Posted by : CanasOminous Aug 12, 2022

 

Cynthia não suportaria ficar nem mais um segundo sequer trancada dentro de casa. Nunca fora do tipo que esperava algum herói ir salvá-la. Tornou-se o símbolo que gostaria de ter tido quando menina, queria influenciar toda uma geração de treinadores. Desde pequena gostava de se embrenhar no meio do mato em busca de novas aventuras e Pokémon, e por mais que muitas fossem arriscadas e repletas de perigos para uma criança de sua idade, delas nasceram oportunidades transformadoras.

A pequena Verity estava com o Piplup de Dawn em seu colo, observando sua mãe andando de um lado para o outro com agitação. Duke estava triste e cabisbaixo após mais uma derrota humilhante, não seria a primeira vez que era impedido de proteger a sua treinadora quando ela mais precisou. Cynthia também não conseguiu pregar os olhos à noite pensando na segurança de Dawn, mas com a insônia vieram também novas ideias e alternativas.

Dirigiu-se apressada ao seu escritório. Pelo vão da porta, Verity pôde observá-la retirar do fundo falso do baú um compartimento secreto trancado a sete chaves. Havia uma pedra de estranho formato com uma fenda e dois buracos nas laterais, um artefato extremamente antigo que atiçou sua curiosidade, mas não quis ser xereta e perguntar o que era.

— Espero não estar arriscando demais... — ponderou Cynthia consigo mesma.

Ao sair do escritório, já estava de malas prontas. Verity brincava desenhando na mesa da sala quando sua mãe passou apressada e lhe deu um beijo na testa de despedida.

— Que desenho bonito. Onde é? — perguntou Cynthia.

— Onde eu morava antes — respondeu Verity com tranquilidade, pondo os lápis coloridos de lado. — Pra onde você vai?

— Mamãe tem algumas pendências para resolver — respondeu Cynthia. — Eu pedi para alguns amigos ficarem de olho em você, eles devem chegar daqui a pouco. Não me venha aprontar com eles, hein? São três dos treinadores mais fortes que conheço, só para ter certeza que nada de ruim irá lhe acontecer.

Verity encolheu os ombros e deu risada, fingindo-se de desentendida. Quando Cynthia estava com a chave em mãos, o Piplup de Dawn correu em sua direção e começou a rodeá-la, pedindo incessantemente que a levasse junto.

— Ah, Duke, eu não sei... pode ser perigoso para alguém do seu tamanho.

O Piplup estufou e bateu no próprio peito com força, insinuando que não tinha medo de nada. Cynthia riu, afinal, como poderia negar ajuda de um Pokémon tão determinado?

A campainha tocou e ela logo foi atender. Em frente à sua casa estava ninguém menos do que Riley, Cheryl e Buck, três dos integrantes originais dos Stat Trainer que estavam por perto e se ofereceram para a difícil tarefa de cuidar da criança de uma campeã.

— Fala aí! Firmeza? — falou Buck apressado cumprimentando com acenos e gestos e já entrando na casa para ver o que tinha de bom na geladeira.

— Ah, querida... — disse Cheryl, abraçando sua amiga na tentativa de confortá-la após tudo que ocorrera. — Eu conheci a Dawn na primeira vez que eles passaram por Eterna. Ela é uma menina de ouro. Logo agora que você se estabilizou em uma casinha confortável para chamar de sua, algo terrível assim acontece. Existem muitas pessoas más nesse mundo.

— Eles não tardarão a trazê-la em segurança. Você tem os melhores do seu lado — falou Riley com confiança. — Até lá, dou a minha palavra de que sua filha estará segura conosco.

De fato era a primeira vez que seus amigos a visitavam em muito tempo. A notícia de que Cynthia tinha uma filha daquele tamanho pegou a todos de surpresa assim que souberam, e não dava para esconder que estavam curiosos para saber mais sobre a misteriosa criança.

