquisa únicos! Foi a Cynthia quem conseguiu pra mim uma autorização, ela conhece muita gente importante. Estou aqui cumprindo estágio, o Profº Carvalho ficou contente em oferecer uma vaga para retomar a pesquisa dele atrás de informações do lendário Mew e suas habilidades de transformação. É no que pretendo formular minha tese, “Pokémon e sua habilidade de assemelhar-se a forma humana através do Poder da Amizade”.
— Mew? Tem um Mew aqui? — perguntou Stanley, ignorando o restante.
— Tinha. Mas foi há muito tempo... mas não custa nada checar os rastros e registros dele, certo? Como iniciante no ramo, ainda quero aprender e contribuir o máximo que puder com o mundo.
— Olha só, toda determinada e altruísta! Não se preocupa, até o fim do curso isso passa — disse Vivian dando-lhe alguns tapinhas nas costas. — Estou orgulhosa de você, amiga. Quem diria que viria a ser uma personagem importante, hein? Achei que seria para sempre que nem aquele seu Piplup fracassado!
— Vivian, estou começando a considerar seus comentários uma ofensa...
— Também te adoro, linda.

i

Dawn os guiou até a base onde se instalara na ilha havia menos cerca de três meses. Apesar de abandonado há quase duas décadas, o laboratório recebera reparos com o auxílio de Sly, o Machamp da garota que era especialista em reconstrução. Dawn estava magra, com cabelos desgrenhados, olheiras fundas e os óculos sujos realçavam um lado que seus amigos nunca tinha visto antes.
— Tem certeza que essa é a Dawn mesmo? — perguntou Stanley. — E se for algum outro Pokémon disfarçado de humano?
— Stan, você não tem ideia do que a faculdade faz com as pessoas — respondeu Vivian.
Dawn andava de lá para cá, tentando reunir seus pertences e organizar o que devia ser seu escritório improvisado nos últimos meses, mas ouvi-la falar tão cheia de empolgação sobre seus estudos e o que havia acontecido nos últimos anos enchia seus amigos de uma sensação reconfortante — eles percebiam que ali estava a garota meiga, meio estabanada e alegre que por tanto tempo acompanhara Luke e Lukas como se fosse sua irmã mais velha.
— Vocês não vão acreditar no que encontrei — disse a pesquisadora cheia de empolgação. — Deem só uma olhada nisso!
Ao puxar um pano velho, Dawn revelou um triciclo amarelo que mais se parecia com uma cápsula do tempo. Dada a sua empolgação, ela esperava que seus amigos reagissem de forma bem diferente; ali estava uma raridade preservada e esquecida pelo tempo.
— Contemplem: ZERO-ONE! Totalmente automatizado, essa máquina representava o auge da tecnologia do final do século XX, seus motores foram adaptados para aguentarem altas temperaturas, os pneus transformam-se em botes e ele até podia voar! Há inclusive um escudo feito com estudo avançado baseado no ataque Protect, feito para que nenhum Pokémon possa ferir o motorista enquanto ele se aproxima. Só que...
— Não parece estar funcionando — comentou Stanley.
O rapaz passou o dedo pela lataria e tirou uma crosta de poeira. Vivian saltou no assento principal e procurou pelo volante, não tinha compreendido o que Dawn quis dizer com “automatizado”, não conseguia imaginar que uma máquina poderia guiá-la ao seu objetivo com a tecnologia limitada da época. Na lateral da porta esquerda, ela se deparou com a caligrafia que pertencera ao seu antigo proprietário:

Todd Snap, 1998.

— Bom, acho que sei como fazer funcionar — disse Stanley com ar de sabichão.
— Tá brincando? — perguntou Dawn. — Como? Eu já tentei de tudo. Teria sido fácil se eu tivesse aqui o Metagross ou o Porygon-Z do Luke, mas não tenho nenhum Pokémon tão avançado.
— Você trouxe seu Probopass? Essa tecnologia é antiga, acho que uma forte recarga na bateria já resolveria. Tenho um Magnezone para ajudar.
Dawn se esquecera completamente que seu Pokémon do tipo rocha e metálico era especialista em golpes elétricos.
Enquanto os dois Pokémon trabalhavam, Dawn levou Vivian para o andar superior para apresentar o restante do laboratório e as mais de duzentas páginas de anotações que fizera desde que chegara à ilha.
— Dá pra acreditar que aqui existem ovos dos três pássaros de Kanto? Ovos, Vivian. Ninguém nunca encontrou nenhum, não há relatos da forma de reprodução de nenhum Pokémon lendário, mas encontrei restos de casca de ovo na região do túnel, do vulcão inativo e da caverna profunda. O Zapdos só nasce com uma descarga intensa de eletricidade, o ovo de Moltres precisa ser mergulhado em lava e o de Articuno só nasce com um ritual de dança das Jynx!
Sem prestar muita atenção nas divagações da amiga, Vivian mordiscava uma maçã.
— Onde é que você encontrou isso? — perguntou Dawn.
— Ali no depósito.
— Mas isso é... ração de Pokémon disfarçada. Deve estar guardada aí já faz uns vinte anos.
Vivian parou de mastigar, mas logo deu de ombros e continuou comendo.
— Se não mata, engorda — disse ela com uma risada.
Curiosa do jeito que era, Vivian logo encontrou mais o que bisbilhotar. Dawn estivera estudando uma esfera colorida que se encontrava imóvel na mesa, do tamanho de uma pokébola comum. Ao acioná-la, uma cortina de fumaça roxa fedida foi liberada e cobriu a sala como o Smokescreen de um Koffing.
— Isso aí é uma Pester Ball, fruto do estudo do Profº Carvalho. Serve para incomodar os Pokémon e fazê-los sair de seu esconderijo sem machucá-los — explicou Dawn, abanando o ar com uma pasta.
— É, mas eles devia ficar bem irritados e furiosos! — retrucou Vivian. — Posso pegar umas três? Já sei como acordar o Stanley amanhã.

