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Finalmente, Meu Livro: Matéria - Espada de Madeira
É, aqui estamos. Quem me acompanhou nessa trajetória sabe que foi uma aventura bem longa, com muitos obstáculos no caminho, estou ciente de que minha verdadeira jornada como escritor está apenas começando, mas me ofereço esses minutos de tranquilidade para curtir a realização de alcançar algo que venho buscando há tanto tempo.
Esses personagens surgiram lá em 2005, essa conquista serve para provar ao "eu" criança de 10 anos que é possível, sim, alcançar seus sonhos. E pensar que escrever fanfics de Pokémon me levaria a descobrir algo que amo, escrever me tornou uma pessoa melhor. Coloquei meu coração nessa história e mal posso esperar para compartilhá-la com vocês.
Há cerca de 7 anos, um leitor aqui do blog me mandou um e-mail dizendo o seguinte: "Cara, já pensou em publicar um livro infantil? Porque você tem muito talento! No dia em que você lançar, eu estarei lá para comprar". A verdade é que não sei mais onde anda esse leitor, nem faço ideia se ele ainda frequenta esse blog ou se chegou a conferir a conclusão do Aventuras em Sinnoh em 2015, mas vocês não fazem ideia de como essas mensagens me motivaram a continuar seguindo em frente. Não se trata de uma só pessoa em especial, foram todos vocês, cada leitor desse blog amado que me ensinou a escrever, a lidar com críticas, me deu confiança e elevou minha criatividade ao nível máximo do que eu era capaz de oferecer.
Esse livro é para vocês. Obrigado por todo o carinho.
Matéria - Espada de Madeira, está disponível agora para compra. Que nossas aventuras nunca terminem!
Cortinas de Prata
Cortinas de Prata
Capítulo Especial - Sinnoh x Johto
Dez
e vinte e quatro da manhã. Era uma terça-feira. O dia mais longo da minha vida.
O
despertador tocou sete da manhã, minha mãe e eu estávamos hospedadas em
Mahogany para visitar o vô Pryce que estava de cama. Já fazia alguns meses que
comecei a visitá-lo todos os dias, ele estava meio fraco, mamãe dizia que era
bom os netos estarem por perto o máximo de tempo possível.
A
casa estava silenciosa, mas, como de costume, minha avó Katherine já estava na
cozinha preparando o café da manhã. Cumprimentei-a com um beijo no rosto e
olhei para o quebra-cabeça inacabado na mesa de sala — três mil peças, esse ia demorar um
bocado.
— Vivian, sobe aqui, depressa!
— minha mãe chamou com urgência.
Subi as escadas às pressas e
me deparei com meu avô deitado em sua cama de bruços. Ele respirava com
dificuldade, escorria baba de sua boca, seus olhos mal conseguiam se abrir;
minha mãe sempre soube como lidar com situações adversas, eu não. Ela tomou o celular
na mão e ligou para um tio médico, precisava descobrir o que estava
acontecendo. Fiquei em choque, há pouco menos de duas semanas o vô Pryce
parecia tão bem, estava rindo de meus comentários e resmungando com seu mau
humor costumeiro... Do dia para a noite, foi como se ele tivesse envelhecido
dez anos, seus cabelos sempre bem penteados estavam todos desgrenhados, a cama
fedia a mijo, sua comida permanecia intocada na mesinha de canto.
Minha avó entrou no quarto
trazendo um pratinho com pão e mortadela frito. Parecia que nem ela havia
notado a súbita piora do meu avô.
Após receber as instruções do
meu tio, mamãe começou a correr pela casa feita louca. Lembro dela ter me dito
no dia seguinte: “Eu pedi pro universo me mandar alguém, qualquer pessoa, porque
eu não conseguiria fazer aquilo sozinha”. Não demorou muito para que minha tia
Neusa de Azalea chegasse — como um sinal divino —, e ela percebeu que a
situação requeria urgência.
Deixei o quarto, porque eu
não estava com cabeça para aquilo. Eu sabia que ia acontecer. Não quis negar, pois
sabia das condições e da doença dele, mas encontrei dificuldades em compreender
como a vida seria dali em diante. Subi e desci a escada mais vezes do que
deveria, eu só não queria estar lá dentro, ficava repetindo a mim mesma: “Por
favor, por favor, não deixa eu estar perto quando acontecer”. Observei cada
quadro na estante, o meu favorito era um do vô bem novo carregando sua Swinub
gorducha no colo, a primeira captura dele; cada objeto velho que trazia tantas
histórias que eu ainda não conhecia; o tempo estava acabando, e por um breve
instante fui assolada com a ideia de que não tinha aproveitado como deveria.
Minha mãe passou às pressas
pelo corredor com os cobertores sujos. Enquanto ela estava ocupada, fui até o
quarto e me sentei do lado do meu avô. Eu não sabia se ele estava me ouvindo,
mas também não encontrei nenhuma palavra que oferecesse conforto, por isso só
segurei sua mão, o que é curioso, não éramos de nos encostar muito. Fiquei
acariciando-o de leve, como se tivesse a esperança de que minha presença o
confortasse.
— Pai, pai. Você quer ir ao
médico? — minha mãe falou com a voz solene. Era surpreendente o quão tranquila
ela aparentava, dada a situação.
Meu vô mexeu a cabeça devagar
— um sinal de que ele estava sim nos escutando —, mas fez que não com a cabeça.
Decidimos deixá-lo tranquilo, enquanto minha mãe fazia conforme meu tio médico
indicava pelo telefone.
Foi surpreendente como a
notícia correu rápido. Em menos de duas horas, recebemos a visita de pelo menos
seis parentes diferentes. Todos ajudavam com o que podiam, fiquei mais
tranquila com a presença deles porque, sinceramente, eu não estava em condições
de consolar a minha avó. Dona Katherine sempre foi uma mulher muito forte,
mesmo que os dois nem fossem mais casados, quando ele começou a piorar, ela se
mudou para Mahogany para cuidar do meu avô todo santo dia — preparava café,
almoço e janta, aguentava os xingamentos (até porque gente velha é assim, gosta
de xingar), limpava a casa, trocava os lençóis e no dia seguinte estava pronta
para repetir a dose.
Eu estava sentada na varanda
quando ouvi minha tia cochichar para minha mãe:
— Chegou a hora.
Respirei fundo e fechei os
olhos. É, chegou a hora.
Quando subi para o quarto, me
deparei com o corpo na cama. Vi minha avó sentada do ladinho dele, acariciando
seu cabelo devagar. Eu digo que a mulher é forte, porque ela derramou uma
lágrima, só uma. O homem da vida dela havia acabado de falecer, mas ela não fez
estardalhaço, não perdeu o controle, nem demonstrou — era como se ela
compreendesse que, frágeis como somos, um dia a morte chega para todos. Eu dei
um abraço forte na minha mãe que também se permitiu chorar um pouquinho, mas
havia muito a que se pensar: Onde seria o enterro? Como fazer o anúncio? O que
fazer com o corpo? Qual o melhor velório? Quem ia assumir o ginásio?
