Posted by : CanasOminous Dec 21, 2018


Capítulo 2 – Beach & Tunnel

— É a primeira vez de vocês voando? — perguntou a condutora.
Vivian insinuou que sim com a cabeça, incapaz de se manter sentada no devido assento do avião por mais de um minuto — só não estava perambulando pelos corredores da aeronave porque Stanley se certificara de prendê-la com três cintos.
Seu namorado, por outro lado, mantinha os olhos longe da janela para não se desesperar. Limpava a testa brilhante com uma toalhinha e suas roupas tinham marcas de suor, Vivian não fazia piadas com as duas pizzas debaixo do braço dele porque sabia que ele não gostava; na verdade, pensava que Stanley só estava ansioso com a ideia de mal ter pisado em Johto e já estar de volta dentro de um avião em uma viagem rumo ao desconhecido. Ele não gostava muito de decisões improvisadas, mas seguiria sua ruiva favorita aonde quer que ela o levasse.
— É a primeira vez que faço essa rota — disse a mulher que conduzia o bimotor. Ela olhou para trás de relance e sorriu para os dois únicos passageiros. — O Sr. Palmer Tycoon é um velho conhecido meu dos tempos da Battle Frontier. Eu não poderia recusar um serviço para o filho dele, mas... vocês têm certeza de que estamos indo para o lugar certo?
— Absoluta. Até já consigo ver a ilha — falou Vivian, apoiando-se em Stan para olhar a janela.
A Ilha Pokémon era o único espaço terrestre que se tinha visão em um raio de quilômetros, encoberta por um manto azulado de calmaria que não se via nem mesmo em Hoenn. Recebera tal nome porque fora descoberta em 1998 e desde então se tornara uma reserva que não permitia a presença de nenhum treinador; poucos pesquisadores tinham acesso e muito menos permissão para prosseguir com os estudos nesse único e excêntrico ecossistema desde que Samuel Carvalho estivera por lá, a ilha se tornara propriedade do governo. Vivian não fazia ideia de que o acesso era restrito, mas desde que recebera a carta do misterioso remetente que assinava pela sigla C acreditava que o destino estava do seu lado.
— Senhorita Skyla, como faremos para descer? — perguntou Vivian.
— Eu estava pensando nisso justamente agora — respondeu a condutora enquanto sobrevoava a região remota. — Não estou vendo nenhuma pista de pouso, mas posso tentar aterrissar na praia. Vocês escolheram um resort bem esquisito para passar as férias, hein?
Stanley estava para mencionar algo, mas sentiu-se muito enjoado para argumentar.
— Faça o que achar melhor, comandante! — respondeu Vivian, batendo continência.
— Fica tranquila, mocinha. Temos 98% de chance de que tudo ocorra bem, dado o tempo e as condições climáticas.
— E os outros 2%? — perguntou Stanley.
— Talvez um Pidgey se assuste com o barulho, voe em nossa direção e colida com o motor — disse Skyla com naturalidade. — Aí o avião explode no ar e todos nós morremos antes mesmo de alcançarmos o chão.
Stanley sentiu ânsia de vomito, mas a condutora foi breve em emendar uma risada calorosa na tentativa de mantê-los tranquilos.
— Eu estava só brincando, garotão! Sou a melhor que há no ramo em Unova, vocês estão mais seguros comigo no ar do que andando até a padaria logo cedo. Vocês podem ser atropelados, assaltados, atacados por um Pokémon descontrolado contaminado com raiva, se tiver azar, vai que uma árvore cai na sua cabeça! Eu não confiaria na sorte.
Stanley agora tremia.
— Tá tudo bem, meu Skittyzinho fofo? — perguntou Vivian enquanto massageava as costas dele.
Stanley ainda não se sentia disposto o bastante para contar a Vivian o motivo de ter se atrasado na noite em que chegara a Johto.
Ela não precisava saber que se escondera no banheiro do aeroporto e quase perdera o voo de propósito. Stanley quis desistir daquela ideia ridícula de ir voando até Johto, devia ter garantido uma passagem de cruzeiro no S.S. Aqua quando teve a chance, pois detestava alturas.
Não podia dizer que tinha medo, só não gostava mesmo, sentia vertigem e um embrulho na barriga quando olhava para baixo e via o chão tão longe de seus pés. Uma lembrança remota que permeava sua mente sempre voltava à tona — seu pai, Palmer, sempre divertido e espirituoso, jogava-o para o alto e agarrava o filho antes de cair. De fato, Stanley se adorava a brincadeira. Até que a mão escapou e de repente o chão já não parecia mais tão longe. E era duro feito pedra.