Verity continuava na sala, alheia às visitas. Era uma garotinha de cabelos castanhos e sorriso contagiante, mas não se parecia em absolutamente nada com Cynthia. Assim que os viu, Verity deu um salto de onde estava e correu para cumprimentá-los como se já os conhecesse de longa data.

— Tio Rye, você também veio! — disse a menina referindo-se a Riley. Em seguida ela olhou para Cheryl e ficou pasma como ela tinha um corpo bonito. — Puxa, Sabi, quando foi que cresceu tanto? Você não tinha uns peitõooes desse tamanho! — Ela enfim viu Buck voltar da cozinha de boca cheia e não pôde deixar de comentar: — E você... você é a cara da tia Zisu. Eu não sabia que ela também tinha filhos, isso é muito legal! Vou ter mais gente com quem brincar.

Os Stat Trainers encararam Cynthia, sem entender absolutamente nada do que aquela garota parecia falar. Será que ela os estava confundindo com outra pessoa? Cynthia levou a mão ao rosto e lamentou não ter tempo.

— Eu explico tudo depois, mas agora realmente preciso ir. Fiquem de olho nessa pestinha. Ela é curiosa... até demais.

Assim que Cynthia fechou a porta de sua Villa, os três companheiros se entreolharam e pensaram que não seria tão difícil tomar conta de uma criança. Tinham uma mansão inteira ao seu dispor, e a hidromassagem aquecida parecia estar funcionando perfeitamente.

— Bom, eu não sei vocês, mas vou usufruir só um pouquinho dessa vida burguesa — disse Buck já com uma toalha de banho nas costas.

 

Estava quase entardecendo, mas Cynthia continuava disposta a viajar através de toda Battle Zone se fosse para encontrar sua amada. Estava sem nenhum Pokémon no time, exceto por uma pedra enigmática e um desengonçado Piplup que se apressava para acompanhar seu passo e recusava-se a ser carregado no colo. Se a noite os alcançasse, temia que Duke não fosse o suficiente para protegê-la de eventuais predadores.

— O que houve? Já cansou? — perguntou Cynthia, olhando para trás só para ter certeza de que o Piplup não tinha infartado. — Vamos lá, ainda nem começamos a nossa escalada. Segundo o Luke, devemos encontrá-lo na base da Stark Mountain. Eu só não consegui mais estabelecer contato algum, acho que está sem sinal.

Cynthia parou de andar e encarou o céu. As estrelas estavam radiantes, e a lua crescente era perfeitamente visível. Só a ideia de que aquele era o mesmo céu visto em Sinnoh há mais de quinhentos anos a fazia conectar-se com a região, pois sabia que ainda havia tanto a se explorar! Sentia saudade da inquietação de uma jornada, e por mais que agora o assunto exigisse urgência, cogitou até sugerir sair para aventurar-se com Dawn em algum lugar distante, quem sabe visitar sua casa de veraneio em Unova e conhecer novas pessoas e Pokémon.

O Piplup puxou a barra de sua calça, chamando a atenção da mulher. Podia não ser um bom lutador, mas seus extintos apitavam que eles tinham companhia.

— Saia daí quem quer que esteja se escondendo, ou vai sofrer as consequências — alertou Cynthia como seu único aviso.

Do meio da mata surgiu um homem de meia idade vestindo um sobretudo bege, roupas formais e sapatos envernizados. Seu semblante era convicto, tinha os cabelos levemente grisalhos e escovados com cuidado. Não se parecia nem um pouco com um aventureiro, estava mais para algum tipo de detetive que saíra da sessão de clássicos na biblioteca de Galar para se perder no meio de um matagal sem repelente para Cutiefly.

— Assumo que você seja a Srta. Cynthia. Sua reputação a precede — disse o homem, erguendo a mão com um distintivo da polícia antes mesmo que ela se apresentasse. — Pode me chamar de Observador, ou Looker se achar que tudo no inglês fica mais chique. Ou Bellochio. Ou Beladonis. Ou simplesmente Mr. Handsome para os íntimos. Tenho vários nomes, um para cada continente. São meus disfarces.