É, morrer dá um trabalhão. O
que mais doeu nessa primeira parte do dia foi ver o irmão mais novo do vô
chegar. Ele é meio surdo, tadinho, e foi a última pessoa a conversar com ele em
vida. Minha mãe disse que o vô estendeu o braço e sorriu, como se só o
estivesse esperando chegar para enfim descansar. Eles eram em cinco irmãos,
agora só sobrava um. Eu sou filha única, mas, cacete, deve doer ver todo mundo
indo embora até só sobrar você.
— Vivian, querida, pode abrir
a janela? — pediu minha avó.
Eu abri os vidros e, nossa.
Que dia lindo pra morrer. Sério, a frase pode parecer sarcástica, mas estava um
dia incrível mesmo, nada daquela chuva ralinha dos filmes e paleta de cores
cinzenta que os cineastas costumam usar quando querem passar um clima mais
tenso; estava fresco e ensolarado. Se eu tivesse que escolher uma forma de
morrer, queria que fosse assim. Meu vô não queria que seus últimos momentos
fossem enclausurados em um hospital, talvez entubado, lutando para sobreviver
mesmo diante da derrota iminente, com gente estranha correndo no corredor e uma
máquina apitando do lado; ele estava cercado das pessoas que amava, no conforto
de sua própria cama e na segurança de seu lar.
A notícia da morte correu
ainda mais depressa, logo começou a vir parente de tudo quanto é parte. A
primeira a chegar foi a prima Katy, que por sorte havia acabado de voltar de
Kalos para passar umas férias; ela me abraçou acanhada, meio que sem saber o
que fazer, porque sabia o quanto eu era apegada com meu avô.
— Ei, Vi... como é que está?
— Ah, eu tô bem — respondi
com sinceridade.
Nós nos sentamos na beirada
da cama, o corpo do meu avô já havia sido retirado. Na mesinha de canto, vi o
prato que minha avó havia preparado para ele — sua última refeição.
— Ele não comeu o pão com
mortadela — falei.
E, pela primeira vez no dia,
me permiti chorar, pois percebi que ele nunca mais ia tomar café da manhã
comigo.
Comecei a mastigar o pão
mesmo sem fome, eu não ia permitir que o último café da manhã dele fosse pro
lixo. Céus, minha cabeça estava uma ameba. Katy me abraçou, e eu lembrei que o
dia ainda nem havia começado.
O que veio a seguir foi uma
sucessão de cenas esquisitas. Muita espera e correria, é como falei, morrer não
é fácil. Mamãe precisou ser muito forte, perdi um vô, mas ela perdeu um PAI.
Quando alguém morre, tem tanta burocracia envolvida que você pode ter certeza
que pelo menos um mês inteiro você não vai ter tranquilidade; é caixão,
cemitério, contas a acertar, termos e contratos, aposentadoria, muita coisa
para passar adiante. Enquanto os adultos discutiam, eu me sentei na cadeira de
rodas do vovô e comecei a ir para frente e para trás. Quis experimentar um
pouco a sensação, saber como ele se sentia, eu nunca havia percebido como era
desconfortável, por que ele nunca me contou? Quando uma tia me viu ali sentada,
ela ficou em choque. Não sei se pensava que eu estava desonrando a memória
dele, mas a cadeira agora era minha, pô.
Recebemos uma ligação por
chamada de vídeo, e esta deve ter sido a parte mais doida do dia. Adivinha quem
era? Irmão da minha mãe, um cara que se mudou para uma região distante para
virar Mestre Pokémon e nunca deu satisfação a ninguém. Fazia uns quinze anos
que eu não o via, ele nem era considerado parte da família; tinha sua própria
vida longe de nós e, em todo esse tempo, ele nunca ligou para saber como
estávamos.
“Como é que ele está?”,
escutei a voz abafada do outro lado.
— Ele já morreu... — minha
mãe respondeu.
“Posso vê-lo?”
Sério? Sério que ele queria
ver um corpo morto? Por que ele não veio visitar quando enviamos uma carta,
dizendo que a saúde do vô tinha piorado? Por que ele nunca visitou o pai nos
últimos quarenta anos? Ou melhor, por que ele não volta AGORA? Seria um ótimo
momento para se redimir, rever todos nós, contar sobre sua vida nova e depois
voltar, ninguém estava pedindo para ele ficar para sempre. Minha mãe levou o
celular até o quarto e mostrou o corpo lá parado, sei lá, vai que ele achava
que era brincadeira.
“Tudo bem. Tchau”.
E essa foi a última vez que
ouvi falar do meu tio. Mamãe já nem liga mais, ela diz que não devemos julgar a
dor dos outros, mas... “Posso ver o corpo dele?” Fala sério, puta que pariu.
i
Aqui começamos a segunda
parte desse longo dia, vamos dar um pulo para o velório, porque aparece muita
gente famosa e vocês vão gostar. Sabe, uma das maiores doenças que assola os
idosos é a depressão — eles acham que já não são mais úteis para ninguém, um
peso no mundo; palavras de amor e gestos de carinho se tornam cada vez mais
raros e a fragilidade diante do que um dia foram piora ainda mais a situação.
Meu avô fechou o ginásio há alguns anos, e isso acabou com ele. Batalhar era
sua vida, mas é engraçado pensar que ele também tinha hobbies. Lembro quando
ele me contava sobre a guerra, e me presenteou com uma medalha de sua
participação! Desde então, comecei a chamá-lo de “capitão” em reconhecimento ao
seu cargo como líder de ginásio. Pryce gostava também de pescar, atividades que
seus colegas da Liga desconheciam. Na verdade, tem muita coisa sobre ele que
nem eu sei.
Como ele morreu bem cedinho,
o corpo só ficou pronto lá por volta do meio dia e o cemitério só ficaria
aberto até as quatro. Minha mãe decidiu adiar o enterro para a manhã seguinte,
dessa forma todo mundo que pegou um avião ou se juntou ao seu Pokémon voador
para comparecer ao enterro teria tempo de chegar.
Só que isso significava
passar a madrugada inteira ali, o que se revelou como uma experiência bem louca
por si só.
Eu não me vesti de preto
naquele dia, não dá pra imaginar uma Vivian de preto. Eu até que estava bem, me
recuperando, achava que o pior já tinha passado.
— Vi, acha que pode postar
uma mensagem no seu perfil, avisando todos do ocorrido? — perguntou minha mãe.