Quando voava, ainda tinha a sensação de estar balançando no ar e, de repente, seu pai que sempre lhe transmitira confiança e segurança, não era capaz de protegê-lo.
Um trauma bobo de criança, pensou Stanley. Vivian o acharia um idiota por isso.
— Stan, Stan! — Vivian o chamou enquanto empurrava para ele uma mochila escura espaçosa cheia de cintos e retalhos. — Coloca aí, está quase na hora.
— De aterrissar? — perguntou o rapaz.
— Tipo isso. Skyla nos sugeriu começar as férias de um jeito mais radical, então ela ofereceu um par de paraquedas! Não é maneiro?
— Ah — Stanley abriu a boca, mas já parecia tarde para opor à ideia.
Vivian adorava esportes radicais, tinha carteirinha para canoagem, mergulho em mar aberto e skydiving, por isso não requeria instrutores. O vento estava tão forte que eles precisaram vestir óculos apropriados e, depois de se aprontarem com a devida vestimenta, Skyla acenou com o polegar para os passageiros.
A porta lateral do avião se abriu. Vivian segurou na mão de Stanley que só conseguiu pensar que não voltaria vivo para continuar seu progresso na Battle Tower rumo ao 100º andar com seu amigo Luke. Provavelmente morreria ali mesmo, com o coração saindo pela boca e o chão cada vez mais perto. Vivian, por outro lado, exalava ansiedade e sabia que seu namorado nunca estaria preparado para uma atividade como aquela, por isso ajustou suas roupas e as dele para que saltassem juntos, assim não cairiam em locais tão distantes.
— Vai, vai, vai! — gritou Skyla.
Eles saltaram do avião. Stanley fechou os olhos e se deixou levar. A queda pareceu durar uma eternidade, ouvia sua namorada gritar frases soltas como: “Isso é radical demais!”, “abra os olhos, mozão!”, “vai perder essa cena linda?”, e “meu Arceus, o vento tá nos levando pra direção oposta!”
— Stan- Stan- Pok- ados-!!
— Quê?! — o rapaz berrou de olhos fechados. — Não dá pra te ouvir!
— Adoooooo--!!
— Viado?! — ele gritou.
— GYARADOSSSS!
O rapaz abriu os olhos a tempo de ver que a queda os levava na direção oposta da ilha, estavam indo para o meio do oceano. Vivian não contara com uma rajada de vento repentina, e também não se dera conta de que não trouxera nenhum Pokémon aquático para o time. Sua mão se dirigiu ao cinto num gesto automático, mas a pokébola escapou-lhe. Se seus Pokémon não fossem treinados o bastante, eles com certeza não teriam notado a situação extrema em que seus treinadores se encontravam. A esfera do Gyarados de Stanley planou no ar e liberou a enorme serpente marinha, pronta para resgatá-los. Os paraquedas se abriram e os dois foram soprados para o extremo sul da ilha onde pousaram nas costas do Pokémon. Vivian ainda abraçava Stanley com força, o coração disparado e a adrenalina à mil.
— Uau, isso não foi demais?! — disse a garota. Ela não havia percebido que seu namorado estava ajoelhado no chão tentando respirar. — Ai, desculpa, mozão! Eu devia ter perguntado antes se você topava!
— Bom, não é como se você pudesse me despachar naquele avião de volta para Sinnoh... — resmungou Stanley, só então percebendo como sentia falta de casa. — Pelo menos, agora já estamos perto de terra firme. Cadê nossas coisas?
— A comandante disse que ia jogá-las lá de cima!
— Você só pode estar de brincadeira.
Vivian e Stanley olharam para o alto e viram três paraquedas planando lentamente no ar, cada um em uma direção. Vivian reconheceu a sua mala que continha roupas, barracas, sacos de dormir e provisões para um mês vivendo na ilha deserta. Era uma exímia sobrevivente da mata, pois sempre lidara com Pokémon insetos. Sua bagagem caiu no meio das águas fundas a uns trezentos metros dali.
— Mozão, pede pro seu Gyarados pegar pra mim?
Stanley mal teve tempo de dar a ordem ao seu Pokémon, e um segundo Gyarados emergiu das profundezas. Tinha quase o dobro do tamanho do seu, que media pouco mais de seis metros e sete; ele devorou a mala inteira de Vivian com tanta ferocidade que o Gyarados de Stan se sentiu um Magikarp frágil em uma poça d’água.
