Archive for July 2022
The Post-Game 4
Era a primeira vez que
Amy viajava até Sinnoh, e em outros tempos gostaria de ter feito isso para
desfrutar das paisagens, visitar os resorts com vista para o mar
e ostentar nos cassinos e hotéis mais luxuosos da região. Precisou se
controlar, pois hoje estaria ali a trabalho.
Estava esperando que
fizesse frio para comer um delicioso fondue
de chocolate em Snowpoint antes de voltar, mas ninguém lhe dissera que o verão
em Sinnoh fazia tanto calor. Seus longos cabelos balançavam ao toque do vento,
e ao invés de optar por uma infiltração sigilosa, fez questão de garantir uma
passagem em um cruzeiro que logo iria atracar na Battle Zone na ilha a nordeste de Sinnoh.
Com seu chapéu verde
camuflado, óculos de sol e blusão largo por cima do vestido, a intenção era
justamente passar despercebida e conseguir estudar o paradeiro dos
remanescentes dos Rockets antes que mais alguém soubesse que estavam retomando
as atividades. Sentia-se responsável pelos atos daqueles imbecis desde que
assumira o controle da facção após a morte de seu pai, Giovanni, havia tantos
anos. Apesar da clara ordem de suspender toda e qualquer atividade ilegal,
havia quem não compactuasse com seus planos e não considerasse a liderança de
Amanda Green eficaz. Mas Amy não era tão complacente quanto seu pai com quem
não obedecia suas ordens.
E falando em ordens,
havia um namorado carente a esperando em Johto que ansiava por qualquer sinal
de vida desde sua partida.
— Ei. Desculpinha por sair
sem avisar no meio da madrugada. Ainda sou horrível com despedidas — disse Amy
enquanto fazia uma chamada de vídeo através de seu PokéGear.
“Não esquenta. Já te conheço bem. Amanda Green sempre faz o que quer”,
disse a voz de Ethan do outro lado. Ele vestia um avental de margaridas com uma
espátula na mão e um extintor de incêndio na outra. Seu Typhlosion vistoriava
tudo da sala, só por precaução.
— Eu percebi mesmo que minha
mochila estava pronta. E você até se deu ao trabalho de preparar uma marmitinha
para a viagem, que fofo da sua parte. Fala sério, eu tenho ou não tenho o
melhor namorado do mundo?
Ethan corou do outro lado da
linha com o elogio, mas estava focado demais em fazer a panela de pressão não
explodir.
— Tá se alimentando direito?
Eu não quero voltar pra casa e encontrar um corpo desnutrido e desidratado na
cama porque você não sabe fritar um ovo direito.
“Eu sei fazer pão na chapa. Por sinal, estou fazendo isso agor-- AI, MEU
DEDO!”
— Amor, estou começando a
pensar em abortar essa missão... Quer que eu volte pra casa?
“De forma alguma! Você precisa ir resolver os problemas que os Rockets
continuam causando. Nós ficamos devendo isso pro Proton e a filha dele.”
— Tô só brincando. Eu não ia
voltar mesmo — disse Amy com uma risada.
A treinadora encarou a
imagenzinha em seu celular por algum tempo, rindo da maneira como Ethan tentava
dar o seu melhor em se virar e cuidar da casa durante a ausência da namorada.
Amy jamais diria aquilo em voz alta, mas poderia ficar observando-o de longe o
dia inteiro, e até encontrava certo charme nele ser um palerma que se esforçava
tanto para fazer as coisas darem certo. Tudo por ela.
—
O que está pensando em fazer amanhã além de ser um fracasso? —
indagou Amy.
“Muito engraçado. Não piore minha autoestima”, disse Ethan com
sarcasmo. “É difícil ficar sem você... Eu preciso fazer alguma coisa,
estou ficando doido!”
— Você já explorou cada canto
de Johto, o que tem para de descobrir? Céus, New Bark parece mesmo um vilarejo
do interior depois que viajamos até outros continentes, aí só tem caipira!
“Poxa, não fala mal da terrinha...”
— Tá bem, tá bem. Eu amo New
Bark. Posso ter nascido em Kanto, mas meu coração está em Johto, porque você
está aí — Amy começou a tagarelar enquanto ia mostrando a paisagem do navio. —
Ei. Eu estava lembrando aquela vez que
você me beijou no Lago da Fúria... ou melhor, eu estava desacordada. Nós dois
sabemos que você só se aproveitou de uma dama indefesa e fez o que bem
entendeu.
“E-era uma respiração boca a boca,
tá legal? Ouch! Calma aí que tropecei no Sand estirado no tapete.”
— Acho melhor eu voltar pra
casa antes que você e o Tai coloquem fogo em tudo. Quer apostar que termino o
serviço até o fim de semana? — Amy olhou para o mar e ajeitou uma mecha no
cabelo. — Mesmo que esteja fazendo calor, os ventos que sopram aqui são bem
gélidos, parece até a Jynx tentando me matar congelada de novo. Ah... E quando tivermos a chance, quero voltar com você.
“Eu vou adorar. E sabe que você está
bem sexy vestida assim? Estou doido para te encontrar e arrancar peça por peça
de você.”
— Eu quebro seu nariz — disse Amy com uma risada calorosa. —
Vou desligar agora porque já estamos quase na costa. Se cuida, seu boçal. Te
amo. Beijo-beijo.
Dava para enxergar a
gigantesca Battle Tower muito longe
na costa, erguendo-se majestosa em meio ao mar infindo como um pináculo de
poder. A Fight Area recebia inúmeros
treinadores estrangeiros que se preparavam para o desafio dos cem andares, mas
Amy tinha outro objetivo. O primeiro passo era investigar e descobrir qualquer
avanço suspeito na região nos últimos meses sem levantar suspeitas da polícia.
— Vamos começar estudando o
cenário. Pidgeot, é hora da carona.
Amy lançou a pokébola de seu
Pokémon pássaro que se materializou e esticou as asas para demonstrar
inquietação. Sua Pidgeot era uma das maiores já registradas, capaz de carregar
até três treinadores em suas costas e atravessar um continente.
As penas do Pokémon reluziam ao sol, com a crina multicolorida brilhando como
um arco-íris.
Amy subiu em suas costas e
sobrevoou a região, encantada com o quão bela Sinnoh era. O Monte Coronet
erguia-se no centro por onde uma nuvem densa pairava, mais ao norte podia ver
focos de neve em Snowpoint e ao sul toda a beleza das praias maravilhosas de
Sunyshore.
O vento soprava forte e o sol
esquentava a cabeça. A Pidgeot praticamente planava sobre as nuvens, sempre
rumando ao norte. Ela tinha tamanho domínio do céu que sua treinadora podia se
dar ao luxo de estudar a topografia da região e fazer possíveis anotações em um
caderno sem se preocupar em dirigi-la.
Tudo seguia na mais perfeita
calma quando Amy escutou o som de sirenes. Segurou o chapéu e olhou para trás,
notando que havia uma pequena cabine automática com hélices barulhentas que
mais se parecia com um mini-helicóptero aproximando-se. Ela revirou os olhos e
aguardou. Quando a cabine foi aberta havia um homem uniformizado ali dentro,
vestindo óculos escuros e chapéu da Guarda Florestal. Empoleirado em seu ombro
havia um Chatot de olhos esbugalhados e bico torto. O policial retirou os
óculos e balançou a cabeça lentamente.
— Bonito, hein.
— Escuta, Seu Policial, eu
nem estava acima da velocidade, todos os meus documentos estão em ordem, pode
verificar. Sou nova na região, então me perdoe se eu estiver infringindo alguma
lei que eu desconheça, e--
Amy começou a inventar tantas
desculpas que o próprio policial ergueu a mão e pediu que ela parasse.