— Sim, claro — respondi. Ela
não queria nada muito elaborado, só pediu para anotar o endereço e o horário do
velório, para as pessoas se programarem. Passei uns trinta minutos pensando em
como escrever até conseguir algo satisfatório, e enfim, postado.
Meu texto atingiu umas
duzentas e cinquenta curtidas e mais de cem comentários. Uau. Nem minhas fotos
de biquíni chegam a tanto.
Quando chegamos ao velório,
vi gente de tudo quanto é canto, reencontrei amigos que não via há anos e
recebi a visita de pessoas que eu menos esperava. O pessoal da Liga Pokémon
garantiu o quarto mais chique, e nas primeiras horas da manhã não demorou para
lotar; todos os líderes de ginásio da região de Johto compareceram, cada um
trazendo uma mensagem motivadora ao seu próprio estilo.
— Que linda declaração de
amor, Virginia! — encorajou Chuck, contendo uma ou duas lágrimas. Nem fiz
questão de corrigir meu nome. — Ele foi um lutador, um verdadeiro capitão!
— Sei como é perder alguém
querido, minhas orações estarão com você e toda sua família — falou Jasmine.
— Meus sentimentos — disse
Clair.
— Seu avô foi um verdadeiro
amigo de muitas histórias, ele era de uma sabedoria infinita. Que encontre a
paz — continuou Morty. — Saiba que a morte nada mais é do que uma jornada que
todos nós teremos que tomar.
Se eu disser que não sorri
nesse dia, eu estaria mentindo. Que surpresa foi a minha ao me deparar com
Ethan e Amy juntos; ele sem o boné, todo tímido e comovido; e ela com um par de
óculos escuros maiores que o rosto para esconder os olhos inchados, sem perder
a pose. Amy me abraçou forte, não perdi a oportunidade para brincar e dizer: “Tu
ainda me deve uma bike”. Nós duas
rimos muito, naquela hora eu estava realmente feliz por vê-los.
Junto de Ethan, era claro que
tinha de vir todo o seu fã clube. Muitos velhinhos ali conheciam Pryce, alguns
haviam estudado com ele quando pequenos, outros eram colegas de trabalho ou
apenas espectadores que tinham tido a chance de assistir a uma das tantas
batalhas incríveis que ele travara.
Um senhorzinho que eu não
conhecia o nome chegou para mim e falou:
— Vivi, tenho sessenta e um
anos e amaria ter uma neta como você. Um dia, quando eu partir, gostaria de
receber uma homenagem como aquela que você escreveu. Esteja onde estiver, tenho
certeza que ele está muito orgulhoso de ter convivido com você, que Arceus
possa consolar os corações de todos que amam seu querido avô.
Sabe, ouvir aquilo de um
estranho me deixou muito feliz. Eu, uma neta exemplar? Nunca fiz nada para
merecer tal reconhecimento, só postei alguns pensamentos em uma rede social,
mas parecia que todo mundo tinha lido. O velório estava lotado, meu avô estaria
surpreso! Ele amava receber atenção, mas me entristece pensar que não está mais
aqui para ver quanta gente se importava com ele. A vida é cheia dessas, quantas
vezes nós só arranjamos tempo para visitar alguém depois de que ela já morreu?
Sabe aquelas coroas de flores? Ele recebeu sete, todas lindas e bem decoradas,
quase não tinha mais espaço do lado do caixão. E as visitas não paravam de
chegar, o ambiente era preenchido por aquele burburinho baixo, uma risada
ocasional irrompendo pelo aposento, uma fungada ou outra para esconder a
choradeira.
A cena que mais doeu em mim —
na verdade, em todo mundo que estava presente — foi quando chegou o irmão mais
novo do meu vô. Como mencionei, ele é meio surdo. Eu o vi se aproximar do
caixão, mas acho que não tinha noção de estar falando alto demais.
— Meu irmão! Meu irmão! Agora
eu estou sozinho, e quem cuidará de mim?
Ele foi guiado por uma das
netas, seu corpo tremendo e o nariz fungando, e nós ainda podíamos ouvi-lo
repetir: “Agora só sobrou eu... me sinto tão só. Por que vocês me deixaram?”
Stanley, meu namorado, foi o
próximo a chegar, quase comecei a chorar só de vê-lo na porta. Ele ficou ao meu
lado até o fim, ouvindo, falando quando necessário. Sua mera presença me
confortava, foi muito importante tê-lo por perto. Eu não estava esperando ver
tanta gente vinda de Sinnoh, era uma viagem longa, até hoje não sei como eles
fizeram para chegar tão rápido. De noitinha, Luke e Lukas chegaram com sua
família, fiquei de boca aberta ao saber que até o pai deles, o famoso ex-campeão,
Walter Wallers, também estava junto.
Lukas, meigo como sempre,
quase me arrancou mais lágrimas. Luke, por outro lado, me fez rir quando eu
achava que meu mundo não tinha mais cor.
— Vivian, você é uma das
primeiras e únicas pessoas nesse mundo que tiveram a proeza de fazer meu pai
chorar — disse Lukas. — Sério, quando ele leu aquele seu texto, mamãe me contou
que o viu chorando bem baixinho, escondido no quarto.
Conversar com aqueles dois
irmãos no meio madrugada me deu mais energia para aguentar as difíceis horas
que se seguiram — afinal, o enterro só poderia ser feito às oito.
— Ei, Luke, acha que pode me
emprestar os óculos escuros do seu Garchomp? — perguntei.
— Claro, por quê?
— Sei lá, só pra me prevenir.
Depois eu devolvo.
Meus amigos de Sinnoh não
pararam de chegar, acho que não consegui esconder minha cara de terror ao me
deparar com Marley, minha rival de longa data dos tempos do Grande Festival.
Ela só veste preto, naturalmente, então não estava muito diferente do que eu
estava acostumada a vê-la, mas quando me abraçou, meu peito se apertou ao
perceber que ela também chorava.
— Você precisa ser forte
agora — disse Marley.
Dawn e Cynthia foram as
últimas a chegar, quase às três da manhã, quando fazia mais frio. Em outros
tempos, eu diria que aquele encontro teria sido muito feliz, meus amigos de
jornada, todos reunidos. Quando eles souberam que eu passaria a madrugada toda
no velório, eles prontamente se ofereceram para ficar lá comigo. E como eu
poderia recusar? As horas passaram mais depressa na companhia deles, tínhamos
tanto a discutir.
Quando o dia já ia
amanhecendo, a maioria já havia adormecido como puderam nas desconfortáveis
poltronas. Melyssa nos trouxera um bolo, e Cynthia saiu para comprar o café da
manhã. Eu estava deitada no colo de Stanley, com os olhos pregados de tanto
sono, quando senti que queria compartilhar uma experiência com ele.
— Eu me lembro do último ano
novo que comemorei com meu avô.