Levou pelo menos quarenta minutos para que Stanley terminasse os reparos. Assim que voltaram para o primeiro andar, o Probopass havia terminado a descarga de energia no ZERO-ONE enquanto o Magnezone fazia os últimos reparos ligando partes metálicas enferrujadas. A máquina acendia os faróis e ligava o motor por alguns segundos, mas ninguém soube como fazê-lo se mexer.
— Bom, fiz o que pude — comentou Stanley limpando o suor do rosto. — Mecânica não é tão fácil quando pensei, se tivéssemos 3G eu teria ligado para o Roark ou o Sr. Byron nos dar algumas dicas...
— Pelo menos podemos tirar umas selfies dentro dele, o que me dizem? — sugeriu a ruiva.
Vivian saltou para dentro e ergueu a câmera com Dawn e Stanley unidos logo atrás dela para uma fotografia improvisada. Flash! Flash! Flash! Tirou fotos o bastante para matar toda a saudade que tivera de Dawn, de caretas a expressões com biquinho e beijinho dos dois lados do rosto de seu namorado. Enquanto revia as imagens, Vivian não parava de sorrir.
— Só falta o Luke e o Lukas agora — disse Dawn, como se lesse seus pensamentos.
— Pois é... eu queria voltar a ser criança e voltar para aquela época — falou Vivian. — Acho que a vida tinha menos preocupações e eu só me importava em... ser feliz.
— Para ser sincera, um dos motivos de eu ter continuado aqui tanto tempo é porque não há sinal, então não tive como chamar ninguém para vir me buscar. Mas também não estou preocupada com isso porque me permitiu mergulhar de cabeça em minhas pesquisas sem intromissões. Tenho avançado como nunca, mas acho que já reuni o bastante — disse Dawn. — Como é que vocês pretendem fazer para ir embora? Marcaram horário para alguém vir te buscar?
— Na verdade, caímos aqui de paraquedas — respondeu Vivian.
— Literalmente — continuou Stanley.
— Espera — falou Vivian. — Isso quer dizer que estamos presos aqui PARA SEMPRE?! Na real?
— Não tenho nenhum Pokémon voador e meu único aquático é o Duke, não acho que ele conseguiria nos levar para casa sem desmaiar no caminho.
— Duke, você só tinha uma missão... — comentou Vivian esfregando os olhos com a ponta dos dedos, visivelmente decepcionada.
— E tem um Gyarados do tamanho de um Wailord rodeando a ilha — disse Stanley. — Melhor descartar a fuga pelo oceano.
— Ouvi dizer que a Ilha Pokémon confunde bússolas e rastreadores — falou Dawn —, é muito difícil para alguém localizá-la, pois se situa em uma região chamada Triângulo dos Snorunts, e por aqui já aconteceram inúmeros naufrágios e desaparecimento de aviões que não deixaram rastros. Dizem até que foram encontrados navios intactos, sem nenhum passageiro, sendo que não foi levado dinheiro ou pertences.
— Isso só tem um significado — Vivian ergueu as mãos e falou: — Aliens.
Dawn pegou-se rindo tanto que sua barriga chegou a doer. Os três ali reunidos traziam tantas lembranças de suas aventuras pelas terras de Sinnoh... Se tivesse direito a um pedido, gostaria de voltar para aqueles tempos com os olhos de hoje, talvez assim pudesse corrigir alguns erros que ficaram para trás, teria se preocupado menos com coisas sem importância e aproveitado mais ao lado de pessoas que amava. Talvez até tivesse acertado nas batatas gratinadas, mas que graça teria? Será que isso teria influenciado em tudo que veio depois? Gostava da vida que tivera como ela era, e era adulta o bastante para entender o significado de saudade.
— É, a gente vai morrer — disse Dawn, com os olhos ainda lacrimejando de tanto rir.
Vivian estava para sair do velho automóvel quando o ZERO-ONE de repente começou a flutuar, seus pneus transformaram-se em jatos e ele levitou a uns vinte centímetros do chão. Impressionada com uma tecnologia tão antiga continuar a funcionar quase duas décadas depois, Dawn pediu que a companheira mantivesse a calma enquanto ela tentava alcançar o monitor.
— Calma, Vi. Está vendo uma tela grande? O ZERO-ONE só segue o percurso quando colocado nos trilhos, deve haver algum botão para desligar.
— Mas como é que ele vai seguir os trilhos se estiver VOANDO? — berrou a garota.
Vivian apertou qualquer coisa e puxou todas as alavancas que encontrou, os jatos se transformaram em boias, fazendo tanto a máquina quanto a menina quicarem com a queda. Todos se pegaram rindo com o ocorrido, até que Dawn teve uma ideia inusitada.
— Ei, o que acham de explorarmos algumas localizações? Perto do túnel de onde nos encontramos a atividade explosiva de alguns Electrode e Digletts revelou uma passagem que dá no vulcão desativado — disse a pesquisadora. — A área é um pouco perigosa, quase fui atropelada por um Rapidash e queimada por dois Magmar que brigavam atrás de comida, mas garanto que verão algumas cenas únicas por lá. Se você jogar uma Pester Ball dentro do vulcão, ele expele uma fumaça sinistra com a forma de um Koffing!
— Tá brincando — falou Vivian. — Até parece magia!
— Sabe o que magia me lembra, Vi? — perguntou Stanley. — Aquele filme.
Os dois se entreolharam, fizeram caretas, engrossaram a voz e começaram a rir sem parar.
Oooohm, Wingardium Leviosaaaaa!
Stop it, Stan, stooooop!
Dawn os observou com os olhos semicerrados, incrédula por breves segundos. Perguntava-se aonde é que arranjara aqueles dois como amigos e se o destino tinha sido justo em enviar justo eles para resgatá-la.
— Às vezes sinto que vocês ainda têm quatorze anos...