— Fica tranquila, moça. Só
estou falando que esse seu Pidgeot aí... é mesmo uma nAve, sacou? Esse é o
maior que eu já vi em toda minha vida. Precisei até parar pra perguntar — disse
o homem em tom de surpresa. — Primeira Geração?
— Ah, você gostou? É sim, uma
Kantoniana clássica, 6 IVs e focada em velocidade. Foi um dos meus primeiros
Pokémon da vida. Cuido dela desde garotinha.
— Eu sou fissurado em Pokémon
voadores. Quando menino até me inscrevi para me tornar líder de ginásio do tipo
aqui na região, mas não consegui passar da segunda fase. Vou te contar, eu
tenho um Staraptor, Quarta Geração, 3 IVs que já é uma mão na roda, mas ele não
chega aos pés dessa belezinha aqui.
— Ela é linda mesmo, não é? —
disse Amy enquanto afagava as penas de seu estimado Pokémon e falava com a voz
mais fina. — Quem é a diva da mamãe, hein? Quem é?
— Mamãe-mamãe! Kraaaaw! — repetiu Chatot.
Amy olhou feio em direção do
Chatot que até se encolheu no ombro de seu dono.
— Então a senhorita vem de
Kanto — ponderou o policial com a prancheta em mãos, em pleno voo. — O que veio
fazer por essas terras gélidas bem durante o verão? Pretende participar da Battle Tower com essa superpotência?
— Ah, só estou atrás de
algumas experiências novas. Sabe de algum bom lugar pra treinar?
— Sim, eu recomendaria a Stark Mountain em outros tempos, mas no
momento a área está com acesso bloqueado. Ouvi dizer que a Polícia Internacional
foi acionada, eles farão uma operação até o anoitecer, acredita?
— Jura? — Amy se fez de
desentendida. — Ah, então é melhor eu ficar longe mesmo! Imagine só se eu acabo
trombando com algum desses ladrões de Pokémon? Eu iria detestar que levassem minha
pobre Pidgeot!
— Isso seria uma tragédia! —
espantou-se o policial. — Nunca se sabe quando um ladrão pode estar disfarçado
bem na nossa frente, né? Enfim, vou ter que pedir que tome cuidado ao sobrevoar
essa área. A fumaça do vulcão pode ofuscar seu campo de visão, mesmo para um
foguete experiente como sua Pidgeot.
— Pode deixar, Seu Policial!
— Mamãe-mamãe! — gritou o Chatot em despedida, e só pelo olhar Amy
deixou bem claro que se aquele papagaio dissesse mais alguma coisa ela o
ensinaria uma palavrinha nova que iria bani-lo de todas as competições globais
por uma década.
Assim que o policial deu as
costas com seu veículo motorizado barulhento, Amy deu um rasante com sua
Pidgeot que mergulhou tão depressa abaixo das nuvens que ninguém pôde
enxergá-la. Por obra do acaso ou descuido das autoridades, ela agora sabia que
a P.I. estava com uma operação não-tão-secreta marcada na famigerada Stark Mountain. Sua investigação
começaria por ali.
Ela desceu nas proximidades
da floresta, preferindo buscar alguma passagem na base da montanha. Por se
tratar de um local tão famoso era de se esperar que houvesse mais treinadores
na região, mas no momento não havia ninguém.
Ao descer da Pidgeot, ela
esticou a mão para frente ao perceber que pequenos floquinhos pareciam pairar
pelo céu. Seu chapéu já estava sujo nas bordas. Ela pegou a fuligem preta e a
amassou com a ponta dos dedos.
— Cinzas vulcânicas —
murmurou ela.
Para estudar o solo, lançou a pokébola de um Pokémon que vivia bem em regiões montanhas. Sorrateira,
sua Sneasel, não estava nem um pouco contente por dar as caras em um lugar tão
abafado e fedido que não se lembrava em nada com sua morada, mas cumpriria sua
parte do trabalho e logo voltaria a descansar.
A Sneasel farejou o ar. Só
podia ser enxofre, e com toda certeza a origem do cheiro a levaria ao centro do
vulcão. Amy precisou se apressar para acompanhar a Sneasel que não se
incomodava em olhar para trás. Sua treinadora conhecia tão bem seus Pokémon que
só precisava se dar ao trabalho de dar-lhes a instrução uma única vez.
— O que encontrou,
Sorrateira?
A Sneasel estava parada
diante do que parecia uma zona de descarte e resíduos, com pedaços de vidro e
material orgânico utilizado em pesquisa. Aquilo era um sinal mais do que óbvio
de que havia atividade humana nas redondezas.
E eles não deviam estar tão
distantes.
Em pouco mais de uma hora a
Sneasel localizou uma passagem discreta nas raízes da montanha, perto do que
pareciam ser termas aquecidas por vapor. Amy aproximou-se só para verificar com
a pontinha do dedo a temperatura da água que estava ideal. Sentiu vontade de
despir-se ali mesmo e passar algumas horas relaxando naquela banheira natural,
mas já entardecia e a Polícia Internacional daria início a sua operação.
Ao adentrar a passagem, o ar
começou a ficar cada vez mais quente e abafado. O local era todo iluminado por
um sistema elétrico antiquado, o que indicava ao menos que alguém o vinha
frequentando. Devia funcionar como uma saída de emergências, pois era um longo
corredor que serpenteava cada vez mais fundo nos confins da montanha.
— Parece um laboratório velho
— comentou Amy. — Isso aqui está cheirando a Rockets.
Amy não avistou uma alma viva
nos poucos minutos que se infiltrou na base. Sua Sneasel caminhava à frente
pronta para atacar caso necessário. A treinadora saiu investigando qualquer
pista que pudesse expô-los, mas só encontrou pesquisas e livros acadêmicos. Em
um dos armários havia uma série de uniformes cinza com detalhes preto
estampando um logotipo em forma G que ela nunca ouvira falar.
Amy e seu Pokémon se
entreolharam. Sua Sneasel estava claramente a julgando.
— Não olhe assim pra mim. Uma
vez ladra, sempre ladra.
Amy vestiu o uniforme cafona
e tirou um minuto para se olhar num espelho trincado no canto da sala. Deu uma
bela olhada em sua traseira, preocupando-se que tudo estivesse devidamente em
ordem. A roupa era um pouco cavada, com um tipo de collant apertado que ia por
baixo usando botas e calças listradas.
— Por Arceus, como é que
alguém em sã consciência sai na rua com um uniforme desses? Não é à toa que os
Rockets ganhavam todo ano no festival de moda com o Melhor Uniforme.
No fim do corredor escutou
vozes se aproximando. Os pesquisadores deviam estar começando a voltar ao
serviço.
Amy esgueirou-se nas sombras
com profissionalismo, pois desde pequena adquirira experiência para passar a
perna mesmo nas equipes criminosas mais perigosas do mundo. Escondeu-se embaixo
de uma mesa e parou para escutar. Quando olhou de relance, um rapaz e uma moça
chegaram e sentaram-se em frente aos seus computadores, conversando sobre algo
extremamente importante do qual Amy não compreendia.
— Star, você acha que devo
arriscar?
— Não sei, Cosmo. Quantas
gemas você conseguiu juntar esse mês?
— Umas 200, mas não sei se
isso é o suficiente para eu conseguir a personagem que quero. São só 3% de
chance, se eu gastar 155 gemas então posso ter um garantido, mas não vai sobrar
nada para tentar as waifus de biquíni
no fim do mês.
— Vai ter algum husbando bonitão?
— Sempre tem. Se der sorte,
eu pego os dois.