Ao mergulhar, a serpente marinha causou uma onda tão grande que os varreu para mais perto da ilha. O pobre Gyarados sentiu-se tão pequeno que nem quis mais ficar na água, não poderia enfrentar um leviatã monstruoso feito aquele. Molhados, assustados e completamente sem direção, os dois alcançaram a costa onde deitaram de costas na areia e ficaram observando o céu.
— Minha calcinha da sorte estava lá — falou Vivian.
— Aquela com rendinha azul? Droga, eu gostava daquela — respondeu Stanley.
Vivian sentou-se e começou a tirar a roupa, o que fez seu namorado corar.
— Tá doida? Aqui?
— Que foi? Vai dizer que fica com vergonha em me ver de sutiã? Minhas roupas estavam todas lá e eu é que não vou ficar aqui com as coxas assadas e o pé fedido por estar toda molhada. “Ah, mas se fosse biquíni não teria problema!” Sério, homem é um bicho estranho. E você? Deixou tudo nas malas ou tem alguma coisa importante aí?
O rapaz levou a mão ao bolso e verificou — alguns trocados, halls sabor tutti-frutti com um Cyndaquil incrustado na embalagem e seu celular encharcado, sem dar sinais de que algum dia voltaria a funcionar. Aquela viagem já começara lhes custando caro.
Vivian desesperou-se à procura do seu, escondido onde mais ninguém conseguiria alcançar, e suspirou aliviada ao ver que continuava ligado com 83% da bateria intacta.
— Ufa. Eu não sei o que faria sem ele... Vou ligar pra vovó e dizer que chegamos bem, quer avisar sua família também?
— Nem. Eles devem estar se divertindo sem mim — respondeu Stanley, tirando a água dos sapatos. — Aposto que nem sentiram minha falta nos últimos dias.
— Ai, chega de drama. Somos adultos agora.
Vivian ficou em silêncio com os olhos fixos no aparelho.
— Que foi? — perguntou o loiro.
— Olha.
Stanley observou o fundo de tela dela — uma imagem adorável dos dois juntos se beijando sob o pôr do sol no Hotel Deluxe Heart em Sinnoh, cortesia das últimas férias que passaram uma semana inteira aproveitando do bom e do melhor da estadia em Heartome. Stanley sorriu abobalhado com a imagem quando Vivian interveio:
— TÁ SEM SINAL, CARA! Sabe o que isso significa? Talvez fiquemos presos nessa ilha PELO RESTO DE NOSSAS VIDAS! A GENTE VAI MORRER!
— Vivian, chega de drama, somos adultos agora — respondeu Stan.
— Devolvendo na mesma moeda, hein? Meu ataque disparou no seu Mirror Coat e voltou com o dobro de força.
Os dois riram. O sol brilhava forte e eles se viram sozinhos na praia cercada de diversos Pokémon nativos da região de Kanto. Os Pidgey voavam tão perto que pareciam nunca ter visto outro humano, Stan tomou um susto quando um Doduo saltou de trás de uma rocha e saiu correndo pela costa gritando feito louco.
Vivian levantou-se também para persegui-lo, saiu correndo descalça para sentir a areia branca e fofa nos pés. O ar era ainda mais puro do que Azalea, como nunca vivera em cidades grandes, Vivian preferia o cotidiano e vida tranquila de cidades mais afastadas, mas era a primeira vez em anos que sentiu-se realmente imersa no mundo Pokémon — a natureza pura e bela como era.
— Gente, eu nunca tinha visto o mar assim tão... calmo — falou a garota. — Sinto que se eu andasse bem devagar, poderia passar por cima dele.
Ela foi se aproximando-se com a ponta dos pés na água e pulando conchinhas de Shellder que se aglomeravam nas pedras. Vivian saltou para cima de uma rocha e tomou um tremendo susto quando ela começou a se mover. Por pouco ela não escorregou, estava em cima das costas de um Lapras que dormia tranquilo. Aqueles Pokémon eram extremamente raros no mundo todo, nunca antes sonharia em ver um tão de perto. O Lapras observou a humana intrigado, como se tentasse identificar que tipo de Pokémon curioso ela era. Ele se sacudiu e a derrubou no raso, o que contribuiu para Stanley não parar de rir. O Lapras deslizou pelas águas mais para o fundo onde outros dois de sua espécie emergiram, percorrendo a rota marítima a caminho de sua toca.
Stanley estava com uma Dive Ball nas mãos quando sua namorada o impediu:
— Não! Esses Pokémon desconhecem humanos, eles nem entendem o que é ser capturado. Eu nos trouxe até essa ilha porque quero entender os mistérios da carta que recebi, mas não podemos destruí-la... sinto que ela pertence ao mundo.
Stanley concordou, compreensivo.