ii

Vivian e Stanley toparam a ideia de explorar a ilha. No fim das contas, a viagem até a Ilha Pokémon pareceu se tornar uma verdadeira excursão de escola ao invés de se sentirem isolados em uma localidade remota que talvez levasse anos até que fossem resgatados.
Com o ZERO-ONE como guia, o percurso foi rápido e direto, pois em seu código estava o comando de seguir os trilhos enferrujados até o fim. Como só havia espaço para uma pessoa dentro dele, Stanley e Dawn acompanharam Vivian de longe nas costas do Torterra enquanto a garota se divertia no carrinho como se estivesse em um parque de diversões. Ela fotografou tudo que tinha direito, desde o vulcão inativo distante até uma horda de Charmanders que começou a segui-los atraídos pelos cabelos ruivos de Vivian — deviam imaginar que ela fosse sua mãe. Três pequenos Vulpix também se divertiam correndo ao redor, nunca antes tinham visto nada tão grande quanto Drinian. Um casal de Ninetales observava os filhotes de longe, deixando-os brincar a tarde toda na companhia dos humanos.
Eles subiram no alto da montanha até o ponto em que ela descia e terminava na floresta onde o rio se formava. Dawn contou-lhes que a fauna ali era ainda mais única e excêntrica, Drinian continuou a caminhada sem reclamar, era um Pokémon forte e orgulhava-se de levar seu treinador aonde ele pedisse. Vivian quase se perdeu com a fofura dos Bulbasaur que se escondiam em troncos de árvore caídos e Stanley precisou ouvir piadas de como ele e os Slowpoke eram criaturas parecidas.
Na travessia do rio, Dawn localizou um Porygon que se camuflava com apenas a ponta do nariz para fora e o corpo coberto de lodo.
— Fiz descobertas incríveis com os Porygon nessa ilha — disse a pesquisadora. — Levantei uma tese de como esse Pokémon artificial criado pelo ser humano não precisa viver em cidades grandes para se ambientar. Nos tempos em que o Profº Carvalho estava na ilha, pesquisadores trouxeram diversos espécimes de Pokémon para ver como eles se acostumavam, e os Porygon foram um deles. Apesar de não se reproduzirem, os três exemplares se misturaram bem ao cenário, adaptando o corpo ao ambiente.
De tanto tagarelar a respeito do ecossistema e as maravilhas da Ilha Pokémon, Dawn adormeceu o caminho todo de volta na rede nas costas do Torterra. O ZERO-ONE deslizava devagar pelos trilhos da mesma praia em que Vivian e Stanley haviam pousado um dia antes, passava das seis e meia da tarde e o céu estava coberto por um tom alaranjado com a família de Lapras deslizando distantes.
Vivian ergueu a câmera de seu celular — sobrava apenas 17% e duas cargas de seus carregadores portáteis.
— Você sabe que fotografar essa cena nunca vai se igualar ao momento em que vivemos, não é? — ela ouviu Stanley perguntar.
Vivian abaixou os braços e refletiu. Em toda sua vida, nunca presenciara uma visão tão linda, e por que estava desperdiçando aquele momento tentando prendê-lo em uma tela? Queria lembrar-se dele para apreciá-lo quem sabe anos mais tarde quando estivesse casada e com filhas, mas percebeu que também precisava vivê-lo e compartilhá-lo com quem realmente importava.
Ela se levantou do automóvel e fez menção para que Stanley se aproximasse.
— Vem, pode pular — disse Vivian com os braços estendidos. — Sei que você prefere estar com os dois pés no chão, mas eu não vou te deixar cair.
O rapaz saltou de seu Torterra e segurou-se nela, o coração ofegando.
— Tem espaço para nós dois? — perguntou.
— Não, mas a gente se espreme um pouquinho.
— Você pode sentar no meu colo, se quiser.
Stanley acomodou-se primeiro, dando espaço para Vivian ficar confortável. Ela relaxou o corpo e descansou a cabeça no ombro dele, os braços de seu namorado se entrelaçaram em sua barriga, podia sentir o aroma doce dela feito mel, mesmo que não estivesse usando nenhum perfume; foi beijando sua nuca e subiu até as bochechas onde encontrou seus lábios que se grudaram como polos opostos.
— Tá confortável? — perguntou Stan.
— Tô — Vivian respondeu num momento raro em que estava corada. Ela podia ter seu jeito meio moleque, gostava de sentar-se de pernas abertas e falar gírias feito um garoto, mas só Stanley conhecia aquele lado tão sincero e casual que o fez apaixonar-se por ela. — Se eu começar a ficar excitada é culpa sua.
Stanley sorriu encabulado, mas nunca estragaria aquele momento para dizer que suas pernas estavam dormentes devido ao peso dela.


Notas do Autor (AnD 2)

Aventuras no Desconhecido? Isso está se tornando um (Des)venturas no Desconhecido, é desgraça atrás de outra! Brincadeiras à parte, não foi tão ruim assim, acho que depois de enfrentar uma fanfic de 100 capítulos não há mais nada que assuste a Vivian e o Stanley, eles darão um jeito de fugir da ilha antes que esse especial termine.