— E o que vocês fizeram? —
perguntou Stan.
— Quando bateu meia noite,
ele começou a chorar. Eu fiquei sem reação, afinal, estava todo mundo
comemorando o começo de um novo ciclo, se abraçando e brindando, enquanto eu
fiquei lá parada do lado dele na cadeira de rodas, sem conseguir abraçá-lo.
— Mas você estava ao lado
dele, Vi. E eu garanto que isso o deixava contente.
— Acho que ele sabia que
havia chegado a hora. Gosto de dizer a mim mesma que, nesse momento, um anjinho
chegou bem perto dele e falou: “Sr. Pryce, esse é seu último ano aqui na Terra,
tá bem? Aproveite o máximo que puder”.
Oito horas da manhã, o céu
clareou e o dia continuava lindo.
Olhei uma última vez para o
rosto de meu avô antes de fecharem o caixão.
— Quem irá carregá-lo? — ouvi
Dawn perguntar baixinho.
São necessárias seis pessoas
para carregarem o caixão, é um percurso curto, mas muito significativo. Eu me
enchi de orgulho ao saber que na frente iriam o tio Walter e o Lance, que
chegara havia pouco de uma viagem de emergência, só para o enterro; os outros
três foram o Chuck, Falkner e Ethan; normalmente eles preferem que apenas os
homens façam isso, mas qual foi a minha surpresa ao saber que eu seria a última
convidada.
Foram os doze metros mais
longos da minha vida.
Fizemos a caminhada em
silêncio até o cemitério, fui subindo de mãos dadas com Marley e Stanley de
cada lado. Mesmo que a maioria das pessoas que compareçam no velório não fique
até a hora do enterro, ainda devia haver umas sessenta pessoas, o suficiente para
fechar a rua. Minha mãe sempre disse que velório não é lugar para a criança,
por isso nenhuma das minhas primas de Azalea mais novas compareceram — o que
foi um alívio, eu não teria suportado ver nenhuma delas chorando.
Nossa longa jornada estava
quase chegando ao fim. Na pequena catedral, tivemos nossa última despedida do
vovô, de um jeito mais particular. Fazia anos que eu não entrava em um
cemitério, mas desde aquele dia eu tenho ido todo mês levar algumas flores,
acender velas. Meu pai costumava dizer que não gostava de cemitérios, porque o
que ele tinha para dizer aos vivos já havia sido dito, mas eu gosto dessa ideia
de prestar as devidas homenagens aos mortos. É um ambiente sagrado, e muito
belo se você souber reparar.
Os adultos levaram um tempão
decidindo se o vovô seria enterrado do lado Azalea da família ou como um membro
honorário da Liga, mas foi minha avó quem deu a palavra final:
— Ele sempre quis que
fôssemos enterrados juntos — disse Katherine.
O túmulo da nossa família é
bem grande, espero que o vovô goste. Eles destamparam o mármore e, enquanto
dois homens desciam o caixão, nós ficamos lá, olhando.
Eu vi Lance tirar um
papelzinho do bolso do paletó. Ninguém tinha me contado que ele havia preparado
um discurso, imaginei que seria incrível um homem respeitado como ele dar as
últimas palavras ao falecido. Com seu vozeirão, Lance começou a falar:
— Ontem a noite, me pediram
para dizer algo bonito na hora do enterro, mas para ser sincero, eu não
encontrei nada que chegasse nem aos pés dessas palavras tão lindas e honestas
que eu lerei aqui para vocês.
Os homens continuavam cavando.
Lance abriu o papel e começou a ler:
— “Hoje uma garota se despede
de seu capitão”.
Ah. É o meu texto. Coloquei
os óculos escuros, porque ia começar a chover.
“Hoje uma garota se despede
de seu capitão. Meu avô encontrou a calmaria depois da tempestade. Fico a
pensar em todas as lembranças dessa longa viagem, quando o conheci ele já tinha
os cabelos branquinhos e, apesar de eu ter tido a chance de acompanhá-lo por um
breve período de sua vida, sinto muito orgulho deste velho capitão — das caras
engraçadas que ele fazia e dos momentos de lazer com quebra-cabeças, do eterno
carinho pela minha avó que me faz acreditar no amor.
Oitenta e cinco anos de
aventuras! Lembro quando ele me deu uma medalha que diz ter ganhado nos seus
dezoito, de volta aos tempos da guerra. Será que ele lutou bravamente? Ele era
um líder, um verdadeiro treinador; mas também um pai dedicado, um avô
brincalhão, um amigo gentil. Ele amava andar com sua Swinub gordinha debaixo do
braço, mas ela se foi antes. Hoje cedo ele também descansou em sua cama
confortável e, veja só, estava um dia lindo! Muito bom para pescar, uma de suas
atividades favoritas. Nós deveríamos ter pescado mais, só que eu sempre morri
de nojo de pegar nos peixes, desculpe... Eu coloquei uma roupa bem bonita hoje,
porque ele gostava de me ver chique, prendi a medalha no peito para me lembrar
de todas suas conquistas e vitórias até aqui, mesmo as que conheci apenas
através de breves histórias.
Hoje, as cortinas de prata
abrem caminho para praias brancas. Independente da crença ou religião, espero
que lá no futuro possamos nos encontrar de novo num barquinho, onde meu bom e
velho capitão estará me esperando com sua Swinub gordinha do lado. Ele vai me
olhar com aquele sorriso tão raro e espontâneo, do jeitinho como lembro, e vai
dizer:
— Vivian, que bom que está
aqui comigo!”
Saudades eternas, vovô. Me
espere.
Em homenagem à Teruo Ikeoka.
14/10/1931 ~ 28/03/2017
Artbook - Dawn Manson 2.0
Se a Vivian passava a sensação de ter sido completamente abandonada da terceira temporada em diante, temos aqui a campeão do esquecimento — Dawn Manson tinha tudo para ser a verdadeira protagonista da jornada, é com ela que começa a aventura, desde o Capítulo 1 até o incidente com as famosas batatas gratinadas. E nunca, em momento algum, ela segue sua motivação de querer se tornar uma pesquisadora.
Tudo bem, no começo até vemos um pouco de sua experiência ao lado do Profº Rowan, mas isso se perdeu conforme a história progredia e havia inúmeros fatos mais interessantes para se trabalhar, como a Liga Pokémon, o Grande Festival e o Team Galactic. Dawn sequer teve um final decente, até o último capítulo ela foi apenas a parceira romântica de Luke e, para quem leu o Capítulo 100, deve ter sido um choque saber que os dois terminam. Mas a verdade é que esse foi o momento para que ela crescesse de verdade.