— Não precisamos capturar um Pokémon para tê-lo conosco — continuou Vivian, sacando o celular o mais depressa que pôde para fotografar aquele momento. — Pode ser que aqui não tenha sinal, mas alguma lembrança eu quero levar para casa. Vem, Stan! Ninguém vai acreditar quando dissermos o quão perto estávamos desses Lapras!
Vivian tinha espaço de sobra na memória de seu aparelho, ela pensava como as pessoas se viravam antigamente quando as câmeras suportavam pouco mais de sessenta fotografias em um rolo de filmes.
— Cuidado pra não acabar a bateria, hein — alertou Stanley.
— Ah, fica tranquilo, eu trouxe uns portáteis que aguentam seis recargas, tá tudo na mochila de mão. Sorte que não deixei na outra que foi devorada pelo Gyarados. O problema é que agora não tenho troca de roupa, mas ainda podemos procurar a sua mala.
— Lembro de ter visto os dois paraquedas que sobraram sendo soprados pro norte, na direção daquela ponte. Se continuarmos o percurso, antes do entardecer podemos encontrá-la. Minha mochila tem mais algumas provisões, mas, na real, estou mesmo preocupado em como faremos para dormir ao relento...
Stanley sacou sua pokébola e lançou Drinian, seu Torterra. O Pokémon tartaruga parecia maior e mais poderoso do que anos atrás quando participara da Liga Pokémon. Apesar da pata traseira defeituosa, locomovia-se com distinção, sempre tranquilo e sem preocupações. A árvore em suas costas estava tão grande que Stanley prendera uma rede nos galhos dela, tinha espaço de sobra para descansar e construir uma casa móvel. Vivian saltou nas costas da criatura e juntos eles seguiram caminho pelas praias da Ilha Pokémon.
Vivian fotografava tudo que encontrava, desde um Snorlax preguiçoso rodeado de Butterfrees até um Meowth curioso que fazia careta para ela quando via a câmera, intrigado com o estranho brilho refletido pela tela do aparelho.
Os Pokémon nativos chegavam tão perto que alguns deles até pegaram carona nas costas do Torterra — um casal de Pidgey começou a montar ninho na árvore e um filhote de Pikachu saltou à procura de frutas para comer.
— Mozão, olha só para aquela pedra de formato estranho!
Vivian apontou para a formação rochosa coberta de lodo que, dependendo do ângulo em que era vista, formava a imagem de um Kingler.
— Minhas priminhas vão ficar loucas quando virem essas fotos — comentou animada.
Havia uma trilha que percorria a estrada até o pé da montanha, Vivian lembrava-se de ter ouvido que a ilha fora o foco de pesquisa havia quase duas décadas, mas o percurso havia sido abandonado e estava destruído em certas partes, obrigando-os a desviar o curso até que encontrassem onde ele recomeçava.
— Vivi, surgiu uma dúvida aqui... — perguntou Stanley. — Como é que vamos embora?
— A gente liga pro — a garota começou, mas logo se lembrou que não havia sinal. — Eu... na real, não sei. A Skyla disse alguma coisa sobre como iria nos buscar?
— Era uma viagem só de ida. Ela pensava que estávamos indo para um hotel no pacífico.
— Ah, a gente tá ferrado então.
Os dois se entreolharam e, pela primeira vez, sentiram a dimensão do problema em que haviam se metido.
— Stan, te amo — falou Vivian. — Desculpa por te trazer para a sua morte.
— Desculpa nada, eu quero ser recompensado de alguma forma.
— Serve um carinho gostoso e um sexo selvagem?
— Serve.
— Acho que nós dois vamos ficar tanto tempo aqui que daqui uns anos nossas roupas vão se desfazer e teremos que viver pelados, que nem aquele programa da TV.
— Você gosta desse programa mesmo, hein? Tá sempre falando nele — completou Stanley.
— É que eu acho tão engraçado! Imagina só conviver com alguém nu o dia todo e não sentir tesão nem nada? Deve ser bizarro, eu queria experimentar.
— Vivi, desse jeito você vai deixar o Drinian sem graça...
— Ele não liga se nós nos divertirmos um pouquinho aqui em cima, não é, Drinian?
O Pokémon tartaruga sacudiu as costas, indiferente. Vivian deixara suas roupas secando em um galho enquanto perambulava descalça só com as roupas de baixo e um shortinho largo. Ela respirou fundo aquele ar límpido que preenchia seus pulmões e falou:
— Agora sim estou me sentindo selvagem de verdade!
Stanley riu da cena e cochichou para seu Torterra:
— É a mesma garota doida de quando a conhecemos, não é, amigão? Isso já faz tanto tempo, você era só um Turtwig.
“Quem diria que ela viria a ser a mulher de sua vida”, correspondeu Drinian.