Eu nem pretendia escrever as notas para esse capítulo, mas gosto de comentar aleatoriedades sempre que tenho o que falar. Primeiro, eu gostaria de dizer que o especial está concluído em 4 capítulos, cerca de 45 páginas. Minha maior dúvida era se eu conseguiria ou não acabá-lo depressa, não quis estender demais. Cada capítulo recebeu o nome das fases originais no jogo de Pokémon Snap, sendo elas: Beach, Tunnel, Volcano, River, Cave e Valley. Eu poderia ter separado cada fase, totalizando sete capítulos incluindo o primeiro que já foi postado, mas eu acabaria usando um capítulo inteiro para trabalhar descrições e eventuais desencontros dos personagens com a exótica fauna dessa ilha, mas eu estaria só enchendo linguiça mesmo.

Acabou que a parte "fotografia", que é o que define Pokémon Snap, se tornou um extra. A trama aqui é mais voltada para a sobrevivência, mas como nossa Vivian ri na cara do perigo, ela não perde a chance de tirar umas fotos para guardar de memória. Até mesmo Stanley tem sido uma agradável surpresa para mim — eu diria que ele é o personagem que mais tive dificuldade na História Central — os dois ainda conseguem se divertir e transmitir um clima bem descontraído para divertir os leitores com suas clássicas conversas e discussões de casal, estou adorando trabalhá-los de maneira tão aberta.

O especial também virá recheado de pequenas referências da Aliança, desde a aparição da Skyla que é uma das minhas líderes de ginásio favoritas em Unova até uma bala de halls sabor tutti-fruti *risos* Mas quem prestou atenção nas descrições e conhece o jogo, vai perceber que cada uma delas também foi pensada. Pokémon Snap é um dos games que mais marcou minha infância e, não importa quantos anos se passem, eu ainda conheço cada detalhe dele.

Vai aqui algumas das fotos clássicas e momentos do game que vocês podem encontrar em torno do capítulo:

Nos primeiros segundos do jogo, esse Doduo retardado aparece pulando na nossa frente kkkkkk
Ele nos acompanha por mais um tempão em todo o percurso.
Mais para o final da fase, temos esse adorável Eevee que
aparece correndo atrás de uma bola que é um... Chansey?
A famosa Pedra Kingler citada pela Vivian, essencial para se concluir o jogo!
Os Meowths de Snap são sempre cheios de caras e bocas.
O encontro de Vivian com o Lapras é um dos eventos que mais marca a personagem, isso porque também é possível fazer essas criaturas chegarem bem pertinho da costa se você fotografá-los ao menos três vezes em cada etapa da fase.

Eu acho que dá para zerar 100% do jogo em umas quatro horas, se você fizer um speedrun dá para terminar em uma. É bobo? É, provavelmente qualquer pessoa que tente jogar Pokémon Snap hoje em dia vai ficar chateado com o quão simples ele é, mas na época, para uma criança que nunca tinha visto nenhum video game na vida, esse contato foi surreal. 

Para quem não sabe, Pokémon Snap foi o primeiro game 3D lançado dos monstrinhos de bolso, ele veio antes mesmo de Stadium 1 e 2 para o Nintendo 64. Nessa época, os Pokémon ainda emitiam sons característicos como os do anime. Uma das melhores partes do jogo era descobrir como atrair os Pokémon para fora de seus esconderijos, e apesar dele contar com apenas 63 criaturinhas, parecia ser parte de um mundo enorme. Eu ainda espero que algum dia a Game Freak decida lançar uma nova versão para Snap com mais de 300 criaturas, dado que os jogos já ultrapassaram as 800. Talvez não tenha o mesmo impacto nos jogadores atuais, mas aqui está um garotinho que estaria com os olhos brilhando esperando na primeira fila para garantir seu exemplar. 

Se quiser dar a chance para Pokémon Snap em emuladores ou na casa de um amigo, tente enxergar com os olhos da época, abrace o desconhecido e garanto que irá se surpreender.

Aventuras no Desconhecido [Capítulo 2]