— Fascinante — respondeu Cynthia, pouco interessada.

— Onde estão seus Pokémon? Vejo que está sem nenhuma pokébola. Acho difícil acreditar que uma treinadora capaz como você decidiu se aventurar pela região com um inicial como se ainda fosse uma jovem.

— Perdão? — Cynthia questionou, ofendida. — Está insinuando alguma coisa sobre minha idade?

— De forma alguma — Looker respondeu, cauteloso.

— Quanta indelicadeza... E respondendo sua pergunta, o sistema ainda não deu baixa e entende que estou com seis Pokémon na equipe, por isso não me permite sacar uma sétima pokébola.

— Estamos cientes do sequestro que ocorreu em sua morada na tarde de ontem, senhorita, inclusive do roubo de seus Pokémon. A polícia foi acionada. Estamos em uma operação secreta há mais de cinco meses seguindo os passos dos membros remanescentes dos Galactic que se espalharam por Sinnoh.

— Eu não pedi a ajuda de vocês — respondeu Cynthia de forma ríspida. Ela se lembrava com clareza da ameaça de Petrel, alegando que se a polícia se envolvesse, pessoas iriam se machucar. Achava que a presença de tanta gente só dificultaria as coisas, ainda mais agora que Luke estava tão próximo de localizar o paradeiro deles.

Cynthia e Duke retomaram o caminho da selva deixando Looker para trás, mas o detetive voltou a segui-los no seu encalço.

— Ouvi dizer que a senhorita estuda mitos e lendas do Mundo Pokémon — disse ele.

— Pois é — confirmou Cynthia, pouco interessada em compartilhar mais de seu conhecimento tão valioso. — Muito do que ouço falar por aí não passa de fantasia, teoria sem embasamento. O tipo de história que busco não tem jogos de política, bombas e tiroteios como no tipo de livros que o senhor deve gostar de ler para sair por aí brincando de Detetive Wobbuffet.

— Não tenho tempo para essas brincadeiras, senhorita. Meu negócio é onde as coisas acontecem — contou o detetive. — Eu sempre estou um passo à frente de meus inimigos. Quando você menos estiver esperando, eu estarei lá.

— É mesmo? Puxa, espero que não chegue atrasado então — respondeu Cynthia com um sorriso forçado.

A mulher apressou-se alguns metros a frente quando Looker decidiu perguntar:

— O que você entende sobre fendas temporais?

Cynthia parou e olhou na direção dele de forma alarmada. Não quis deixar transparecer, mas aquele era um assunto que vinha levando como segredo absoluto até mesmo de pessoas que amava. Looker ajeitou a gravata ao perceber que tocara num tópico delicado, exatamente como havia planejado.

— Acreditamos que os Galactic estão querendo trazer seu antigo chefe de volta através de uma fenda do Distortion World.

— Ah — Cynthia soltou uma indagação, parecendo um pouco aliviada. — O mundo da antimatéria. Dizem que está no lado reverso ao nosso.

— Sim. Não podemos deixar que isso aconteça, você entende, não?

Cynthia respirou com pesar. Havia muito mais em jogo do que simplesmente resgatar sua companheira das mãos de criminosos. Sabia o quanto os Galactic e os Rocket podiam ser perigosos, ainda mais quando unidos. Desde o princípio havia dito a si mesma que não se envolveria naquelas loucuras, mas agora só podia desejar que Luke estivesse bem e em segurança.

 

i

 

Dentro da redoma repousava uma pedra vermelha que brilhava como se fosse lava, cujas bordas distorcidas emitiam uma energia densa o bastante para superaquecer o vidro blindado que a protegia. O Professor Charon examinava cuidadosamente uma pequena fratura extraída da Magma Stone através de um microscópio, estudando as reações causadas cada vez que misturava água e outros elementos orgânicos. A pedra os derretia quase que instantaneamente, por isso era necessário manuseá-lo através de um maquinário eficiente e sempre com proteção adequada.