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Drinian os guiou pela costa nas horas que se seguiram. Vivian lançara seu Heracross para vasculhar os arredores das florestas à procura de frutas para alimentá-los, dessa forma teriam mantimentos para mais um ou dois dias. Começara a entardecer e eles se aproximavam da montanha onde já era possível avistar uma construção desativada que devia ter feito parte do centro de pesquisas em 98. Enquanto seguiam a trilha enferrujada, Stanley avistou um pedaço rasgado de paraquedas e reconheceu que sua bagagem devia estar próxima. Localizou o malão caído em uma lagoa, mas tudo dentro continuava intacto. Inclusive, junto dele estava seu violão, que com certeza teria deixado em casa se soubesse dos apuros que poderiam passar naquela ilha.
Eles pararam ao avistar a entrada de um túnel, o teto era preenchido por muitos Kakunas, o som de asas de Zubat incomodava, era impossível dizer o que mais se escondia ali, dormir do lado de fora seria mais seguro do que em seu interior. Adentrar um local escuro e sombrio no anoitecer não parecia ser uma ideia sensata, por isso os dois montaram uma pequena fogueira na entrada — Drinian não gostava que acendessem fogo em suas costas, e seu treinador respeitava isso, o que os obrigou a descer e montar o acampamento.
Os dois descansavam ao redor da fogueira, Stanley cobrira sua garota com uma jaqueta já que começara a esfriar um pouco. Vivian nem se certificara de pedir que Primia mantivesse a vigilância, pois se sentia muito segura; os Pokémon que se aproximavam apenas queriam um lugar para se aquecer, a ruiva chegou a se surpreender com um Eevee selvagem que se acomodou em seu colo e adormeceu.
— Stan. — Vivian o chamou com a voz séria de repente. — Preciso te perguntar uma coisa.
“Fodeu”, ele pensou. Iam brigar. Algo terrível estava para acontecer, aquela frase nunca era acompanhada de nada bom e as pessoas que começavam uma conversa daquela forma eram cruéis e sádicas. Vivian o encarou, seu semblante tranquilo como há tempos não via e as bochechas levemente coradas devido ao sol forte que havia tomado o dia inteiro. Então, ela decidiu perguntar, não em tom de maldade ou acusação, mas de quem realmente queria compreender algo:
— Por que você nunca me contou que tem medo de altura?
Stanley suspirou aliviado. Bem que quis ser sincero com ela, mas preferiu dar de ombros e mostrar sua indiferença.
— Sei lá. É só um medo bobo.
Vivian se recusara até então de tirar o Eevee que dormia confortável em seu colo, mas dessa vez precisava. Ela aproximou-se de Stanley e fixou os olhos no dele de forma tão intensa que era impossível encará-la de frente.
— Você só faz isso quando está envergonhado ou quando algo te incomoda. Te conheço bem, mocinho.
— Eu sempre fico sem graça quando você chega perto demais — respondeu Stan, incomodado com a noção de espaço da namorada. — É que você tem olhos tão... tão...intensos. É como se enxergassem a minha alma. Não é que estou com vergonha, eu só não consigo. Às vezes parece que você é demais para mim.
— HAH! — A garota deu um berro que acordou o pobre Eevee. — “Demais pra mim?” Tá doido, é? Você que é filho de um Cérebro da Fronteira e eu que sou “demais”? Pra sua informação, Vivi sempre se sentiu como “a garota do campo esquisita”, lembra da minha reação quando te vi pela primeira vez? Loiro, bonito e com esses olhos cor de mel, você me atraiu para cima de você como uma Combee atrás do mais doce mel, mas que chance teria eu, um insetinho insignificante de Azalea? Sou eu que sempre me senti inferior na sua presença, mas foi justamente a sua simplicidade que me conquistou. Você nunca quis ser tratado como alguém importante você era... Stan. — disse enquanto ajeitava o cabelo dele, sua mão escorregando lentamente até o rosto do rapaz. — Apenas Stan. Meu Stan.
Ele respirou fundo e encostou a cabeça no peito dela.
— Desculpa não ter contado. Fiquei com medo de que você achasse que eu era fresco ou bundão por não querer pegar um avião pra vir te ver.
— Oh, Stan... Achou que eu fosse ficar fazendo chacota? Pô, isso é sério. Se te incomoda, me incomoda. Não me esconda mais nada.
O rapaz concordou, sentia o coração mais leve. Como era difícil para as pessoas entenderem que o medo dos outros nunca era algo simples. Ninguém tinha o direito de medir os pavores de alguém — desde criança, Vivian nunca temera insetos, mas nem por isso caçoava de suas primas que se assustavam com o menor Spinarak que aparecia no sótão de casa. Ela entendia que traumas e situações frustradas acompanhavam cada um mesmo depois de adultos. Stanley compartilhou os detalhes da história de quando seu pai o derrubara, mas Vivian não riu.
Ela esticou os braços para ele e fez sinal para que chegasse mais perto.
— Vem pro colinho da mamãe, vem! — Vivian brincou.
— Isso foi bizarro — respondeu Stanley. — Gostei.
— Eu queria te abraçar agora mais do que nunca. E dizer que tá tudo bem, não tem problema ter medo. Você foi muito corajoso em enfrentar tudo isso só pra me ver, mas da próxima vez me avisa, porque a essa altura podíamos estar no S.S. Aqua em uma cabine de luxo bebendo uísque com energético.
Vivian acomodou-se ao lado dele e os dois ficaram ali, abraçados, contemplando o imenso escuro iluminado por um milhão de estrelas. Ao seu redor, apenas um véu negro os separava de tantos sons desconhecidos que lhes transmitiam serenidade, o barulho das ondas distante era bom e acolhedor. O pequeno Eevee sonolento cambaleou até os pés de Vivian e finalmente encontrou uma posição confortável para dormir. O rapaz tirou o violão e verificou se estava danificado com a queda, mas continuava firme e afinado. De olhos fechados, Vivian murmurou baixinho: “Toca aquela que eu adoro”, e assim ele fez, primeiro uma nota e depois outra, preenchendo a noite com a trilha sonora de suas vidas capaz de afastar toda e qualquer preocupação.
— É engraçado como as coisas funcionam, né? — comentou Stanley, atento ao fogo que crepitava em sua frente. — Porque, perto de você, eu não sinto medo de nada.