Dawn só recebeu a atenção que merecia no Capítulo 101, onde descobrimos que ela passou a viver com Cynthia e começou a faculdade. No Aventuras no Desconhecido, vemos um pouco mais de seus esforços com o estudo e nos divertimos com o jeito mais responsável dela, ainda que a garota meiga e insegura continue ali em algum lugar. Precisei de mais de 250 capítulos e quase nove anos de história (AeS nasceu em Março de 2010), para entender o que eu queria para a Dawn e apresentar um desfecho adequado. O que será que o futuro guarda para essa jovem aspirante a pesquisadora?
Artbook - Vivian Chevalier 2.0
Vivian Chevalier é uma das personagens que eu mais senti que foi injustiçada no final do Aventuras em Sinnoh. Depois de ter brilhado tanto na Saga Pérola, aos poucos ela foi dando espaço para outros personagens mais interessantes e até mesmo para os Pokémon com a ascensão dos Fire Tales, de forma que acabei deixando para trás uma das primeiras rivais da jornada que deu as caras ainda no Capítulo 6.
Naquela época, eu usava uma arte "roubada" do Deviant, mas depois que a história tomou mais forma comecei a ilustrar meus próprios personagens e a Vivian foi ganhando uma carinha nova. Ela cresceu bastante de lá para cá, de simples treinadora de Pokémon inseto ela ganhou uma trama mais profunda com a chegada das famosas Primas de Azalea, que infestam todo o universo da Aliança Aventuras.
Sua mais recente aparição foi no especial do Aventuras no Desconhecido, que acontece três anos depois do final da jornada dos Irmãos Wallers. O que me fez voltar a prestar atenção na Vivian foi porque ela deu as caras tanto em Kalos quanto em Johto, e a forma como o Haos e o Dento a trataram com tanto carinho me fez lembrar porque eu gostava tanto dessa personagem. A arte da Vivian criança é baseada em sua aparição em Johto, isso oferece alguma dica de onde se situa a timeline da Aliança Aventuras?
Notas do Autor [AnD 4]
E assim, encerramos mais uma história aqui no Aventuras em Sinnoh... será a prelúdio de uma nova jornada que começa? Será a última? O tempo dirá.
Quando planejei o final para o Aventuras no Desconhecido, pensei em todos os autores que deixaram suas histórias em algum momento. É (in)direta pra todo mundo, sim. Cada fic abandonada é um mundo que nunca mais verá a luz do dia, quem sabe até fosse algo que teria grande potencial. Gosto de pensar que quando se abandona seus personagens eles vão parar em um lugar distante, quem sabe um mundo inverso onde possam encontrar um desfecho adequado. Nos primórdios da Aliança Aventuras, quando o Thiago ainda escrevia a história das Ilhas Laranja, lembro que a Julia era uma das personagens que eu mais adorava. Fiz desenhos dela e até participei do Talk Show que na época me fez dar tanta risada. Hoje, é como se a Julia já não existisse mais para as outras pessoas. Ela vive apenas na minha memória, exatamente como aconteceu com a Vivian.
Quando penso na história da Julia, para ser bem sincero, eu já me lembro de pouca coisa. Tenho vagas lembranças da sua personalidade, de como ela era divertida e me fazia rir... mas a presilha em forma de borboleta foi algo que me marcou. E o ato final da Vivian, em entregar a presilha, significa que ela também a deixou ir. Não há mais necessidade em prender Julia nas suas lembranças até que elas desapareçam por completo, é a forma de mostrar que a Vivian cresceu e a perdoou por ter ido embora. Agora, cada uma trilhará caminhos diferentes, como acontece na vida. Mesmo que a antiga história das Ilhas Laranja já nem exista mais, sinto que eu devia isso para essas personagens.
Escrevam muito, sigam seus sonhos, se esforcem por tudo aquilo que vocês criaram. Você é o seu mundo, e ele importa demais, nem que seja apenas para você e alguns bons amigos.
E emendando no assunto de interligações, espero que vocês tenham notado aquela aparição inusitada na colina... É, meus caros, agora a nossa tão falada timeline está se formando e temos aqui algumas pistas das grandes!
Ah, e não podemos deixar de falar sobre o real motivo que levou Vivian a sair dessa jornada. Ela precisava descobrir algo novo sobre si própria, ou talvez apenas redescobrir uma saudade que já existia. As fotos são extremamente importantes para a trama, pois é no mural onde ela prende essas lembranças de tudo aquilo que viveu para o resto da vida e, quando olhá-las, poderá sentir aquele misto de saudade e nostalgia. Eu gosto de imaginar que o blog é o mural de vocês, e vez ou outra os leitores também voltam aqui para sentir esse misto de emoções.
E agora, vamos para a última sessão de fotos e referências ao Pokémon Snap original!
Victreebel maneiro. Pra conseguir fotografá-lo, você precisa acertar uma maçãzada na cabeça do pobre Weepinbel e afogar ele na água. Eu amo esse jogo. |
O famoso ovo de Articuno. Isso aqui faria qualquer jogador da franquia principal arrancar os cabelos, afinal, "ain, Lendário não tem como dar ovo nem procriar e mimimi". |
Uma das paisagens que acho mais bonitas nesse jogo (claro que dentro dos padrões que um Nintendo 64 oferecia), logo no comecinho do vale. |
Outro ponto chave foi a cabana misteriosa. No jogo, assim que acessamos esse local a primeira vez o profº Carvalho nos fala sobre os signos Pokémon e pede que voltemos para fotografá-los, e depois ela fica completamente abandonada. Que fim levou? Será que alguém fez desse lugar sua morada? Hm... |
E só para fechar, eis aqui algumas explicações para quem não entendeu o final: apesar de Vivian estar satisfeita com a resposta de que o misterioso C era de Cynthia ou Carvalho, na verdade o remetente secreto não era ninguém menos do que... um certo Canas Ominous, conhecem? Uma singela carta do autor — ou seria do destino? — que trouxe de volta uma personagem que recebera tanto carinho no passado e nunca encontrou uma conclusão adequada.
E assim, posso dizer que sinto o coração leve e a mente tranquila ao saber que Vivian, Stanley e até mesmo Dawn continuam a viver suas aventuras com tanta dignidade quanto os Irmãos Wallers, livres e eternos na mente dos leitores que abrirem esse blog para ler mais uma página.
Aventuras no Desconhecido [Capítulo 4]
Capítulo 4 – Cavern
& Valley
[FINAL]
[FINAL]
Os dias
que se seguiram na Ilha Pokémon foram repletos de surpresas agradáveis e
paisagens exuberantes. Dawn lhes mostrara uma passagem secreta descoberta na
saída do riacho que levava a uma caverna oculta repleta de cristais, onde
Vivian e Stanley se depararam com criaturas incríveis de todos os tipos. A
ruiva tomava todo cuidado para que o flash da câmera não cegasse nenhum
Pokémon, por isso as fotos não ficaram tão boas; estavam mais ocupados tentando
fugir de um Victreebel furioso e um Muk fedorento, adormecido na fenda mais
profunda da caverna. Dentre as maravilhas encontradas, os vestígios do ovo de
Articuno foi o que mais recebeu atenção, tanto que Stanley precisou guardar uma
lasca tão dura e brilhante quanto um diamante.