Alerta vermelho! Alerta vermelho!

Sua concentração foi interrompida no momento em que o alarme soou. Charon nem se deu ao trabalho de olhar para trás, tão concentrado que estava. Perto da saída, Petrel fumava um cigarro até o talo, seus dedos batucando com impaciência sobre o batente da mesa.

— Não vai ir verificar o que é que tá rolando? — perguntou Petrel, pouco interessado.

— Não. Contratei você para ser o músculo dessa operação. O cérebro é por minha conta — respondeu Charon, concentrado no estudo da pedra.

Petrel jogou o cigarro no chão e o apagou com uma pisada forte.

— Nunca vou entender cientistas e essa sua ciência imbecil.

— É por isso que nunca se formou na escola, Petrel — retrucou Charon, com os olhos grudados em seu microscópio.

O executivo saiu ainda mais irritado do que antes, já farto de ter que trabalhar com aqueles Galactic imprestáveis e seus sonhos surreais. Sentia falta da facção que o abraçara em tempos de necessidade. Os Rocket sempre tomavam o que queria, mesmo que para isso tivessem que usar a força. Aquele cientista não passava de um lunático. Se pudesse, teria acabado com ele ali mesmo e faria parecer um acidente laboratorial.

Enquanto seguia através dos corredores espremidos do esconderijo, escutou o som do que parecia ser uma batalha. Se a polícia estivesse mesmo envolvida não tardaria para que eles se espalhassem como baratas, mas havia uma tensão estranha no ar.

O chão começou a tremer. Petrel precisou se apoiar em uma das paredes. Quando se deu conta, um Garchomp passou disparando por baixo da terra, cortando ferro e metal como se fosse papel. Logo atrás vinha uma Sneasel que se esgueirava pelas sombras com velocidade impressionante. O dragão brecou e fez uma curva com agressividade, pronto para interceptar sua adversária frente a frente. A Sneasel tentou defender-se, mas levou uma pancada forte o bastante para arremessá-la do outro lado.

— Sorrateira, Icicle Crash! — ordenou Amy.

A felina soprou um ar gélido que congelou um enorme pedaço de rocha que despencou de uma das paredes. Usou suas garras para fatiá-la até transformá-la no que parecia um estalactite, atirando-o em direção do dragão como se fosse uma lança. O Garchomp tentou defender-se com os braços, mas a lança o perfurou no ombro e o prensou contra a parede, causando uma dor lancinante.

— Nenhum Garchomp sobreviveria a um golpe do tipo gelo como esse — comentou Petrel, transtornado. — Essa Sneasel... parece que eu já a vi em algum lugar.

O Garchomp não se deu por vencido. De alguma forma ele parecia estar carregando uma Berry consigo, e no momento em que a consumiu, o gelo pareceu nem surtir efeito.  Dessa vez ele devolveria o ataque em dobro, causando uma ponte de pedras através do Stone Edge que atingiu a Sneasel em cheio, nocauteando-a de imediato.

— Eu fiz minha lição de casa — mencionou Luke do outro lado. — As Yache Berries possuem propriedades que diminuem o impacto de golpes de gelo.

— Pelo visto você não é leigo mesmo, apesar da cara de bobo — comentou Amy, antecipando o próximo passo. — Para a próxima luta vamos precisar de um pouco mais de espaço.

O sistema de eletricidade do laboratório sofreu uma descarga e então todas as luzes se apagaram. Petrel só conseguia pensar que precisava dar logo o fora dali, só precisava encontrar alguma saída de emergência. Seguiu a única luz vermelha que conseguiu encontrar, mas por algum motivo ela estava se distanciando cada vez mais. A luz piscou, e através dela pôde enxergar um assustador Dusknoir de braços cruzados cujo único olho o fitava como se prestes a consumi-lo. Petrel sentiu as pernas estremecerem e partiu na direção oposta, mas do outro lado uma sombra fantasmagórica espreitou-se pelas paredes até desaparecer como um sopro. Ele podia escutar sua risada sinistra ecoando por toda parte.