Cosmo estava pronto para
arriscar a sorte. Rezou para todos os deuses que conhecia e prometeu ser um
capanga melhor para sua facção caso obtivesse êxito, e na décima sétima
tentativa, a tela brilhou anunciando que um personagem Ultra Raro estava a
caminho.
— Glória a Arceus! — berrou Cosmo com as mãos
ao alto.
Antes mesmo que pudesse
comemorar a maior conquista de sua vida, sentiu as garras de uma Sneasel ao
redor de seu pescoço. Do outro lado, sua companheira também havia sido
imobilizada pela ladra.
— Quem são vocês? — Amy
perguntou agressiva. — Para quem estão trabalhando? Que tipo de pesquisa fazem
aqui? — Após um breve intervalo de interrogações, ela os pressionou: — Vocês
não estão trabalhando para os Rockets, estão?
— Rockets? Claro que não.
Somos Team Galactic com orgulho —
respondeu Cosmo.
— Ou pelo menos o que sobrou
deles — concordou Star.
— Galactic? Nunca ouvi falar —
mentiu Amy. De fato não os conhecia pessoalmente, mas lembrava-se do breve
relato de Proton sobre sua operação. — O que fazem debaixo dessa montanha como
se estivessem atuando no sigilo?
— Nós pesquisamos Pokémon.
Estamos estudando clonagem.
— Eu sabia! — afirmou Amy. —
Então há de fato algum Rocket envolvido nisso.
— Nós não suportamos esses
caras — contou Cosmo. — São todos um bando de egocêntricos que só visam roubar
e não hesitam em ferir os outros para atingir seus métodos. Sim, temos um ou
outro atuando aqui conosco. E seríamos muito gratos se pudesse dar um fim nos
que restaram.
— Estamos começando a falar a
mesma língua — disse Amy com interesse.
Cosmo e Star não hesitaram ao
contar “quase” todos os detalhes que sabiam sobre as pesquisas do Profº Charon
na Stark Mountain. Contaram sobre os
eventos da Grande Criação que precedeu uma investida da polícia e os membros da Liga que liquidaram de
vez a presença dos Rocket no continente. Amy, por motivos óbvios, não contou a
eles que era a mandante da facção, mas também ela não tinha culpa se Archer e
outros ex-executivos agiram por suas costas para reerguer os planos de Giovanni
longe de Kanto.
“O Proton não tinha me
explicado a história toda... parece que eles fizeram um estrago em Sinnoh
também”, pensou Amy. “Me sinto responsável por isso. Está na hora de colocar um
fim de uma vez por todas na Equipe Rocket e seu legado de terror.”
— Como posso encontrar os
membros que sobraram? — indagou Amy.
— Um dos representantes deles
está aqui. Posso guiá-la se quiser.
Cosmo a guiou através dos
corredores que se dividia em inúmeras passagens, Amy atingiu a sorte das
grandes por contar com aquela escolta. Quando alcançaram seu objetivo, ele fez
sinal de silêncio e apontou para dentro de uma salinha escura antes de se
retirar.
Amy confiava que seus Pokémon
poderiam resolver qualquer problema. Sneasel estava de garras expostas, e seu
Primeape pronto para nocautear quem ousasse escapar. Não sabia com qual dos
ex-executivos estava lidando, e cogitou até mesmo que alguns deles tivesse
voltado do mundo dos mortos para assombrá-la.
Uma moça de cabelos negros e
jaleco branco estava sentada de costas para a porta, um sinal de claro desleixo
tendo em vista que uma das regras primordiais dos Rockets era sempre sentar-se
onde se tem visão da saída para uma eventual fuga quando necessário. De fato, a
garota usava um par de fones de ouvido e balançava a cabeça alegremente,
absorvida pelas anotações que fazia num papel florido com canetas coloridas.
A Sneasel tocou a ponta de
sua garra nas costas dela. A garota soltou um suspiro, largou a caneta e ergueu
as mãos num sinal de rendição.
— Não grite — ordenou Amy.
— Não se preocupe. Já passei
por tanta coisa essa semana que estou me acostumando — respondeu Dawn, girando
na cadeira bem devagar para encarar quem quer que estivesse ali.
— Você é a mandante dos
Rockets por aqui? Por que está retomando as pesquisas de clonagem? — Amy a
pressionou apreensiva.
— Quem, eu? — indagou Dawn,
surpresa. — Não estou ajudando Rocket nenhum, estou só compartilhando meu
conhecimento para ajudar.
— É o que todos cientistas
dizem antes de inventar alguma engenhoca que vai colocar em risco o mundo
inteiro — retrucou Amy.
— Desculpe? Que tipo de
preconceito é esse para cima dos cientistas? — Dawn revidou, profundamente
ofendida. — Pois saiba que nós, pesquisadores, precisamos nos arriscar para que
novas descobertas possam chegar à população. Eu estou cansada desse retrato
estereotipado de que o cientista é sempre o lunático, só porque mexemos com
coisas que a maioria não entende. É só reparar que em toda história o arquétipo
do cientista é usado como um disfarce para um vilão nessa eterna busca por
conhecimento, visando despertar uma entidade adormecida ou quem sabe até--
Amy cansou-se daquela
conversa e ordenou que sua Sneasel nocauteasse a garota com um golpe na nuca.
Dawn apagou na mesma hora, caindo no chão desacordada. Se ela fosse mesmo a
responsável pela ascensão dos Rockets em Sinnoh, precisaria de seus contatos e
influência para entender o que eles estavam planejando.
— Você fala demais, garota —
murmurou Amy impaciente, tentando carregá-la.
Quando estava para deixar a
sala de pesquisas, a saída havia sido bloqueada. Em frente à porta havia uma
mulher de cabelos vermelhos, olheiras e o velho uniforme dos Galactic com seu
emblema estampado no peito. Ela estava magra e fraca, mas havia uma ferocidade
no olhar que apontava que era melhor não mexerem com ela.
— Eu não sei quem você é, mas
é melhor não interromper nossos planos — disse a Comandante Mars.
— Você não vai querer arrumar
encrenca comigo — respondeu Amy.
A primeira investida veio por
parte de Mars que arremessou sua pokébola que liberou uma Purugly balofa, tão
resistente quanto um tanque. Do lado de Amy seu Primeape entrou no ringue
pronto para esmurrar.
— Close Combat! — ordenou a treinadora.
O Pokémon primata esmurrou a
Purugly que tentava aguentar firme mesmo em clara desvantagem. Quanto mais o
Primeape se irritava, mais poderoso ele se tornava. Saltitava de um lado para o
outro dando jabs e socos direto no felino que se concentrava em defender até
que chegassem reforços. Amy não poderia perder tempo com aquela baboseira, ou
acabaria ficando encurralada.
— Não vou permitir que você
leve essa menina. Ela é da família — contou Mars.
— Sei bem como é. Sempre
protegemos os nossos — respondeu Amy, confiante. — E como a representante legal
por todas as merdas que os Rockets continuam causando, eu preciso acabar logo
com isso.
O Primeape finalizou seu
oponente com um cruzado que fez o Purugly ver estrelas. Mars não estava em
condições físicas ou psicológicas de vencer uma batalha. Dawn começou a se
mexer ainda atordoada pela concussão, mas agora dava sinais de recobrar sua
consciência.
— Tia... Martha...? O que
você está... fazendo?
— Martha? Você só pode estar
de brincadeira — indagou Amy, encarando a Comandante Mars. — Nós não vamos
parar essa luta só porque alguém disse “Salve a Martha”, ou vamos?
A Comandante retornou seu
Pokémon, mas ponderou com cuidado sobre suas palavras. Tentou interligar os
fatos, e só conseguiu chegar a uma conclusão.
— Foi o meu marido que a
mandou aqui, não foi? — indagou Mars.