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  1. Hum... Safadenhos, querendo fazer "secho servage" nas costas dum Torterra.

    Mas pois é, eles chegaram ao seu destino, mas Vivian perdeu as roupas, eles estão sem sinal e assim vai indo. Ou seja, se fuderam.

    Agora resta ver como as coisas irão proceder e como essa exploração da ilha vai lhes ajudar, mas isso só o futuro dirá... Embora eu devo lhe pedir para que no mínimo você faça eles tomarem banho de lago! Fedor é algo triste!

    E é só! Valeu Canas!

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    1. Essa ilha ainda tem espaço pra rolar muita festa ( ͡° ͜ʖ ͡°), mas como a história é family friendly tem que acontecer tudo por trás das câmeras, se não o Dento pira kkkkkkkkkk Tentei falar um pouco sobre a ilha nesse comecinho e encaixar o maior número de referências ao jogo original, pena que eu imagino que nenhum leitor aqui tenha conhecido Pokémon Snap, é um dos jogos que mais me diverti na minha infância e sinto muita falta da simplicidade de como as coisas eram nele, dava pra zerar em menos quarenta e cinco minutos kkkkkkkk

      Os dois próximos capítulos já estão prontos, acho que agora consigo retomar o cronograma de postagens nas sextas, então eles sairão nos próximos dia 18 de Dezembro e 5 de Janeiro de 2019, pra já começar o ano com o pé direito! E não se preocupe, farei eles tomarem banho de rio com direito a correnteza cruel, redemoinho, reviravoltas malucas e um encontro inusitado haha Valeu pela presença Napo, grande abraço!

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  2. Então, Vivian Chevalier e seu namorado estão presos numa ilha deserta semi-nus e você ainda diz que essa história é family friendly?! Pois teje aprovado.

    Mano, eu amei todas as descrições. O medo de Stanley de altura e a veia aventureira da Vivian faz eles serem um casal bonito. Um complementa o outro, e isso é muito bacana, afinal, não fica forçado. A química entre eles é algo real e me faz torcer muito pelos dois.