Capítulo 2 – Beach & Tunnel

— É a primeira vez de vocês voando? — perguntou a condutora.
Vivian insinuou que sim com a cabeça, incapaz de se manter sentada no devido assento do avião por mais de um minuto — só não estava perambulando pelos corredores da aeronave porque Stanley se certificara de prendê-la com três cintos.
Seu namorado, por outro lado, mantinha os olhos longe da janela para não se desesperar. Limpava a testa brilhante com uma toalhinha e suas roupas tinham marcas de suor, Vivian não fazia piadas com as duas pizzas debaixo do braço dele porque sabia que ele não gostava; na verdade, pensava que Stanley só estava ansioso com a ideia de mal ter pisado em Johto e já estar de volta dentro de um avião em uma viagem rumo ao desconhecido. Ele não gostava muito de decisões improvisadas, mas seguiria sua ruiva favorita aonde quer que ela o levasse.
— É a primeira vez que faço essa rota — disse a mulher que conduzia o bimotor. Ela olhou para trás de relance e sorriu para os dois únicos passageiros. — O Sr. Palmer Tycoon é um velho conhecido meu dos tempos da Battle Frontier. Eu não poderia recusar um serviço para o filho dele, mas... vocês têm certeza de que estamos indo para o lugar certo?
— Absoluta. Até já consigo ver a ilha — falou Vivian, apoiando-se em Stan para olhar a janela.
A Ilha Pokémon era o único espaço terrestre que se tinha visão em um raio de quilômetros, encoberta por um manto azulado de calmaria que não se via nem mesmo em Hoenn. Recebera tal nome porque fora descoberta em 1998 e desde então se tornara uma reserva que não permitia a presença de nenhum treinador; poucos pesquisadores tinham acesso e muito menos permissão para prosseguir com os estudos nesse único e excêntrico ecossistema desde que Samuel Carvalho estivera por lá, a ilha se tornara propriedade do governo. Vivian não fazia ideia de que o acesso era restrito, mas desde que recebera a carta do misterioso remetente que assinava pela sigla C acreditava que o destino estava do seu lado.
— Senhorita Skyla, como faremos para descer? — perguntou Vivian.
— Eu estava pensando nisso justamente agora — respondeu a condutora enquanto sobrevoava a região remota. — Não estou vendo nenhuma pista de pouso, mas posso tentar aterrissar na praia. Vocês escolheram um resort bem esquisito para passar as férias, hein?
Stanley estava para mencionar algo, mas sentiu-se muito enjoado para argumentar.
— Faça o que achar melhor, comandante! — respondeu Vivian, batendo continência.
— Fica tranquila, mocinha. Temos 98% de chance de que tudo ocorra bem, dado o tempo e as condições climáticas.
— E os outros 2%? — perguntou Stanley.
— Talvez um Pidgey se assuste com o barulho, voe em nossa direção e colida com o motor — disse Skyla com naturalidade. — Aí o avião explode no ar e todos nós morremos antes mesmo de alcançarmos o chão.
Stanley sentiu ânsia de vomito, mas a condutora foi breve em emendar uma risada calorosa na tentativa de mantê-los tranquilos.
— Eu estava só brincando, garotão! Sou a melhor que há no ramo em Unova, vocês estão mais seguros comigo no ar do que andando até a padaria logo cedo. Vocês podem ser atropelados, assaltados, atacados por um Pokémon descontrolado contaminado com raiva, se tiver azar, vai que uma árvore cai na sua cabeça! Eu não confiaria na sorte.
Stanley agora tremia.
— Tá tudo bem, meu Skittyzinho fofo? — perguntou Vivian enquanto massageava as costas dele.
Stanley ainda não se sentia disposto o bastante para contar a Vivian o motivo de ter se atrasado na noite em que chegara a Johto.
Ela não precisava saber que se escondera no banheiro do aeroporto e quase perdera o voo de propósito. Stanley quis desistir daquela ideia ridícula de ir voando até Johto, devia ter garantido uma passagem de cruzeiro no S.S. Aqua quando teve a chance, pois detestava alturas.
Não podia dizer que tinha medo, só não gostava mesmo, sentia vertigem e um embrulho na barriga quando olhava para baixo e via o chão tão longe de seus pés. Uma lembrança remota que permeava sua mente sempre voltava à tona — seu pai, Palmer, sempre divertido e espirituoso, jogava-o para o alto e agarrava o filho antes de cair. De fato, Stanley se adorava a brincadeira. Até que a mão escapou e de repente o chão já não parecia mais tão longe. E era duro feito pedra.
Quando voava, ainda tinha a sensação de estar balançando no ar e, de repente, seu pai que sempre lhe transmitira confiança e segurança, não era capaz de protegê-lo.
Um trauma bobo de criança, pensou Stanley. Vivian o acharia um idiota por isso.
— Stan, Stan! — Vivian o chamou enquanto empurrava para ele uma mochila escura espaçosa cheia de cintos e retalhos. — Coloca aí, está quase na hora.
— De aterrissar? — perguntou o rapaz.
— Tipo isso. Skyla nos sugeriu começar as férias de um jeito mais radical, então ela ofereceu um par de paraquedas! Não é maneiro?
— Ah — Stanley abriu a boca, mas já parecia tarde para opor à ideia.
Vivian adorava esportes radicais, tinha carteirinha para canoagem, mergulho em mar aberto e skydiving, por isso não requeria instrutores. O vento estava tão forte que eles precisaram vestir óculos apropriados e, depois de se aprontarem com a devida vestimenta, Skyla acenou com o polegar para os passageiros.
A porta lateral do avião se abriu. Vivian segurou na mão de Stanley que só conseguiu pensar que não voltaria vivo para continuar seu progresso na Battle Tower rumo ao 100º andar com seu amigo Luke. Provavelmente morreria ali mesmo, com o coração saindo pela boca e o chão cada vez mais perto. Vivian, por outro lado, exalava ansiedade e sabia que seu namorado nunca estaria preparado para uma atividade como aquela, por isso ajustou suas roupas e as dele para que saltassem juntos, assim não cairiam em locais tão distantes.