— Se você for a esposa de um
cara charmoso que atende pelo codinome Proton, então sim.
— Quero que diga a ele para
não tentar mais me impedir — vociferou Mars com irritação. — Eu já tomei a
minha decisão! Vou trazer o nosso filho de volta, mesmo que isso custe a minha
vida. E-eu preciso fazer isso... por ele...
— Ei, ei. Vai com calma —
falou Amy, procurando uma abordagem mais amena. — Eu não vim aqui para
julgá-la. Vim por dois motivos: primeiro, limpar a sujeira dos outros antes que
sobre para mim; e segundo, você tem uma filhinha linda te esperando em casa.
Não abra mão do seu mundo inteiro só porque perdeu parte dele.
A expressão de Mars mudou da
água para o vinho. Em seu olhar havia o semblante de uma mulher doce que
descobrira a maternidade havia pouco tempo, mas também manchada pelas
cicatrizes e doses que vinham no conjunto. Mars amava Eletra, sua filha mais
velha, e queria vê-la crescer e quem sabe um dia tocar sua própria facção
criminosa. Tal ideia a fez rir com os olhos marejados. Por um instante
sentiu-se muito egoísta em abrir mão dela e do marido que tanto a amava.
— O que eles disseram sobre
mim...? — indagou Mars.
— Os dois só querem que você
volte para casa. Eles precisam de você como mãe e esposa — respondeu Amy.
— Mas como eu poderia
encará-los ao voltar de mãos abanando?
Amy desviou o olhar, buscando
fundo em seu próprio coração para dizer aquelas palavras:
— Eu cresci sem pai. É
difícil ser cuidado por um lado só, a balança sempre acaba pendendo. Ele vivia
procurando uma forma de voltar para casa e trazer alguma coisa para mim para
compensar, fosse um presente que ele achava que eu queria ou rios de dinheiro.
Às vezes ele só queria manter as contas pagas. Mas ele nunca percebeu que o que
eu mais precisava era ter um pai presente em casa. Eu teria pago para ele pra
ficar, se fosse rica como ele era. Eu teria comprado todo o tempo do mundo ao
lado dele...
— Mas tempo não se compra. E
disso Dialga sabe muito bem — respondeu Mars de maneira mansa.
Quando as duas finalmente
estavam começando a se entender, o alarme do laboratório disparou com seu som
ensurdecedor. “Alerta vermelho! Alerta
vermelho! Intruso detectado!”.
— Parece que fui descoberta. —
Amy deu de ombros, fingindo surpresa. — Até que demoraram.
— Não foi você — contou Mars.
— Tem mais alguém aqui.
A Comandante saiu às pressas,
pois não queria que ninguém soubesse que ela compactuava com os planos do Team Galactic e aquilo voltasse a
colocar a segurança de sua família em risco. Amy agachou para verificar as
condições de Dawn, mas a garota ainda estava desnorteada e não conseguiria
andar, o que dificultaria sua fuga.
Amy olhou para o fim do
corredor esfumaçado, iluminado por luzes vermelhas oscilantes conforme o alarme
gritava. Sacou uma pokébola da bolsa e aguardou o confronto.
Do outro lado do corredor,
duas sombras se ergueram como se envolvidas por uma dança. Um majestoso
Dusknoir adentrou o local de braços cruzados ao lado de uma Froslass que fazia
sua entrada triunfal como sua primeira dama. Conforme avançavam, o chão por
onde os Pokémon fantasma flutuavam congelava assim como as paredes ao redor,
transformando o corredor espremido em um caixão de gelo dentro de um vulcão
adormecido.
Atrás deles veio um garoto
ordinário, sempre de cabeça e queixo erguido com sua boina púrpura, jaqueta
azul e seu clássico cachecol branco. O gelo controlara a temperatura de tal
forma que ele nem precisou se dar ao trabalho de trocar de roupa, como se a
própria natureza tivesse de se curvar perante sua vontade.
— Opa. Foi mal por atrapalhar
seus planos. Só sei entrar pela porta da frente — disse Luke Wallers.
O que mais o surpreendia era
que alguém ainda tivesse coragem e ousadia o bastante para combatê-lo. Os anos
podiam tê-lo tornado mais humilde e contido, mas ainda havia traços da soberba
de alguém que se consagrou campeão em sua juventude. Luke não se deu ao
trabalho de pensar demais e ligar os fatos. Ali estava uma mulher desconhecida
com o uniforme da extinta facção dos Galactic, pronta para enfrentá-lo. Ao seu
lado, o corpo estirado da garota por quem cruzaria um continente para salvar.
Luke e Amy se encararam sem
dizer palavra alguma. No cinto da calça, uma Dusk Ball estava à mostra como se fosse sua principal arma, seu
dedo indicador pousando a poucos centímetros do gatilho.
— Solta a garota — ordenou
Luke.
Mas Amy não gostava de
receber ordens. Ela sorriu com afronta.
— Vem me obrigar.
A Dusk Ball zuniu. Um flash dominou o corredor antes que tudo mergulhasse num breu, como se tivesse roubado a própria escuridão. Por entre a fumaça e luzes oscilantes da sirene, um par de olhos amarelos surgiu e deu espaço a um enorme dragão bípede com suas lâminas no lugar de garras prontas para dilacerar. O Garchomp vociferou como forma de intimidação e aguardou as ordens ao lado de seu mestre.
The Post-Game 3
Dawn despertou em um local quente e abafado que não
lhe lembrava em nada o aconchego de seu quarto na Resort Area. Àquela hora da manhã estava acostumada a se deparar
com Cynthia andando pela casa vestindo apenas seu roupão de veludo cor de
vinho, segurando um copo de café na mão e esbanjando toda sua sensualidade como
quem tem plena consciência de que é a mulher mais sexy do mundo.
A garota sentou-se ao pé da cama e olhou ao redor,
procurando situar-se. Os lençóis brancos haviam sido substituídos por um trapo
velho e encardido, e o rizzotto feito na janta de noite passada fora trocado
por um copo de água morna e papéis em branco na escrivaninha ao lado.
Sua cabeça latejava, como se tivesse dormido por
tempo demais após uma madrugada de festa onde ninguém se divertiu. Quis saber
que horas eram, mas nenhum feixe de luz entrava, pois não havia janelas no
aposento.
Aos poucos a memória do sequestro lhe veio à tona, o
olfato ainda afetado lhe dava náuseas. Sentiu-se como um Rattata de laboratório
prestes a sofrer experimentos bizarros.
A porta abriu rangendo, e dela veio uma garota de
cabelos esverdeados com uma Glameow ao seu lado carregando uma bandeja de
comida.
— Bom dia — cumprimentou a moça.
— Err... oi — murmurou Dawn.
— Este é o seu almoço. Por favor,
sirva-se — ofereceu ela. O prato de comida continha um pouco de arroz, feijão,
ervilhas e metade de um bife, mas parecia apetitoso. — Espero que esteja
recuperada. O Professor Charon a aguarda em sua sala para a reunião dentro de
vinte minutos.
Dawn vestiu as roupas limpas deixadas no
armário, um uniforme cinza listrado que lhe pareceu estranhamente familiar, mas
não soube vasculhar suas memórias para descobrir de onde era. Como não havia
alternativa, decidiu dirigir-se para a reunião com o tal professor. A princípio
imaginou que fosse algum tipo de prisioneira, mas não havia grades nas portas
nem vigilantes na entrada, ela tinha o direito de ir e vir aonde quisesse, só
precisava descobrir onde estava, pois a temperatura tão elevada não era
habitual de Sinnoh.
A moça seguiu pelos corredores
cavernosos do esconderijo até seu senso de descoberta a levar a querer ir além.