— Um Gengar...! — afirmou Petrel. — Eu só conheço uma pessoa que tinha um desses na equipe, ainda por cima shiny.

O Gengar disparou uma Shadow Ball contra Petrel que se agachou segundos antes da esfera maligna atingir o Dusknoir no peito. General contraiu-se com o impacto, mas tão logo recobrou a pose. Com um soco potente, devolveu um Shadow Punch na mesma moeda, acertando seu oponente aonde quer que ele tentasse se esconder.

— Por que você chama seu Gengar de Blue se ele não é azul? — perguntou Luke, só por curiosidade.

— Porque eu o capturei quando ele era um Gastly e, para sua informação, existe uma vertente da espécie desses fantasmas que emite uma fumaça azulada extremamente rara. Fui uma dessas afortunadas — contou Amy.

— Maneiro. Acho legal você dar nome para os seus Pokémon. Só os fortes fazem isso — disse o rapaz. — Por sinal, eu ainda não sei o seu.

— É Amanda Green — ela disse confiante.

— Se falou o sobrenome, então deve ser importante. Sou Luke Wallers.

 

A batalha estava começando a sair do controle. O velho Charon respirou com pesar, mas ao menos concluíra a primeira etapa de sua pesquisa. Quando desligou seu maquinário, a Magma Stone ainda estava fervendo tanto que seria impossível pegá-la com as mãos.

— O que fazemos agora, senhor? — indagou Cosmo.

— Nós esperamos — respondeu Charon. — Já provocamos a pedra, não tardará para que seus donos venham recuperá-la, atraídos pela energia que ela emite.

— Mas se os Heatran vierem, isso não poderá acarretar na erupção do vulcão adormecido sob a Stark Mountain? — insistiu o assistente. — Isto seria uma catástrofe.

— Sim. Catástrofe. Esta é a palavra — disse Charon com o semblante sombrio. — Sempre que um perigo iminente desses está para assolar um continente, acontece um evento que gosto de chamar de ruptura das fendas. Elas são completamente aleatórias e podem acontecer em qualquer lugar do mundo, mas podemos também forçar uma rachadura no tempo-espaço. Bastam alguns minutos para que elas se fechem, e isso faz com que sejam seladas para nunca mais serem vistas.

— E a garota... ela viu uma dessa fendas no Spear Pillar quando perdemos o Mestre Cyrus — Star mencionou.

— Precisamente. E, graças a ela, dessa vez eu sei exatamente onde haverá uma. E é para lá que rumamos.

Charon juntou uma pasta com seus principais arquivos confidenciais e uma bolsa com alguns poucos pertences. Era claro que ele não pretendia retornar. Aquele velho laboratório já havia sido condenado e era questão de tempo até que os Heatran chegassem e consumissem tudo com seu fogo.

Sua mão pousou sobre o botão de abertura da porta quando ele percebeu que havia água entrando por entre as frestas. Cosmo e Star se entreolharam, ponderando qual deles se esquecera de desligar a torneira ou dar descarga na privada. Quando se deram conta, a porta arrebentou como uma barragem e uma enxurrada de água varreu o laboratório inteiro.

Os corredores se transformaram em um tobogã, cuspindo-os para fora com a força de uma torrente marítima. Charon ajeitou os óculos e olhou para cima a tempo de ver um enorme Gyarados disparar um Hyper Beam na direção de um Kingdra que desviou-se por alguns poucos segundos. Mikau mirou e fez um único disparo certeiro do Hydro Pump dentro da boca da serpente, arremessando-a com força contra o chão.

— É, parece que os Heatran serão o menor dos nossos problemas — brincou Charon, limpando o jaleco e ajeitando seus pertences. — Esses dois sozinhos vão causar a erupção do vulcão.