— Vai, vai, vai! — gritou Skyla.
Eles saltaram do avião. Stanley fechou os olhos e se deixou levar. A queda pareceu durar uma eternidade, ouvia sua namorada gritar frases soltas como: “Isso é radical demais!”, “abra os olhos, mozão!”, “vai perder essa cena linda?”, e “meu Arceus, o vento tá nos levando pra direção oposta!”
— Stan- Stan- Pok- ados-!!
— Quê?! — o rapaz berrou de olhos fechados. — Não dá pra te ouvir!
— Adoooooo--!!
— Viado?! — ele gritou.
— GYARADOSSSS!
O rapaz abriu os olhos a tempo de ver que a queda os levava na direção oposta da ilha, estavam indo para o meio do oceano. Vivian não contara com uma rajada de vento repentina, e também não se dera conta de que não trouxera nenhum Pokémon aquático para o time. Sua mão se dirigiu ao cinto num gesto automático, mas a pokébola escapou-lhe. Se seus Pokémon não fossem treinados o bastante, eles com certeza não teriam notado a situação extrema em que seus treinadores se encontravam. A esfera do Gyarados de Stanley planou no ar e liberou a enorme serpente marinha, pronta para resgatá-los. Os paraquedas se abriram e os dois foram soprados para o extremo sul da ilha onde pousaram nas costas do Pokémon. Vivian ainda abraçava Stanley com força, o coração disparado e a adrenalina à mil.
— Uau, isso não foi demais?! — disse a garota. Ela não havia percebido que seu namorado estava ajoelhado no chão tentando respirar. — Ai, desculpa, mozão! Eu devia ter perguntado antes se você topava!
— Bom, não é como se você pudesse me despachar naquele avião de volta para Sinnoh... — resmungou Stanley, só então percebendo como sentia falta de casa. — Pelo menos, agora já estamos perto de terra firme. Cadê nossas coisas?
— A comandante disse que ia jogá-las lá de cima!
— Você só pode estar de brincadeira.
Vivian e Stanley olharam para o alto e viram três paraquedas planando lentamente no ar, cada um em uma direção. Vivian reconheceu a sua mala que continha roupas, barracas, sacos de dormir e provisões para um mês vivendo na ilha deserta. Era uma exímia sobrevivente da mata, pois sempre lidara com Pokémon insetos. Sua bagagem caiu no meio das águas fundas a uns trezentos metros dali.
— Mozão, pede pro seu Gyarados pegar pra mim?
Stanley mal teve tempo de dar a ordem ao seu Pokémon, e um segundo Gyarados emergiu das profundezas. Tinha quase o dobro do tamanho do seu, que media pouco mais de seis metros e sete; ele devorou a mala inteira de Vivian com tanta ferocidade que o Gyarados de Stan se sentiu um Magikarp frágil em uma poça d’água.
Ao mergulhar, a serpente marinha causou uma onda tão grande que os varreu para mais perto da ilha. O pobre Gyarados sentiu-se tão pequeno que nem quis mais ficar na água, não poderia enfrentar um leviatã monstruoso feito aquele. Molhados, assustados e completamente sem direção, os dois alcançaram a costa onde deitaram de costas na areia e ficaram observando o céu.
— Minha calcinha da sorte estava lá — falou Vivian.
— Aquela com rendinha azul? Droga, eu gostava daquela — respondeu Stanley.
Vivian sentou-se e começou a tirar a roupa, o que fez seu namorado corar.
— Tá doida? Aqui?
— Que foi? Vai dizer que fica com vergonha em me ver de sutiã? Minhas roupas estavam todas lá e eu é que não vou ficar aqui com as coxas assadas e o pé fedido por estar toda molhada. “Ah, mas se fosse biquíni não teria problema!” Sério, homem é um bicho estranho. E você? Deixou tudo nas malas ou tem alguma coisa importante aí?
O rapaz levou a mão ao bolso e verificou — alguns trocados, halls sabor tutti-frutti com um Cyndaquil incrustado na embalagem e seu celular encharcado, sem dar sinais de que algum dia voltaria a funcionar. Aquela viagem já começara lhes custando caro.
Vivian desesperou-se à procura do seu, escondido onde mais ninguém conseguiria alcançar, e suspirou aliviada ao ver que continuava ligado com 83% da bateria intacta.
— Ufa. Eu não sei o que faria sem ele... Vou ligar pra vovó e dizer que chegamos bem, quer avisar sua família também?
— Nem. Eles devem estar se divertindo sem mim — respondeu Stanley, tirando a água dos sapatos. — Aposto que nem sentiram minha falta nos últimos dias.
— Ai, chega de drama. Somos adultos agora.
Vivian ficou em silêncio com os olhos fixos no aparelho.
— Que foi? — perguntou o loiro.
— Olha.
Stanley observou o fundo de tela dela — uma imagem adorável dos dois juntos se beijando sob o pôr do sol no Hotel Deluxe Heart em Sinnoh, cortesia das últimas férias que passaram uma semana inteira aproveitando do bom e do melhor da estadia em Heartome. Stanley sorriu abobalhado com a imagem quando Vivian interveio:
— TÁ SEM SINAL, CARA! Sabe o que isso significa? Talvez fiquemos presos nessa ilha PELO RESTO DE NOSSAS VIDAS! A GENTE VAI MORRER!
— Vivian, chega de drama, somos adultos agora — respondeu Stan.
— Devolvendo na mesma moeda, hein? Meu ataque disparou no seu Mirror Coat e voltou com o dobro de força.
Os dois riram. O sol brilhava forte e eles se viram sozinhos na praia cercada de diversos Pokémon nativos da região de Kanto. Os Pidgey voavam tão perto que pareciam nunca ter visto outro humano, Stan tomou um susto quando um Doduo saltou de trás de uma rocha e saiu correndo pela costa gritando feito louco.
Vivian levantou-se também para persegui-lo, saiu correndo descalça para sentir a areia branca e fofa nos pés. O ar era ainda mais puro do que Azalea, como nunca vivera em cidades grandes, Vivian preferia o cotidiano e vida tranquila de cidades mais afastadas, mas era a primeira vez em anos que sentiu-se realmente imersa no mundo Pokémon — a natureza pura e bela como era.