Ao alcançar a sala principal do que parecia ser um laboratório de baixo
orçamento, Dawn se deparou com um velho calvo de costas encurvadas que
examinava um tubo de erlenmeyer ao lado de outros dois pesquisadores com seus
Pokémon, uma Glameow e um Stunky. Dawn bateu à porta que já estava aberta e
pediu licença.
— Oh, você acordou — disse o velho. —
Finalmente. Rápido, rápido, preciso que sua cabeça seja colocada para funcionar
o quanto antes.
— Será que vocês poderiam me explicar
primeiro o que estou fazendo aqui? — perguntou a garota.
— Claro. Antes de mais nada, sua
namorada e filha adotiva passam bem. São elas que devem estar preocupadas com
você, afinal, nós a sequestramos — o velho ajeitou os óculos, falando como se
aquilo fosse parte de sua rotina. — Por que essa cara? Você já deve estar
acostumada a ser a garota indefesa do grupo. Li tudo nos seus arquivos. Dawn
Manson. Vinte e dois anos. Natural de Sandgem, mas viveu grande parte da
infância na Ilha de Dewford ao lado dos pais. Ocupação: pesquisadora. Tipo sanguíneo O...
— Como você sabe tudo isso?
— Eu acessei aqui nesse blog. Enfim, por
que não poupamos as apresentações e vamos direto ao assunto?
— Vai me dizer que não está acostumada a
falar com estranhos? — perguntou um dos pesquisadores. Ao seu lado o Stunky
também vestia um jaleco e parecia todo chique. — Pensei que fôssemos velhos
conhecidos seus.
— Ela não deve ter nos reconhecido,
Cosmo. Já faz uns booooons anos, deve ter sido a nossa única participação nessa
história.
O velho estendeu os braços para seu
laboratório caindo aos pedaços, como se quisesse realçar toda a grandiosidade
do seu buraco escuro e desagradável.
— Isso é o que restou da Team Galactic!
Eu sou o Professor Charon, cientista chefe do setor de clonagem e responsável
geral pelo que sobrou dessa geringonça. Seja bem vinda ao seu novo ambiente de
trabalho, estagiária.
A garota revirou os olhos. Galactics outra
vez, e assim sucessivamente rumo ao infinito.
— Eu mereço... Por que vocês vilões não
tentam algo diferente pra variar de vez em quando? Aposto que estão tentando
conquistar o mundo. É sempre a mesma coisa!
— Conquistar e transformar são coisas
completamente diferentes — pigarreou Charon. — Por favor, entenda. Querer mudar
o mundo é estar destinado ao fracasso, devemos compreender como ele funciona e
nos adaptarmos para sobreviver nele. Os que restaram de nossa equipe estão aqui
reunidos por um único objetivo, e não se engane: o final a fará te enxergar o
mundo em que vivemos de outra forma.
Dawn levou um susto quando um Pokémon
saltou de dentro da tela de um computador tão velho quanto o fóssil de um
Shieldon. Seu corpo era alaranjado e feito de plasma, disparando para todos os
cantos da sala e causando curtos-circuitos, oscilando lâmpadas com o poder de
sua eletricidade.
— Ah, Rotom, meu velho amigo — disse
Charon com a voz cansada. — Por que não mostra para nossa visitante todas as
pesquisas em que estivemos trabalhando?
— Bzzzzt!
Bzzzzt! É pra já!
O corpo do Pokémon assumiu o formato de
um pendrive que ingressou dentro do
CPU velho do computador, baixando centenas de pastas que pipocavam na tela do
sistema que mal suportava a descarga de arquivos. Dawn aproximou-se da mesa
para observar do que se tratava e precisou ler apenas o título para descobrir.
— “Clonagem?”. “Fendas?”. O que
significa tudo isso?
— A ponta do iceberg — respondeu Charon.
— Os Rockets já vêm trabalhando nisso há muito tempo, e reunindo os arquivos
perdidos da misteriosa Ilha Pokémon que você adquiriu, parece que podemos
continuar progredindo e aperfeiçoar algumas etapas.
— Há anos os cientistas brincam de dar
vida, e toda vez isso trouxe catástrofes inimagináveis. O naufrágio das Ilhas
Laranja, a explosão da Ilha de Ferro em Sinnoh... — Dawn listou só para
começar. — Parece que vocês estão para repetir os mesmos erros.
— Não se preocupe, não queremos nada tão
grandioso quanto aquele idiota do Cyrus — respondeu Charon.
Dawn revelou um sorriso cínico.
— Engraçado ouvir um dos empregados dos
Galactics chamarem seu próprio chefe dessa forma.
—
Nunca entendi o que eles viam nele — disse o
professor com um suspiro —, nada além de
um homem patético e imaturo que se sufocou na própria ideia. Ele teve todo o
árduo trabalho de fundar e erguer os Galactic, e para o quê? Em última análise,
ele destruiu sua própria criação. E agora só me sobraram tralhas e restos para
trabalhar.
— O que houve com os outros comandantes?
— perguntou Dawn.
— Comandante
Jupiter e Saturn nos desertaram — comentou
a dona do Glameow.
— Tão
insensato da parte deles! — Charon falou com a
voz alterada, seu semblante tornando-se mais sombrio. — Tolos, todos eles! Jogando fora todo o esforço que tivemos
para nos erguer...
— E quais resultados vocês esperam
obter? Pelo visto vocês estão sozinhos, e é questão de tempo até que a Polícia
Internacional os encontre e um exército venha me resgatar — Dawn o desafiou,
confiante de sua importância. Há muito tempo deixara de ser a garota insegura
que se aventurara por Sinnoh.
Charon precisou sentar-se na cadeira de
seu escritório. Seus dedos tamborilavam na mesa enquanto ele contemplava uma
moldura inerte.
— Você já perdeu alguém que amava, Srta.
Manson? — perguntou o cientista.
Dawn sentiu uma pontada de desconforto
com a frase. Pensou em seus pais, memórias remotas da família que perdera em
uma tempestade em Hoenn há mais de uma década, nos amigos com quem
compartilhara uma fase difícil quando menina, e até mesmo em seu velho Aggron
que falecera recentemente.
— E quem não perdeu? — ela respondeu com
um sorriso franco.
Charon aproximou-se dela como uma
serpente ardilosa e sussurrou em seu ouvido:
— E se pudesse trazê-los de volta?
— É impossível. — Dawn afastou-se
depressa. — E qualquer que seja a forma que esteja tentando fazer, é proibido.
Este dom só pertence às divindades.
— Oh, mas Arceus vive ocupado. Ele não
estará olhando se fizermos tudo direitinho — disse Charon, estendendo a mão
para seus assistentes. — Você nem se lembra desses dois.
— Não mesmo.
O Rotom saltou da tela do computador,
emitindo um ruído atípico.
“...capítulo
quatro...bzzt...”
—
Cosmo e Star foram os dois recrutas responsáveis por roubarem as PokéAgenda do
laboratório do Profº Rowan, e obtiveram sucesso em escapar com uma delas. Nos
últimos anos estive ocupado tentando burlar o software desse apetrecho e, tenho de admitir, o velho Rowan e seus
assistentes são bons nisso — disse Charon, revelando os pedaços de um velho
aparelho que fora deixado sob a mesa, tornando-se irreconhecível.
— Você esperou todo esse tempo só para
usar as informações contidas em uma PokéAgenda? — Dawn perguntou. — Está tudo
na internet hoje em dia. Informação ágil e de fácil acesso a todos.
— Eu sei. E justamente por isso não
precisei me dar ao trabalho de sair por aí coletando dados. Vocês fizeram isso
por mim.