    Agora, como diabos eles vão sair dessa ilha mortífera é algo que me pergunto. DEU TUDO ERRADO! Essa história me cativa a cada postagem, e você, novamente, fez um EXCELENTE trabalho na construção desse especial. Ansioso para os próximos!

    See ya!

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    1. Tá aprovada a bagunça? Se o PresiDento liberou ( ͡° ͜ʖ ͡°) kkkkkk Eu estou curtindo muito trabalhar esse casal, porque para mim eles tinham ZERO QUÍMICA nos tempos da história principal. Imagine um casal sozinho numa ilha deserta, acho que eles falariam muita besteira mesmo, quis tentar algo bem natural e que não ficasse naquela coisa artificial, e estou adorando! Me sinto super livre para explorar um tipo de personalidade que não se via na Dawn mesmo ela sendo mais velha e até realçar o Stan, que pra mim sempre foi o "neutrão" dos rivais. Hoje eles têm seus traumas, suas vontades e manias, e acabaram se tornando esse casal bonito que tanto nos agradou.

      A PARADA É TÃO DESCONHECIDA QUE SÓ VAI ACONTECER DESGRAÇA ATÉ O FINAL! Mas acho que é justamente essa a graça, de imaginar os dois como treinadores veteranos se vendo incapazes de sair de um lugar insignificante feito esse. Há coisas que Pokémon em nível alto não resolve, aposto que o Luke também teria ficado preso nela kkkk Estou me dedicando às coisinhas pequenas, a uma conversa gentil aqui e uma descrição mais elaborada ali. Nada muito grandioso, mas é como gosto, são capítulos que deixam o coração quente e minha maior alegria é saber que vocês estão se sentindo assim. Obrigado por todo apoio mano, abraços!

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  3. Cara, só a Vivian mesmo pra fazer o Stanley se lançar com ela de pára-quedas pro meio do nada! O tempo passa, mas ela continua perdendo os parafusos, daqui a pouco a cabeça desgruda do resto do corpo! Bem, cada região com a sua garota louca, é o que dizem kkkkkkkkkkkkkk

    Mano, realmente é como você disse. O capítulo, apesar daquela quase imperceptível aflição de saber que eles estão no meio do nada sem ter como voltar ou entrar em contato com a civilização pedindo um transporte de volta, foi reconfortante. É legal como você tem explorado essa relação da Vivian com o Stanley, eles que eram os rivais dos protagonistas, mas que em algum momento não conseguiram acompanhar a evolução deles. Fazer esses capítulos extras com certeza os ajuda a fechar essas pontas soltas que ficaram faltando, além de desenvolvê-los mais. Se bem que não precisava, até porque eles já tinham conquistado os leitores desde aquela época, mas é sempre bom ver capítulos novos em Sinnoh pra matar a saudade (quem sou eu pra dizer isso, ainda nem terminei a história kkkkk).

    É interessante como você vai preparando o terreno desenvolvendo as relações entre os personagens antes de ir ao foco do especial. Imagino que a partir de agora vamos ver o mistério central começar a dar suas primeiras pistas. Estou ansioso por isso, principalmente para descobrir quem é esse ou essa tal de C...

    Até a próxima! õ/

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    1. Já matei a saudade de trabalhar com a Vivian cara, e isso me faz lembrar porque o pessoal a escolheu como favorita na primeira temporada. Ela é tão espontânea que até eu como autor não preciso pensar muito no que estou escrevendo, parece que os incidentes simplesmente tomam formam na página de um jeito que fica tão divertido! Estou surpreso com a Vivian como protagonista, mas prefiro quando ela tem outros bons personagens para darem suporte, como é o caso do Stanley. No próximo teremos outra figura das antigas que vai dar as caras, ver essa galera toda reunida será no mínimo inusitado kkkk

      Fico feliz de ter transmitido essa sensação de algo reconfortante cara. Sinnoh pra mim sempre transmite uma baita sensação de aconchego, esse é o meu eterno quarto onde recebo amigos e leitores que compartilharam esse período comigo.

      Parando para pensar, o que mais me magoava com a Vivian não era o fato de que eu não tinha dado um devido encerramento para ela, até porque eu já fiz isso no Capítulo 1 desse especial, poderia ter encerrado ali. Mas por que escrevi outros 3 capítulos então? É como você citou, chegou uma hora que os rivais não chegavam nem aos pés do nível do Luke e do Lukas, igualzinho acontece nos games, e eu não poderia encerrar assim a história de personagens que foram tão importantes para os leitores quando Sinnoh ainda estava engatinhando. Esses dois apareceram no Capítulo 6, pô! Mais antigos do que a própria Aliança, porque eles nasceram ainda no Nyah. Eu devia isso a eles.