Logo
completaria uma semana que estavam alojados — ou melhor, perdidos — na ilha
remota. Em dados momentos, sentiam como se tivessem ficado presos em um parque
de diversões que fechara para uso exclusivo no fim de semana, sem horário para
voltar e nem pais para fiscalizar o que quer que estivessem fazendo.
A
preocupação com a forma que encontrariam para escapar dali parecia uma
realidade distante — a selva oferecia alimento de sobra, tinham a água potável
de nascentes e até energia por conta dos geradores na usina que alimentava o
laboratório onde Dawn fazia sua pesquisa. E se decidissem ficar? E se aquele
era seu destino, viver como um Pokémon selvagem? Primeiro, eles precisavam
sobreviver aos desafios da ilha.
A famosa
cadeia de montanhas que formavam a imagem de um Dugtrio podia se vista do
início do vale. O ZERO-ONE se adaptara ao seu formato de bote e agora flutuava
tranquilo no percurso, guiado pela correnteza que descia o vale.
— Rema, Stan! Esses seus bracinhos só servem pra fazer massagem? — gritou Vivian.
Os dois
não contavam que ZERO-ONE apresentaria um defeito durante a excursão. Vivian e
Stanley se espremiam dentro do automóvel tentando não se molhar; não fora uma
boa ideia os dois terem ido juntos, deviam ter escutado a voz da consciência de
Dawn que insistiu no fato dele ter sido construído para um único passageiro.
— Deixar
nossos Pokémon no laboratório foi uma ótima
ideia, viu — disse Vivian irritada, pressionando a mesma tecla havia uma hora. —
“Drinian e Primia precisam de um tempinho juntos também, vamos deixá-los aqui
com todos nossos Pokémon enquanto saímos SOZINHOS por aí para explorar uma ilha
PERIGOSA E MORTAL!”
— Ah, mas
você não negou na hora, né? — respondeu o rapaz, empurrando o bote com um remo
improvisado feito de um galho para que não batessem nas rochas pelo percurso. —
Se ao menos eu tivesse meu Gyarados, ele nos tiraria daqui em um instante.
— Seu
Gyarados é um medroso, isso sim! Ficou com medinho de enfrentar aquele leviatã
no oceano só porque era duas vezes maior do que ele.
— O
coitado tá traumatizado até hoje... — disse Stanley. — Vou conversar com ele
quando voltarmos.
— Isso se a gente voltar.
Vivian
tentou relaxar, mas estava tensa demais. O sol forte fazia o rosto arder e a
quantidade de Pokémon aquáticos curiosos que tentavam derrubá-los era insana;
de um grupo de Squirtles arteiros até um cardume de Magikarps desesperadas em
respirar. Vivian conseguiu fotografar apenas a cauda de um Dratini que saltou
tão rápido que deveria estar usando o Extremespeed,
um Goldeen belíssimo espirrou água em seu aparelho que parou de funcionar por
breves trinta segundos — o suficiente para que Vivian tivesse um mini-infarto —,
mas quase todas as fotos do vale estavam ficando horríveis. Aquele não era
mesmo um dia para sair de casa.
— Tá
dando tudo errado — resmungou a garota, como se o universo conspirasse ao seu
favor.
— Pelo
menos temos um tempinho só nosso.
— É, mas
estou ficando meio enjoada de só poder olhar pra sua cara.
— Ouch — resmungou Stanley, chateado.
Vivian só podia estar naquela fase,
mas agora precisava aguentá-la, visto que não tinha para onde fugir.
O bote
flutuou tranquilo até uma ilhota onde um grupo de Gravelers se amontoava para
dormir. Havia muito que se olhar na paisagem do vale que era de um laranja
penetrante, suas enormes paredes de rocha se erguiam como se estivessem olhando
um cânion inundado de baixo para cima, não havia um lugar parecido com aquele em
nenhuma outra região do mundo Pokémon.
Um
Sandshrew arteiro já os acompanhava no percurso havia pelo menos uma hora. Ele
entrava debaixo da terra quando percebia que o observavam, mas parecia gostar
de seguir a estranha presença de dois humanos em sua morada. Vivian tirara
tantas fotos dele quanto conseguira.
— Tenho
um amigo em Johto que tinha um Sandslash, foi um dos primeiros parceiros de
viagem dele — disse Vivian enquanto verificava a qualidade das imagens. —
Quando eu era pequena, lembro que meu avô Pryce o enfrentou com seu Sandslash
de gelo, foi uma das batalhas mais legais que pude presenciar, gosto muito
dessa espécie desde então.
— Hm —
Stanley respondeu meio desinteressado.
— Ah, vai
começar a dar resposta seca agora? Melhor conversar com uma parede.
— Só
estou meio cansado, Vi.
— Você tá
um cu hoje, hein? Cacete — reclamou Vivian frustrada.
— Epa,
epa! Pra que tanta raiva? Isso não vai nos ajudar em nada.
— Estou
aqui tentando criar um diálogo pra essa viagem ser menos maçante e você não
colabora!
— Então
senta e aproveita a paisagem — continuou Stanley.
— É, acho
que vou mesmo. Melhor do que conversar com você.
O
Sandshrew grunhiu alto. Vivian olhou para a criaturinha que se movia de forma
frenética, como se estivesse tentando avisá-los de alguma coisa.
— Olha
lá, nem ele quer nos ver brigando, então vê se para, tá?
— Acho
que não é isso que o Sandshrew está tentando dizer, Vi...
Stanley
apontou para frente. O bote ganhava velocidade, seguindo a correnteza em
direção de uma dúzia de cascatas que desaguavam onde os olhos não alcançavam.
Os dois começaram a remar desesperados na direção oposta, o pobre Sandshrew não
tinha nem chance de se aproximar ou pedir que seus amigos do tipo terrestres o
ajudassem. Incapazes de adiar o inevitável, Stanley abraçou Vivian com mais
força para que ela não caísse do bote e os dois se deixaram levar.
O
ZERO-ONE colidiu com força contra rochas, mas sua estrutura rígida aguentou
firme. Eles desceram tão depressa pela correnteza que três Staryus apareceram
girando velozes por pensarem que eles estavam brincando. O bote mergulhou fundo
com a queda da última cachoeira, mas suas boias haviam sido feitas para
resistirem a qualquer impacto. Encharcados, apavorados e com água até o pescoço,
a correnteza pareceu finalmente dar uma trégua. O coração de Vivian batia
forte, ainda tremendo com o ocorrido, ela encostou a cabeça no ombro de Stanley
e falou baixinho:
— Estou
ficando cansada dessa ilha... por favor, vamos embora.