O Profº Charon a convidou a visitar uma
sala no final do corredor. O ambiente era mal iluminado e emitia uma energia
estranha. Dawn caminhava cautelosa. Havia imensos tubos com um líquido esverdeado
dentro e ela precisou conter um grito ao perceber que havia Pokémon das mais
variadas espécies mergulhadas ali, tendo alguns outros sido empalhados como
objeto de estudo. Charon seguia com as mãos para trás enquanto falava com a voz
tranquila:
— Como cientistas somos todos curiosos
por nascença, minha pequena. Lembra-se de um caso famoso há alguns anos onde um
médico salvou a vida de sua paciente, e foi processado por deixar uma cicatriz
nela? — murmurou Charon. — Cosmo, Star. Por que não vêm até aqui e mostram para
nossa amiga como vocês se dão bem com seus novos Pokémon?
Dawn preciso conter o espanto ao notar
que naquele laboratório amaldiçoado os Pokémon eram usados como experimento. Os
capangas dos Galactic nem pareciam sentir remorso do que fizeram, estavam muito
contentes em oferecer seus companheiros de longa data como objetos de tudo.
— Vocês os transformaram em cobaias! —
Dawn indignou-se.
— Mas eles ainda estão aqui conosco —
respondeu Cosmo. — Veja, a clonagem foi um sucesso! Exceto por algumas pequenas
sequelas, claro.
— Ficamos muito felizes em colaborar com
as pesquisas do Profº Charon. Ele tem tanto potencial — respondeu Star.
— Afinal, sua tese do TCC também se
baseia em DNA Pokémon, não é mesmo, Srta. Manson? — indagou Charon. — Ora, não
banque a hipócrita. Sabemos que você esteve investigando a capacidade do Mew de
se transformar. E toda essa história de clonagem está muito atrelada ao que
vocês vivenciaram com um dos maiores experimentos feitos pela extinta Equipe
Rocket, a Grande Criação.
Dawn recuou devagar. Ainda não
compreendia as intenções daquele lunático, mas um frio percorreu sua espinha, o
prenúncio de que algo terrível estava para acontecer ali.
Sentiu alguém segurar suas costas por
trás e reconheceu o toque de Petrel, um dos ex-executivos dos Rockets que
ajudara em seu sequestro. O homem conteve os braços dela com violência ao
primeiro sinal que ela demonstrou de reagir.
— Por favor, por favor, estamos aqui
para trabalharmos juntos e unirmos nossas mentes! — falou Charon. — Srta. Dawn,
você não reconhece que foi uma das únicas a presenciar eventos marcantes de
nossa história como a batalha do Spear Pillar e a explosão da Ilha de Ferro?
Você se subestima. Pode até ser passível de todos esses acasos, mas você esteve
ali, observando, analisando... você é a minha PokéAgenda ambulante. Por que
roubar uma caixa de aparelhos velhos quando posso ir direto para a fonte?
Charon caminhou devagar em direção da
garota e tocou seu rosto de leve.
— Com uma mente como a sua, eu teria
feito o mundo se ajoelhar aos meus pés.
— Não cairei em sua lábia — Dawn retrucou furiosa. — Eu me recuso a ajudar alguém como você, que faz humanos e Pokémon vítimas diante de promessas sem fundamento.
Dawn virou-se ao escutar alguém tossindo no recinto. Uma mulher de cabelos vermelhos os vinha observando das
sombras. A antes bela e vaidosa Comandante Mars
agora vestia um uniforme gasto, tinha olheiras profundas e os cabelos mais
longos e sem corte. Uma de suas mãos repousava sobre sua barriga, como se
estivesse sentindo dores intermináveis na região. Dawn conhecera a tia Martha nos
tempos em que ainda se aventurara com os Irmãos Wallers, mas nunca teria
imaginado que ela estaria colaborando outra vez com os planos dos Galactics.
— Por favor, não pense que sou sua inimiga
— rogou Mars. — Eu estou aqui porque Charon prometeu me ajudar, e com sua
chegada, pela primeira vez sinto um pouco de esperança.
Charon permitiu que as duas tivessem um
momento para conversarem a sós em sua sala. Mars sentou-se com dificuldade,
recebendo ajuda para se sentar. Ela estava magra e enfraquecida. Dawn ainda se
lembrava dela como a mulher sorridente que presenteava seus sobrinhos com TMs
falsificados e fazia entradas triunfais em seu balão com o formato de um
Drifblim.
— Espero que não sinta raiva de mim
depois de tudo que aconteceu — explicou Mars, referindo-se ao incidente no Spear Pillar.
— Tá tudo bem — Dawn fez um sinal para
que ela esquecesse tudo aquilo. — Você é prisioneira deles?
— Não. Sou voluntária — Mars respondeu
com a voz sucinta.
— Voluntária? Então você está se
oferecendo para--
A comandante não respondeu à questão.
Seu olhar era disperso e sem emoção.
— Eu já não me importo com o que
aconteça comigo. Não sei se chegou até seus ouvidos, mas... eu perdi um filho
faz algum tempo.
Dawn ficou chocada com a notícia. Era
estranho ouvir aquela declaração de alguém que considerara um inimigo por
tantos anos e, de repente, sentir empatia por ela. Não pediu por detalhes, mas
sentiu que deveria consolá-la de alguma maneira.
Com um toque delicado, sua mão
encostou-se à dela, como se de alguma forma aquilo pudesse transmitir um pouco
de conforto.
— Eu consigo imaginar a sensação de
perder uma criança — respondeu Dawn. Desde que começara a viver com Cynthia, a
segurança e felicidade de Verity eram sua prioridade.
— Às vezes parece que estou sendo
egoísta por abrir mão da minha família por conta de uma criança, mas... a dor
foi tamanha nesse último ano que mal tenho encontrado forças para continuar
seguindo em frente — disse Mars com a voz entristecida. — Se o Profº Charon
souber alguma maneira de trazer meu filho de volta, eu estou disposta a fazer
tudo por ele.
— Eu não sei nem metade de tudo que você
passou nos últimos anos, Martha, mas você é a tia das duas pessoas que mais amo
nesse mundo — falou Dawn. — Posso ser apenas uma iniciante no ramo, mas
tentarei ajudá-la a recuperar seu brilho.
As duas deram as mãos e Mars deixou
escapar uma lágrima solitária. Mesmo abatida, arrancar um sorriso raro daquele
rosto tão judiado era mais do que qualquer pagamento.
— Luke e Lukas sabem que você está
fazendo isso? — perguntou Dawn.
Mars fez que não com a cabeça.
— Eu escondi da família que perdi um
filho. Eu não queria que meus sobrinhos soubessem da morte de seu priminho...
Eu fui muito idiota em contar isso para uma amiga próxima, sabe? O bebê ainda
estava dentro de mim quando declararam que ele não sobreviveria, ninguém teve a
chance de conhecê-lo. E essa suposta “amiga” pareceu triste de primeira
instância, mas um tempo depois disse: “É só tentar de novo, não é?”.
Mars apertou as mãos com força,
sentindo-se cada vez mais frustrada ao lembrar-se de tudo aquilo.
— Eu não quero descartar um filho como
se ele fosse nada. Eu o carreguei dentro de mim por nove meses, nenhum deles
entenderia. Eu senti tanta raiva, e...
A mulher escondeu o rosto, envergonhada
por sequer pensar naquilo.
— E-eu fui uma mãe ruim? Quais os planos de
Arceus para me fazer sofrer tanto nessa vida?
— Cada um reage ao luto de forma
diferente — comentou Dawn. — Se você for mesmo uma mãe tão legal quanto era com
seus sobrinhos, então eu tenho certeza que qualquer criança no mundo iria
querer ser seu filho.
Dawn tocou de leve na mão de Tia Martha
e prometeu ajudá-la com o que estivesse ao seu alcance, contanto que aquilo não
cruzasse a linha do que considerava ético dentro de seus valores.