      E de quebra todo mundo se diverte com um especial para dar umas boas risadas e ficar com o coração quentinho kkkkk Me diverti muito, obrigado por todo apoio que tem me dado para continuar escrevendo esse especial. Com todas as peças espalhadas na mesa, está na hora de descobrir mais mistérios!

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  4. Estou adorando cada vez mais essa ilha! E a Vivian e o Stan sozinhos, estou amando essa interação de adultos e esse sentimento nostálgico! E pobre Torterra, tendo que aturar uns vuco-vuco em cima dele.

    Uma vibe tão da primeira temporada de LOST, temos que pegar nossas provisões, temos que sobreviver, e tudo isso com a maluquinha da Vivian que é simplesmente espetacular!

    Agora eu fico cada vez mais curioso sobre o tal do C e quando os dois vão descobrir sobre a ilha e se o tal do cara tá aí mesmo ou não!

    Espero ansiosamente o próximo capitulo, Senhor Canotas! See You Soon!

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    1. Bom te ver por aqui, Killer! Essa ilha tem mais de Kanto do que tudo que já escrevi, vai ter nostalgia de sobra kkk Trabalhar personagens numa faixa etária maior te dá muitas chances inéditas, e os dois tem uma relação tão descompromissada que fica divertido, é aquele tipo de relação que já passou de anos e o casal começa a arrotar e fazer tanta besteira juntos que nenhum dos dois liga kk Que bom que você é dos tempos da Saga Pérola, que foi o auge da Vivian, então é como retomar esses tempos.

      Se eu continuasse prolongando o especial poderia ter feito um baita survival, mas acabaria pendendo para o lado da comédia, não dá pra tentar nada sério com essa dupla kk O Senhor C vai ficar um pouco mais para frente, mas me certificarei de que seja algo *mind blowing* kk Abração!

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  5. Primeiramente, boa tarde só pra quem tem uma linha de halls própria! AUSDHAUSHDUAS Que honra essa ref!

    De volta às aventuras! Nada como um pequeno mistério pra dar aquele incentivo, umas terras mágicas e inexploradas e uma equipe de heróis para desbravá-las! Reitero que fico muito feliz de ver a Vivian com mais espaço, e mesmo o Stan! Apesar de eles terem participado de várias partes da fic, ainda me vem aquela época boa da Saga Pérola, onde um dos maiores mistérios era o motivo da briga do Luke e do Stanley, ou então aquela expectativa da Vivian e do Lukas serem um casal.

    A parte mais legal é que os dois se juntaram com o tempo e funcionaram tão bem juntos... Anos depois as coisas não são as mesmas do começo de jornada, mas dá pra ver que eles amadureceram juntos – e o próprio relacionamento caminha do mesmo jeito. É legal como você representou essa transformação na própria intimidade deles, como um relacionamento em que os dois se olham e conseguem entender a importância do apoio mútuo. No final das contas Dawn e Luke não deram certo (e tudo bem, pois vejo que ela está muito feliz com a Cynthia!), e Vivian acabou não sendo a prometida do Lukas. Mas, hoje mais que nunca, percebemos que ela combinava muito bem com alguém que estava do lado dela o tempo todo!

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    1. Cara, naquela época eu só tinha uma palavra para definir o Stan: Normal. Ele é o cara normalzão do rolê que nunca tem nada demais, tentei criar um perfil específico para ele com aquelas tretas envolvendo a Clarisse, ou o lado do hacker, mas agora percebo que ele brilha de verdade quando pode contracenar com a Vivian! Às vezes penso que errei em não ter seguido a linha do Barry que é aquele rival explosivo que fala alto e tudo o mais, mas aí eu notei algo... esse aí já é o Luke HAHEHAEU No fim das contas o Stan foi o equilíbrio perfeito para ele!

      É cara, acho que o tempo faz bem para todos! Esses dois amadureceram demais, talvez nem naquela época eu soubesse ainda como escrever casais (tanto que o Luke e a Dawn terminaram, se foderam kkkkkkk), e de repente Vivian e Stanley voltam para meus holofotes como meu casal favorito. Caramba, parando pra pensar quantas voltas e shipps malucos nós tivemos aqui, não? Lukas teve a Vivian no começo, depois a Marley, Paula, mas o que mais adoro é que eles tenham continuado amigos mesmo depois de tudo. Escrever AnD foi uma verdadeira descoberta e um dos trabalhos mais gratificantes que escrevi em anos!

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