Luke e Amy batalhavam com ferocidade, enfrentando-se com a determinação inesgotável de dois campeões que se recusavam a desistir. Seus Pokémon estavam no auge de sua força, e não fariam feio frente a um adversário desconhecido. Havia certa confiança por parte de cada um que entrava em batalha, uma vontade exagerada de vencer independente de aquilo influenciar ou não no resgate de Dawn — que, por sinal, fora largada em algum lugar do laboratório feito um saco de batatas.

— É impressão minha ou aqui dentro está esquentando? — perguntou Amy com malícia.

— Olha, faz tempo que não sinto uma empolgação dessas em uma batalha — falou Luke, limpando o suor da testa.

Os dois olharam para o alto e se deram conta de que ainda estavam dentro na montanha, aproximando-se cada vez mais de seu centro. Dava para enxergar o céu através da abertura por onde fumaça e enxofre eram expelidos. As paredes da montanha eram salpicadas de vermelho como se magma fluísse através delas em uma cachoeira constante.

E então, o primeiro deles caiu como uma rocha desgrudando da montanha. Luke olhou para o alto e notou que mais pedras se formavam como se fosse um enorme formigueiro vivo. Havia uma infinidade de Heatran que fizeram do vulcão sua morada, infestando as paredes e nadando em rios de magma. Eles haviam sido atraídos do abismo de seus lares em busca da Magma Stone, vociferando com suas mandíbulas metálicas enquanto trituravam ferro e rocha.

— Está prestes a acontecer — disse Charon com a cápsula térmica da pedra em mãos.

 

ii

 

Cynthia havia acabado de alcançar a montanha quando notou que a fumaça expelida se tornara densa e escura. Com sorte havia chegado alguns minutos antes da polícia, tempo o suficiente para resolver as coisas do seu jeito.

Duke provou-se um excelente companheiro, especialmente em uma região com predominância de Pokémon do tipo fogo, pedra e terrestre. Varreu todos por seu caminho, abrindo espaço para que a treinadora alcançasse a entrada do laboratório. Cynthia deparou-se com tudo inundado, equipamentos danificados e qualquer tipo de prova simplesmente destruída. Deixaria aquilo a cargo da polícia, pois no momento sua prioridade era encontrar Dawn e tirá-la dali em segurança o quanto antes.

Piplup parecia ter um ótimo senso de direção, localizando-se através das poças d’água que se formaram com a inundação para buscar rastros e até o cheiro de sua treinadora. Ele corria apressado até demais para um pinguinzinho desengonçado. Duke estava tão preocupado quanto qualquer outro com Dawn.

O ar começou a esquentar. Cynthia sabia que estava chegando ao centro da montanha. Assim que alcançaram a saída, ela percebeu que estavam em uma área muito mais distante e elevada da montanha onde era possível enxergar de longe Luke travar uma batalha épica contra Amy.

Abaixo deles, um rio de lava corria fumegante com uma centena de Heatran furiosos. Sobre eles, Petrel segurava Dawn amordaçada e com uma faca em seu pescoço.

— Fique quietinha e comporte-se como uma boa garota — ordenou o Rocket.

Por mais assustada que estivesse, Cynthia não deixou transparecer em momento algum sua preocupação. Petrel era o tipo de criminoso mais perigoso que agia com imprudência e, por fim, recorria à violência quando encurralado num sinal de desespero. Dele, não podia esperar nada. Duke estremeceu ao dar-se conta de que sua treinadora estava em perigo outra vez, mas Cynthia procurou acalmá-lo.

Em seu cinto, Petrel carregava as seis pokébolas roubadas do time da treinadora. Dawn a encarou nos olhos, e acreditou que tudo terminaria bem.

— Tome cuidado, Petrel. Você está entrando em um terreno sem volta — disse a ex-campeã.

— Qual é, você não vai perguntar o que eu quero? — confrontou o homem. — Dinheiro? Fama? Reconhecimento? Eu perdi tudo. Pode parecer idiota, mas eu quero me vingar de todos vocês, de qualquer pessoa, de toda essa gente feliz seguindo com suas vidas pelo mundo, se aventurando ao lado do um Pokémon inicial que amam. Nem todos têm essa chance, sabe?