— Bem, então mãos à obra! Você não está
passando calor aqui embaixo?
— É que nós estamos no lugar mais quente
de Sinnoh — respondeu a ex-comandante. — Nosso laboratório foi construído na
base da Stark Mountain...
i
A visão da Gardevoir de Luke se desfez
no instante em que a frase foi proferida. O treinador aguardava paciente
debaixo da sombra de uma árvore bebendo um Berry
Juice enquanto Sophie transmitia em tempo real detalhes do paradeiro de
Dawn através do Future Sight. Como
Luke e Dawn compartilharam sentimentos muito fortes durante longos anos, não
foi difícil para que a Gardevoir estabelecesse aquele tipo de contato.
Agora que sabia exatamente onde começar
sua investigação, estava pronto para sair ao resgate de sua donzela o quanto
antes.
— Bom, time, agora chega de descanso. ‘Bora trabalhar!
Seu Garchomp grunhiu preguiçoso em cima
de uma pedra. Em uma lagoa ali perto, seu Kingdra fez três disparos d’água para
o alto. O Dusknoir observava com os braços cruzados de cima da montanha ao lado
de sua esposa, Froslass.
O treinador terminou de alongar seus
braços e pernas como se há muito tempo não saísse para se aventurar, subiu nas
costas de seu Bastiodon e começou a planejar a longa trajetória em direção da Stark Mountain enquanto analisava um
mapa turístico da região.
— Então eu começo subindo aqui pela Rota
225, passo por aqui, entro aqui, pego esse pedacinho da Rota 226 e sigo até o
final da Rota 227 que dá na entrada da montanha. Não parece tão difícil —
comentou o garoto, orgulhoso por não precisar da ajuda de seu irmão para se
localizar com os mapas.
Por sinal, ainda achava estranho Lukas não
estar atendendo ao telefone, pois desde sábado não recebia sinal do irmão que “saíra
para uma viagem com os amigos”. Parecia uma tremenda ironia que Luke preferisse
passar uns dias em casa e seu irmão estivesse saindo para aproveitar, os papéis
tinham se invertido completamente. Era como se tivessem trocado de
personalidade, pois dentro de cada um ambas coexistiam de forma harmoniosa.
Luke ainda adorava uma boa batalha, e
desde seu término com Dawn, não engajou mais em relacionamento algum. Lukas
estava firme com Paula, mas os compromissos de uma entidade divina eram, bem...
complicados. Às vezes ficavam meses sem se ver, e em outros casos só se viam
nos almoços de família durante os feriados — que eram interrompidos com
frequências por conta de fendas no espaço-tempo e conflitos que colocavam em
risco todo o universo —, mas Paula adorava passar um tempo com a família
Wallers.
— Às vezes eu penso em procurar alguém
de novo, sabe? Juntar as escovas, compartilhar o lençol... Mas toda vez que
penso nisso eu lembro de todo o trabalhão que é namorar alguém, e aí fico até
com preguiça — disse Luke, parecendo conversar sozinho. — Sei lá, talvez eu
tenha nascido para ficar sozinho pelo resto da vida. É. Somos como fósseis
esquecidos, amigão.
Luke jogou uma Sitrus Berry para o alto que lhe escapou e foi direto ao chão. Seu
Bastiodon passava vagarosamente comendo tudo no caminho.
O Pokémon fóssil caminhava de forma vagarosa
enquanto seu treinador descansava em suas costas. O sol na ilha no nordeste de
Sinnoh parecia ter uma temperatura completamente diferente do restante da
região, Luke só passava lá quando era para tirar férias na praia e aproveitar o
calor, o que o fez sentir falta de sua família.
Já era possível enxergar o cume da Stark Mountain do final da Rota 225
quando ele decidiu fazer uma parada em um vilarejo conhecido como Survival Area para reabastecer os
mantimentos e recuperar seus Pokémon. Na entrada da cidade, um rapaz o berrou
em sua direção assim que o viu.
— Caramba, isso é um Bastiodon?! Eu amo
esse Pokémon, tanka que é uma beleza!
O rapaz em questão tinha o cabelo
vermelho amarrado em um rabo de cavalo e uma mecha loira, usava roupas largas
típicas de regiões quentes e botas próprias para escalar montanhas. Ele vinha
flutuando na direção oposta em cima de seu Claydol que também chamou a atenção
do treinador.
— Eu também me amarro, meu time inteiro
é voltado para esse lado defensivo — respondeu Luke. — Que demais que você tem
um Claydol! Lembro que quando eu era moleque sempre quis ter um. Teve uma vez
que montei um Baltoy de massinha achando que ele ia criar vida, mas não deu
muito certo.
— Meu nome é Buck. O que tu acha de
termos uma batalha aqui mesmo?
— Ih, foi mal. Tô indo salvar minha
amiga que foi sequestrada.
— Quê.
— Zoeira, ela pode esperar! Uma
batalhazinha só pra aquecer é sempre bem-vinda.
Dawn teria que esperar. Luke desceu das
costas de seu Bastiodon e ordenou que ele participasse da batalha contra o
Claydol de Buck. Ele estava ciente da desvantagem de tipos, mas queria ser
rápido e dar uma aulinha de improviso para mostrar quem era o rei da defesa.
—
Claydol, use o Earth Power!
O Pokémon estátua moveu seus braços como
se fizesse um ritual e todas as forças da natureza ao redor pareceram se mover.
O chão de pedra abriu-se como se entrasse em erupção, atingindo em cheio o
Bastiodon que sequer teve tempo de se proteger. Assim que a fumaça se dissipou,
a criatura ossuda tirou a poeira da cabeça e abriu sua bocarra para devolver um
único disparo:
— Metal
Burst! — ordenou Luke.
A pancada voltou tão forte que o Claydol
de Buck não teve nem como resistir. Devido à habilidade Sturdy, o Bastiodon fez uso de seu contra-ataque com força total
expandida e mais um pouco. A explosão foi tão grande que todos puderam sentir o
chão estremecer nos vilarejos vizinhos, o vulcão inativo da Stark Mountain chegou até a expelir
lava. Luke temeu ter causado um desastre natural “sem querer”, mas por sorte
tudo se controlou.
— Irmão, tu não é desse mundo — brincou
Buck.
Os Pokémon retornaram para suas devidas
pokébolas e a batalha foi concluída. Buck limpou o nariz e fez sinal de joia
para seu novo melhor amigo.
— Oh, tá de parabéns! Pelo visto tu tem
uma verdadeira muralha no seu time — Buck admitiu.
— Valeu, cara. Já sou macaco velho no
ramo.
— Diz aí, tá saindo para coletar
insígnias?
— Quem me dera! — Luke brincou, cercado
por memórias. — Passei os últimos anos me aventurando em outras regiões, mas
não para participar da Liga nem nada, só quis conhecer o mundo mesmo. Agora
estou de volta pra Sinnoh resolvendo algumas pendências.
— Cara, tu é maneiro, gostei de ti.
Posso te levar pra conhecer uns amigos? Estamos treinando aqui na Survival Area pra participar da Battle Tower, dizem que essa região é
perfeita pra...
— Pra quem já apanhou lá, né?
Buck o encarou com a expressão estática.
— Quero dizer, pra quem pretende
melhorar as habilidades — corrigiu Luke.
— Pode pá! Chega mais, você vai gostar
dos caras. Cada um se especializou em um tipo de estratégia, então estamos
tentando obter uma sequência de vitórias inquebrável focando em nossas
habilidades.