O rapaz
concordou com a cabeça, agora só precisavam encontrar um meio.
— Era só
o que me faltava — falou Stanley, olhando mais a frente.
Vivian notou
que a água toda do vale era sugada para o centro do que parecia um redemoinho a
poucos metros da praia. Os dois pegaram seus remos, mas estavam sem forças para
enfrentar a fúria da natureza.
— Rema, Stan! Que baita final idiota seria
se morrêssemos aqui, enfrentamos o fim do mundo e uma Liga Pokémon pra terminar
afogados! Rema! Rema! Puta que
pariu, como eu odeio esse lugar!
— É uma
boa hora para sermos salvos pelo Poder da Amizade, não acha? — gritou o loiro
em resposta.
— Tá
esperando que a Dawn apareça aqui com o Piplup dela? Vai sonhando!
O
redemoinho ganhava força, sugando tudo ao seu redor. Como de forma milagrosa,
Stanley pressionou todos os botões que conseguiu ao mesmo tempo e o ZERO-ONE
voltou a funcionar, empurrando-os com um tranco para longe do redemoinho e
levando-os em segurança para longe dali.
Vivian
respirou aliviada. Depois dessa experiência, nunca é que tentaria voltar para o
continente nas costas do Gyarados de Stanley, o oceano poderia se revelar ainda
mais cruel e imprevisível. Sem contar que o leviatã ainda estava por ali,
rondando a ilha. Como o vale desaguava no mar, eles puderam enxergar suas
barbatanas bem longe como um submarino gigante, esperando outras malas ou
viajantes desavisados para jogar no estômago.
A
correnteza se separava em duas rotas, a segunda levava para uma lagoa calma e
tranquila que foi a primeira opção dos viajantes. Para a surpresa mútua, havia
uma cabana de madeira ali. Eles estacionaram o ZERO-ONE na costa e saíram da
água alongando as pernas depois de tantas horas espremidos dentro do bote.
— Quer ir
dar uma olhada? — perguntou Stanley.
Vivian
deu de ombros. Não tinham outra alternativa que não fosse esperar o Gyarados
gigante sair da rota, precisavam levar o ZERO-ONE até os trilhos enferrujados
na praia de onde seguiriam com tranquilidade até o laboratório. A rota do vale,
nunca mais.
A cabana
era de um aspecto rústico, mas parecia recente demais para os pesquisadores que
se alojaram na ilha havia vinte anos. De mobília simples, contava com cortinas
delicadas e almofadas em formato de Pokémon que davam um toque a mais de
meiguice; havia varas de pescar nos armários e comida podre nas prateleiras,
era como se seus donos tivessem saído às pressas. Uma cama de casal de lençóis
brancos fez Vivian imaginar que as pessoas que ali moravam deviam ser felizes
com a vida que levavam; conviviam com o que a natureza os oferecia e não havia
nenhuma outra preocupação do mundo exterior para aturdi-los.
— Imagina
só nós dois morando aqui, mozão? — insinuou Vivian, já um pouco mais tranquila
e doce do que horas atrás. — Poderíamos virar nudistas, plantar algumas berries, cultivar batata... não é a
nossa cara?
— Tá
doida? Você não é mais a exímia caçadora de insetos de quanto tinha quatorze
anos. Naquela época, eu até entendo que conseguiria viver só do que a natureza
te fornecer, mas na hora que a sua última carga de bateria acabar, aposto que você
pira.
— É, mas
o sangue de Azalea ainda passa por minhas veias! — respondeu, tentando se
convencer de que não era tão dependente da tecnologia quanto Stanley insinuava.
Stanley
já deixara a cabana, mas Vivian quis dar uma última olhada. Ela ajoelhou-se e
vasculhou embaixo da cama, onde encontrou o que parecia ser uma presilha. Ao
puxá-la, reconheceu o formato na mesma hora — uma Butterfree azulada, sujo e
gasto, mas era inconfundível.
— Stan.
Stan. Stan! — Ela começou a
berrar. — Meu Arceus, você não vai acreditar no que encontrei!
Vivian
voltou correndo para o namorado com a presilha em mãos, as palavras que saíam
de sua boca mal faziam sentido.
— O que é
isso? — ele perguntou surpreso. — Algum objeto raro?
— Stan,
isso pertencia à minha prima, Julia!
i
Vivian e
Stanley correram de volta para o laboratório com o ZERO-ONE ligado no modo de
tração no máximo. Uma tempestade forte parecia se aproximar, pois uma nuvem
cinzenta do tamanho de uma cidade se formou sobre o céu da ilha. Dawn até se
assustou com a chegada repentina dos dois, estava estudando os Porygon quando
uma ventania atravessou a porta e Vivian saiu atropelando suas mesas e
anotações com a mão erguida.
— Dawn,
tem mais alguém morando nessa ilha? — A ruiva perguntou enquanto chacoalhava a
amiga. — Você viu mais alguém nesse tempo que ficou aqui? Por favor, me
responde!
—
C-calma, Vi... — respondeu Dawn, ajeitando os óculos e limpando o jaleco. —
Céus, vocês estão péssimos. Por que demoraram tanto?
— Ficamos
presos no vale, mas isso não importa agora — disse Vivian, erguendo a presilha
na frente dela. — Isso. Como é que isso veio parar aqui?
— Eu não
tenho como saber. — Dawn tentou mantê-la calma, pois percebera que o assunto deixara
sua amiga exasperada. — Antes de mais nada, onde o encontrou?
Stanley
puxou uma cadeira para que Vivian se sentasse, ela estava tensa demais para
dizer qualquer coisa, mas tentou organizar as palavras como pôde.
— Essa
presilha é idêntica à que minha prima Julia usava... só ela tinha, era uma
marca dela, quando lembro de seus cabelos loiros penso neles presos para trás
com esse prendedor, e só consigo... só consigo pensar...
— Calma,
Vi — disse seu namorado. — Antes de mais nada, quem é Julia?
— Quem é
Julia?! Ela é só a mandante das Primas de Azalea, minha inspiração! Pensa numa
atriz bonitona e multiplica por mil vezes, ela é a Gardevoir do mundo Pokémon,
ela é minha deusa, minha louca, minha feiticeira! Eu me inspirei a vida toda na
Julia, queria ser como ela quando crescesse, mas de uns anos para cá perdemos
totalmente nosso contato e, do nada, essa presilha cai em minhas mãos, só pode
ser um sinal!
Dawn e
Stanley se entreolharam, tentando ligar os pontos.