— Gente, eu nunca tinha visto o mar assim tão... calmo — falou a garota. — Sinto que se eu andasse bem devagar, poderia passar por cima dele.
Ela foi se aproximando-se com a ponta dos pés na água e pulando conchinhas de Shellder que se aglomeravam nas pedras. Vivian saltou para cima de uma rocha e tomou um tremendo susto quando ela começou a se mover. Por pouco ela não escorregou, estava em cima das costas de um Lapras que dormia tranquilo. Aqueles Pokémon eram extremamente raros no mundo todo, nunca antes sonharia em ver um tão de perto. O Lapras observou a humana intrigado, como se tentasse identificar que tipo de Pokémon curioso ela era. Ele se sacudiu e a derrubou no raso, o que contribuiu para Stanley não parar de rir. O Lapras deslizou pelas águas mais para o fundo onde outros dois de sua espécie emergiram, percorrendo a rota marítima a caminho de sua toca.
Stanley estava com uma Dive Ball nas mãos quando sua namorada o impediu:
— Não! Esses Pokémon desconhecem humanos, eles nem entendem o que é ser capturado. Eu nos trouxe até essa ilha porque quero entender os mistérios da carta que recebi, mas não podemos destruí-la... sinto que ela pertence ao mundo.
Stanley concordou, compreensivo.
— Não precisamos capturar um Pokémon para tê-lo conosco — continuou Vivian, sacando o celular o mais depressa que pôde para fotografar aquele momento. — Pode ser que aqui não tenha sinal, mas alguma lembrança eu quero levar para casa. Vem, Stan! Ninguém vai acreditar quando dissermos o quão perto estávamos desses Lapras!
Vivian tinha espaço de sobra na memória de seu aparelho, ela pensava como as pessoas se viravam antigamente quando as câmeras suportavam pouco mais de sessenta fotografias em um rolo de filmes.
— Cuidado pra não acabar a bateria, hein — alertou Stanley.
— Ah, fica tranquilo, eu trouxe uns portáteis que aguentam seis recargas, tá tudo na mochila de mão. Sorte que não deixei na outra que foi devorada pelo Gyarados. O problema é que agora não tenho troca de roupa, mas ainda podemos procurar a sua mala.
— Lembro de ter visto os dois paraquedas que sobraram sendo soprados pro norte, na direção daquela ponte. Se continuarmos o percurso, antes do entardecer podemos encontrá-la. Minha mochila tem mais algumas provisões, mas, na real, estou mesmo preocupado em como faremos para dormir ao relento...
Stanley sacou sua pokébola e lançou Drinian, seu Torterra. O Pokémon tartaruga parecia maior e mais poderoso do que anos atrás quando participara da Liga Pokémon. Apesar da pata traseira defeituosa, locomovia-se com distinção, sempre tranquilo e sem preocupações. A árvore em suas costas estava tão grande que Stanley prendera uma rede nos galhos dela, tinha espaço de sobra para descansar e construir uma casa móvel. Vivian saltou nas costas da criatura e juntos eles seguiram caminho pelas praias da Ilha Pokémon.
Vivian fotografava tudo que encontrava, desde um Snorlax preguiçoso rodeado de Butterfrees até um Meowth curioso que fazia careta para ela quando via a câmera, intrigado com o estranho brilho refletido pela tela do aparelho.
Os Pokémon nativos chegavam tão perto que alguns deles até pegaram carona nas costas do Torterra — um casal de Pidgey começou a montar ninho na árvore e um filhote de Pikachu saltou à procura de frutas para comer.
— Mozão, olha só para aquela pedra de formato estranho!
Vivian apontou para a formação rochosa coberta de lodo que, dependendo do ângulo em que era vista, formava a imagem de um Kingler.
— Minhas priminhas vão ficar loucas quando virem essas fotos — comentou animada.
Havia uma trilha que percorria a estrada até o pé da montanha, Vivian lembrava-se de ter ouvido que a ilha fora o foco de pesquisa havia quase duas décadas, mas o percurso havia sido abandonado e estava destruído em certas partes, obrigando-os a desviar o curso até que encontrassem onde ele recomeçava.
— Vivi, surgiu uma dúvida aqui... — perguntou Stanley. — Como é que vamos embora?
— A gente liga pro — a garota começou, mas logo se lembrou que não havia sinal. — Eu... na real, não sei. A Skyla disse alguma coisa sobre como iria nos buscar?
— Era uma viagem só de ida. Ela pensava que estávamos indo para um hotel no pacífico.
— Ah, a gente tá ferrado então.
Os dois se entreolharam e, pela primeira vez, sentiram a dimensão do problema em que haviam se metido.
— Stan, te amo — falou Vivian. — Desculpa por te trazer para a sua morte.
— Desculpa nada, eu quero ser recompensado de alguma forma.
— Serve um carinho gostoso e um sexo selvagem?
— Serve.
— Acho que nós dois vamos ficar tanto tempo aqui que daqui uns anos nossas roupas vão se desfazer e teremos que viver pelados, que nem aquele programa da TV.
— Você gosta desse programa mesmo, hein? Tá sempre falando nele — completou Stanley.
— É que eu acho tão engraçado! Imagina só conviver com alguém nu o dia todo e não sentir tesão nem nada? Deve ser bizarro, eu queria experimentar.
— Vivi, desse jeito você vai deixar o Drinian sem graça...
— Ele não liga se nós nos divertirmos um pouquinho aqui em cima, não é, Drinian?
O Pokémon tartaruga sacudiu as costas, indiferente. Vivian deixara suas roupas secando em um galho enquanto perambulava descalça só com as roupas de baixo e um shortinho largo. Ela respirou fundo aquele ar límpido que preenchia seus pulmões e falou:
— Agora sim estou me sentindo selvagem de verdade!
Stanley riu da cena e cochichou para seu Torterra:
— É a mesma garota doida de quando a conhecemos, não é, amigão? Isso já faz tanto tempo, você era só um Turtwig.
“Quem diria que ela viria a ser a mulher de sua vida”, correspondeu Drinian.