Luke dirigiu-se à cabana isolada onde Buck dizia
estar alojado com seus amigos. O lugar era aconchegante e convidativo, como a
pousada de veraneio que costumava frequentar nas proximidades de Pastoria
quando era menino. Os sofás de tecido brega combinados com uma imensidão de
apetrechos nos armários faziam parecer que estava visitando a casa de seus
avós, onde nunca faltava comida na mesa e uma rede para dormir à tardezinha.
Ao passar pela porta, sorriu satisfeito por
confirmar suas expectativas — se havia algum
treinador focado em especializar-se em determinado status, então só podiam ser
os Stats Trainers. Lá estava Riley,
refinado como sempre, vestindo seu terno azulado enquanto bebericava um pouco
de chá e abanava o rosto com um chapéu. Ao seu lado estava Cheryl, uma mulher
que não via há trocentos anos e que estava mais linda do que nunca, parecia que
o tempo vinha lhe fazendo muito bem.
— Veja só quem está aqui — disse Riley
ao se levantar para cumprimentá-lo. — Luke Wallers, nosso estimado ex-campeão,
detentor do recorde de menos tempo com o título.
Buck olhou para Riley, depois para Luke,
em um loop infinito até absorver a mensagem.
— TU QUE É O LUKAS WALLERS?
— Não, cara. Eu sou o Luke, Lukas é meu
irmão gêmeo. E Arceus me livre de ter que acordar cedo, vestir terno e gravata
e aparecer na televisão todo santo dia. Me livrei do cargo de campeão e deixei
a administração do governo pro meu velho, fiz minha parte. Ainda acho que dois
dias com o cargo foi muito tempo.
— Mano, tu é doidão! Realizou seu sonho
e abriu mão de tudo! — falou Buck.
— Eu não abri mão dele, eu o conquistei.
Fui lá e ganhei, mostrei que sou capaz. Minha vida não precisa se resumir a um
único sonho, agora estou vivendo inúmeros outros com meu irmão. Estou em
constante mudança.
— Muitos levam uma vida toda para
conseguir — respondeu Riley com um sorriso simpático. — Eu sempre soube que
você estava destinado a feitos grandiosos. Por que não se senta conosco e toma
uma xícara de chá?
Luke já estava quase se esquecendo de
Dawn. Era maravilhoso rever alguns rostos amigos, aquilo tudo lhe trouxe uma
tremenda nostalgia. Riley serviu-lhe biscoitos amanteigados, enquanto Buck
fazia piadas e Cheryl não cansava de observá-lo com as mãos entrelaçadas.
— Conte-nos como anda sua vida — pediu
Cheryl. — Você parece muito diferente do garoto mal educado que enfrentei em
Eterna há tanto tempo.
— Eita, você ainda lembra disso? É, acho
que... cresci. Me desculpe por aquilo, foi uma fase meio bosta — Luke caiu na
risada. — Na verdade devo desculpas a muitos treinadores que humilhei naquela
época. Não tinha necessidade, eu perdi a cabeça. Em minhas viagens pelo mundo
descobri que existem muitos treinadores melhores do que eu, e todos foram muito
respeitosos comigo. Não há necessidade em ser otário com alguém só pra se
sentir poderoso, tem que ter o ego muito frágil pra isso, e eu precisei apanhar
pra perceber.
— O que importa é que você está
arrependido — respondeu Riley. — Acho que o tempo faz bem a todos nós.
— Ô, se faz! — respondeu Luke observando
o decote de Cheryl. — Há muito tempo Riley me contou que fazia parte de um
grupo de treinadores muito poderosos em Sinnoh, fiquei surpreso ao vê-los
reunidos aqui.
— Estamos tentando reunir os Stats Trainers originais outra vez, mas
só viemos nós três — respondeu o homem. — A Marley foi visitar a família em
Galar, e a Mira tinha vestibular marcado pra esse fim de semana.
— Vestibular? Mas Mira não era aquela
garotinha de uns dez anos que tinha esse tamanho, e... — Luke chegou a uma súbita conclusão. — Meu Arceus. Tô ficando velho.
— E seu irmão? — Cheryl perguntou com um
sorriso doce.
— Ah, tá por aí. Nós fazemos tudo juntos,
mas também não vivemos grudados. Cada um precisa do seu espaço. Acho que
estamos em busca da nossa “próxima grande jornada”, pesquisando os melhores
lugares para se visitar, planejando viagens... Vai dar bom, tenho grandes
expectativas pra esse ano.
— E o que o traz à Survival Area? — Riley voltou a perguntar. — Não creio que esteja
precisando de treinamento
— Na verdade, eu vim para ajudar uma
amiga que foi seques... — Luke levantou-se de forma abrupta da cadeira. — PUTA
MERDA, EU PRECISO IR SALVAR A DAWN!
— Ah, a história da mina sequestrada era
verdade? — perguntou Buck.
— Pelo visto você continua sendo um imã
para confusões, não? — Riley falou entre risadas. — Lembro-me até hoje de
nossas aventuras pelo Templo em Snowpoint... Olhando para trás, até que sinto
um pouco de saudade disso.
— Nem me fale. Estou super nostálgico
ultimamente — respondeu Luke. — Agora, se me derem licença, preciso bancar o
super-herói.
— Ela ainda é sua namorada? — perguntou
Cheryl.
— É minha ex. A gente terminou faz uns
anos.
— Oh. Lamento — disse Cheryl, mas na
verdade ela não lamentava nada. — Mande lembranças a ela.
— Tu é muito gado pra ainda conversar
com ex — falou Buck.— Mas gente, se a mina foi sequestrada POR QUE ESTAMOS
AGINDO COMO SE FOSSE UMA COISA NORMAL?
— Pare de falar como se usasse o Caps
Lock ativado o tempo todo — pediu Riley.
— É que acontece com certa... frequência
— respondeu Luke com uma risada calorosa. — Povo, foi um prazer revê-los, valeu
pelo fanservice. Qualquer hora dessas
vamos todos para a Battle Tower
quebrar alguns recordes, perder, e voltar aqui para chorar. Me aventurar por
Sinnoh e ter conhecido vocês foi uma das maiores alegrias de minha vida.
Os três integrantes dos Stats Trainers se levantaram para
despedir-se de Luke e levá-lo até a saída. A distância era curta até a Stark Mountain e Buck ofereceu-se para
guiar o rapaz, pois conhecia bem aquelas rotas, mas Luke alegou que não iria
demorar e preferia não ter ninguém para atrasá-lo na escalada.
— Estou feliz em vê-lo, Luke Wallers.
Você mudou de verdade, e para melhor — disse Cheryl, dando-lhe um abraço
gentil. — Da última vez que o vi você era um menino, e voltou como homem.
— Puxa, fico lisonjeado — ele agradeceu.
— A senhorita também está oh, uma belezura, Cheryl! Puro charme maduro.
— Você não acha que sou velha demais
para você? Heh, heh. Um galanteador, como sempre — Cheryl sorriu. — Se quiser,
eu tenho uma amiga solteira que é a sua cara. Ela é fascinada num novinho. Quer
que eu te passe o Zap Zapdos dela?
— Opa, só mandar — respondeu Luke já com
seu PokéNav que adquirira em Hoenn em
mãos. — Qual o nome dela?
— É Fantina.
Segundos depois, Luke estava escalando a
montanha mais rápido que um Floatzel.
Enquanto o observava se distanciar,
Riley sentiu que ainda havia certa aura mágica ao redor do garoto, como se Luke
e Lukas nunca deixassem de ser crianças — treinadores e coordenadores sonhadores
disputando insígnias e fitas pela região em busca de seus sonhos. Viver ao lado
deles era como ser eternamente carregado de volta para o passado — não que
aquilo fosse ruim, pois alguma coisa na maneira como aqueles garotos falavam e
agiam o fazia sentir que tudo sempre terminaria bem.