— Oh, pobrezinho. Tão incompreendido — Cynthia o provocou, o que o deixou cada vez mais irritado. — Você não passa de uma mera sombra do que já foi a facção criminosa mais respeitada e influente no Mundo Pokémon. Ninguém aqui tem medo de você.

— Medo? Quero ver você dizer isso quando eu estiver com uma faca em sua garganta.

— Eu vou te ensinar o que é medo — ralhou Cynthia.

Com apenas uma das mãos, a treinadora posicionou misteriosa pedra que trouxera de sua casa. Era a primeira vez que usava algo considerado tão perigoso. Conhecida como Odd Keystone, dizia que dentro daquela pedra estavam aprisionados 108 espíritos malignos que foram banidos por conta de sua maldade constante há quinhentos anos.

A pedra tremeluziu quando sua chave foi rompida. Contorcendo-se como uma criatura finalmente liberta de seu cárcere, de dentro dela saiu uma aberração exorcizada de olhos penetrantes e barulho ensurdecedor. Petrel sentiu suas pernas tremerem diante da presença do Spiritomb, um Pokémon tão antigo que suas lendas foram esquecidas pelos livros de história. Cynthia vinha estudando aquele Pokémon há muito tempo para descobrir uma forma de colocá-lo em seu time e ser capaz de controlá-lo.

O Spiritomb abriu sua boca e começou a sugar tudo ao seu redor para dentro do vazio. A distorção causada foi forte o bastante para chamar a atenção dos Heatran e perturbar o vulcão. Um terremoto foi sentido por conta da batalha travada entre Luke e Amy. Uma enorme pedra desprendeu-se e por pouco não atingiu Petrel e Dawn que precisou se jogar para não serem atingidos. Cynthia correu para socorrê-la, mas o chão começou a rachar prestes a desmoronar. Com dedos ágeis, atirou uma Quick Ball na direção do Spiritomb e o capturou efetivamente, um acerto crítico. Mas a distração serviu para que Petrel a agarrasse pela perna enquanto os dois escorregavam em direção do rio de lava.

— Eu caio, mas vou levar um de vocês comigo...! — gritou o criminoso.

E então, Petrel sentiu uma pedra chata acertá-lo bem no meio da testa. Não fez mais do que um arranhão, deixando um filete de sangue escorrer até sua boca.

— Uma... Everstone? — indagou Petrel.

Quando se deu conta, um Piplup enfurecido correu em sua direção e disparou com a força de um canhão, dando-lhe uma cabeçada em cheio no abdômen. O impacto o fez escorregar e soltar Cynthia no susto. Pokémon e criminoso deslizaram pelo piso que cedeu sobre seus pés rumo a sua sina iminente, e durante a queda ainda foi possível escutar um último grito de desespero por parte de Petrel, quase que um clamor em nome da facção que tanto amara: “Vida longa aos Rockets!”.

Pinguim! — Cynthia gritou alarmada.

Ela correu e prostrou-se sobre a beirada do precipício quando uma luz ofuscante tomou conta do ambiente. Ao se dar conta, havia um Prinplup segurando-se com esforço na beirada e com um cinto contendo seis pokébolas intactas, arrancadas das calças do criminoso. Cynthia o ajudou a subir e o abraçou com tanta força que Duke sentiu-se um vencedor. Dawn não conseguia parar de chorar, estava tão contente por rever seus amigos, e principalmente por seu primeiro Pokémon ter aberto mão de sua forma inicial que tanto prezava somente para salvá-la.

— Eu sempre acreditei em você, Duke! Você nunca desistiu de mim, e eu nunca vou desistir de você! — disse Dawn, envolvendo-o em um forte abraço.

Cynthia juntou-se a eles num gesto caloroso e agradeceu os céus por estarem bem. Sua missão agora fora concluída, mas um novo problema se formou — a montanha não tinha mais salvação e a erupção era iminente, condenando toda a ilha conhecida como Battle Area a afundar no oceano.


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