i

Drinian os guiou pela costa nas horas que se seguiram. Vivian lançara seu Heracross para vasculhar os arredores das florestas à procura de frutas para alimentá-los, dessa forma teriam mantimentos para mais um ou dois dias. Começara a entardecer e eles se aproximavam da montanha onde já era possível avistar uma construção desativada que devia ter feito parte do centro de pesquisas em 98. Enquanto seguiam a trilha enferrujada, Stanley avistou um pedaço rasgado de paraquedas e reconheceu que sua bagagem devia estar próxima. Localizou o malão caído em uma lagoa, mas tudo dentro continuava intacto. Inclusive, junto dele estava seu violão, que com certeza teria deixado em casa se soubesse dos apuros que poderiam passar naquela ilha.
Eles pararam ao avistar a entrada de um túnel, o teto era preenchido por muitos Kakunas, o som de asas de Zubat incomodava, era impossível dizer o que mais se escondia ali, dormir do lado de fora seria mais seguro do que em seu interior. Adentrar um local escuro e sombrio no anoitecer não parecia ser uma ideia sensata, por isso os dois montaram uma pequena fogueira na entrada — Drinian não gostava que acendessem fogo em suas costas, e seu treinador respeitava isso, o que os obrigou a descer e montar o acampamento.
Os dois descansavam ao redor da fogueira, Stanley cobrira sua garota com uma jaqueta já que começara a esfriar um pouco. Vivian nem se certificara de pedir que Primia mantivesse a vigilância, pois se sentia muito segura; os Pokémon que se aproximavam apenas queriam um lugar para se aquecer, a ruiva chegou a se surpreender com um Eevee selvagem que se acomodou em seu colo e adormeceu.
— Stan. — Vivian o chamou com a voz séria de repente. — Preciso te perguntar uma coisa.
“Fodeu”, ele pensou. Iam brigar. Algo terrível estava para acontecer, aquela frase nunca era acompanhada de nada bom e as pessoas que começavam uma conversa daquela forma eram cruéis e sádicas. Vivian o encarou, seu semblante tranquilo como há tempos não via e as bochechas levemente coradas devido ao sol forte que havia tomado o dia inteiro. Então, ela decidiu perguntar, não em tom de maldade ou acusação, mas de quem realmente queria compreender algo:
— Por que você nunca me contou que tem medo de altura?
Stanley suspirou aliviado. Bem que quis ser sincero com ela, mas preferiu dar de ombros e mostrar sua indiferença.
— Sei lá. É só um medo bobo.
Vivian se recusara até então de tirar o Eevee que dormia confortável em seu colo, mas dessa vez precisava. Ela aproximou-se de Stanley e fixou os olhos no dele de forma tão intensa que era impossível encará-la de frente.
— Você só faz isso quando está envergonhado ou quando algo te incomoda. Te conheço bem, mocinho.
— Eu sempre fico sem graça quando você chega perto demais — respondeu Stan, incomodado com a noção de espaço da namorada. — É que você tem olhos tão... tão...intensos. É como se enxergassem a minha alma. Não é que estou com vergonha, eu só não consigo. Às vezes parece que você é demais para mim.
— HAH! — A garota deu um berro que acordou o pobre Eevee. — “Demais pra mim?” Tá doido, é? Você que é filho de um Cérebro da Fronteira e eu que sou “demais”? Pra sua informação, Vivi sempre se sentiu como “a garota do campo esquisita”, lembra da minha reação quando te vi pela primeira vez? Loiro, bonito e com esses olhos cor de mel, você me atraiu para cima de você como uma Combee atrás do mais doce mel, mas que chance teria eu, um insetinho insignificante de Azalea? Sou eu que sempre me senti inferior na sua presença, mas foi justamente a sua simplicidade que me conquistou. Você nunca quis ser tratado como alguém importante você era... Stan. — disse enquanto ajeitava o cabelo dele, sua mão escorregando lentamente até o rosto do rapaz. — Apenas Stan. Meu Stan.
Ele respirou fundo e encostou a cabeça no peito dela.
— Desculpa não ter contado. Fiquei com medo de que você achasse que eu era fresco ou bundão por não querer pegar um avião pra vir te ver.
— Oh, Stan... Achou que eu fosse ficar fazendo chacota? Pô, isso é sério. Se te incomoda, me incomoda. Não me esconda mais nada.
O rapaz concordou, sentia o coração mais leve. Como era difícil para as pessoas entenderem que o medo dos outros nunca era algo simples. Ninguém tinha o direito de medir os pavores de alguém — desde criança, Vivian nunca temera insetos, mas nem por isso caçoava de suas primas que se assustavam com o menor Spinarak que aparecia no sótão de casa. Ela entendia que traumas e situações frustradas acompanhavam cada um mesmo depois de adultos. Stanley compartilhou os detalhes da história de quando seu pai o derrubara, mas Vivian não riu.
Ela esticou os braços para ele e fez sinal para que chegasse mais perto.
— Vem pro colinho da mamãe, vem! — Vivian brincou.
— Isso foi bizarro — respondeu Stanley. — Gostei.
— Eu queria te abraçar agora mais do que nunca. E dizer que tá tudo bem, não tem problema ter medo. Você foi muito corajoso em enfrentar tudo isso só pra me ver, mas da próxima vez me avisa, porque a essa altura podíamos estar no S.S. Aqua em uma cabine de luxo bebendo uísque com energético.
Vivian acomodou-se ao lado dele e os dois ficaram ali, abraçados, contemplando o imenso escuro iluminado por um milhão de estrelas. Ao seu redor, apenas um véu negro os separava de tantos sons desconhecidos que lhes transmitiam serenidade, o barulho das ondas distante era bom e acolhedor. O pequeno Eevee sonolento cambaleou até os pés de Vivian e finalmente encontrou uma posição confortável para dormir. O rapaz tirou o violão e verificou se estava danificado com a queda, mas continuava firme e afinado. De olhos fechados, Vivian murmurou baixinho: “Toca aquela que eu adoro”, e assim ele fez, primeiro uma nota e depois outra, preenchendo a noite com a trilha sonora de suas vidas capaz de afastar toda e qualquer preocupação.
— É engraçado como as coisas funcionam, né? — comentou Stanley, atento ao fogo que crepitava em sua frente. — Porque, perto de você, eu não sinto medo de nada.


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