— Por que
você nunca nos contou dessa prima se ela é tão importante para você? —
perguntou Dawn.
— Nunca
contei? Hah! Como se eu... nunca contei mesmo? — indagou Vivian confusa.
— Eu
conheço todas as suas primas de Azalea — disse Stanley. — Você fala tanto delas
que conheço cada uma por nome, mas eu nunca ouvi falar de nenhuma Julia.
— Vocês
só podem estar brincando. Eu vou mostrar a diva que era essa mulher.
Vivian
tirou seu celular da bolsa e começou a vasculhar as fotos mais antigas que
tinha com a prima de quando eram crianças, mas quando chegou ao limite de suas
recordações percebeu que não havia nada. Acessou o Zap-Zapdos, mas lembrou-se
que Julia não era do tempo de smartphones
e provavelmente nem saberia como usá-los; pensou nas cartas que deixara em
casa, mas estavam longe demais para provar que a caligrafia dela estava ali, que
ela era real.
— Vi —
Stanley tocou as costas dela gentilmente. — Essa garota... existe mesmo?
— É claro
que existe! Tá me achando com cara de doida? Calma que eu vou achar, lembro
dela ter me mandado uma foto do arquipélago das Ilhas Laranja faz um tempo, era
cada cenário surreal que até parecia ser fake.
— Espera —
Dawn começou. — Ilhas Laranja?
— É —
Vivian balançou a cabeça impaciente. — Sei que quase ninguém conhece, tem gente
que nem considera canon, mas é um
baita de um lugar bonito para visitar, um dia pretendo ir até lá com minha
prima para ela mostrar a vida de luxo que tem tido nos últimos anos, porque só
aceito isso como desculpas para alguém demorar tanto só pra entrar em contato.
Quanto custa pra enviar uma cartinha pra outra região, uns quinze conto?
Dawn e
Stanley se entreolharam pasmos e pareceram compartilhar pensamentos. Vivian
continuava com os olhos fixos na tela do celular, seus amigos procuravam a
melhor forma de dar-lhe a notícia, mas nenhuma pouparia o choque abrupto que
viria a seguir.
— Vivian,
você... não ficou sabendo? — perguntou a pesquisadora.
— Sabendo
de quê?
— As
Ilhas Laranja...
— Quê que
tem as ilhas? Vai me dizer que não são laranja?
— ...
afundaram — respondeu Stanley com a voz séria.
Vivian
parou de mexer no celular e olhou para ele.
— Tá me
zoando?
— Não, Vivi,
jamais brincaríamos com isso! — respondeu Dawn. — Apareceu em todos os
noticiários na época, foi notícia por meses, um desastre terrível! Acho que foi
antes até de começarmos nossas jornadas por Sinnoh.
Vivian
começou a fazer as contas com os dedos, e o tempo em que Julia parara de enviar
cartas batia com as datas.
— Eu não
fazia ideia — murmurou a ruiva, sem reação.
— Você
tinha parentes lá? — perguntou Stanley. — Caramba, Vi, isso é terrível. Eu não
fazia ideia... você não assistia TV? Seus avós teriam te contado, alguém na sua
família saberia disso.
— Eu nunca
gostei muito de TV, tá legal? Eu sempre dizia para meus pais que não queria
saber das tragédias do mundo, nunca fui de me atualizar com notícias, mas... cacete,
vou provar que existe.
—
Existe o que?
—
Minha prima, oras!
—
Qual delas?
Vivian
abriu a boca, mas a fechou devagar.
Não
lembrava.
Não
era possível que tivesse esquecido o nome dela, era como se uma força exterior
arrancasse seu brinquedo favorito de dentro da caixa. Sabia que a conhecia,
então por que aquelas lembranças maravilhosas pareciam se tornar escassos, como
uma história contada por outra pessoa?
Vivian
abriu a galeria do celular e voltou a procurar qualquer registro da prima.
Talvez se continuasse insistindo encontraria alguma imagem ali para mostrar que
eles estavam errados, que tudo não passara de um mal entendido.
Será que
sua família também conspirara para ocultar aquela informação? Seus avós sabiam
e ela era a última a saber, como sempre acontecia? Quando se deu conta, haviam
lágrimas escorrendo pela tela principal.
— E-eu
acho que tenho o número antigo — disse Vivian com a voz trêmula. — Vou ligar
pra ela, mas talvez não me atenda porque é muito ocupada, sabe... a essa altura
deve estar bebendo Berry Juice na
sombra de uma palmeira ao lado da namorada. E-eu lembro da voz dela. Minha prima.
Minha melhor amiga...
Vivian
começou a chorar compulsivamente. Stanley tirou o celular da mão dela e a
abraçou com força. Queria confortá-la, mas sabia que nenhuma palavra que
dissesse aliviaria aquele peso. Talvez estivessem só sendo precipitados, talvez
tudo não passasse de um mau entendido que ainda os faria rir muito daquela
situação dali a alguns anos, mas naquele exato instante machucava tanto que
chegava a doer. Vivian enterrou o rosto no peito dele, agora incapaz de conter
os soluços altos e as lágrimas que molhavam sua camisa; vê-la chorar era uma
cena tão dolorida que Stanley se via desarmado, poderia chorar a qualquer
momento junto dela, mas queria ser forte para suportar o sofrimento pelos dois.
Nenhuma
foto, nenhum relato. Será que Julia viveria apenas em suas memórias?
— Por
favor, não me deixa esquecê-la... — disse Vivian, enterrando a presilha em
direção ao peito como se quisesse trocar o seu coração pelo dela. — É a única
coisa que sobrou...
Começou a
ventar muito lá fora, não tardou para que uma chuva torrencial caísse com uma
força que somente ilhas tropicais conheciam. Dawn identificou uma tempestade
vinda do oceano que ela só presenciara uma vez na vida quando era criança e lhe
trazia lembranças avassaladoras; a imagem do bote tentando evacuar a ilha de
Dewford, em Hoenn, que custou a vida de seus pais ainda atormentava seus
sonhos.
Vivian
ergueu-se depressa e se desvencilhou dos braços de Stanley, correndo para fora.
— Não
deixe ela sair, é muito perigoso! — implorou Dawn.
Vivian
correu depressa e bateu a porta. O vento estava tão forte que as palmeiras se
curvavam perante ela. Não era possível enxergar um metro a sua frente, uma
enxurrada de folhas era varrida para longe, as gotas perfuravam como navalhas.
— Pare de brincar com as minhas lembranças! —
Vivian gritou com as mãos na cabeça, como se condenasse as divindades. — Eu odeio essa ilha!
Stanley
tentou abrir a porta, mas o vento estava tão forte que precisou usar todo o
peso do corpo para empurrá-la. Ele chamou Primia, a Scizor era forte e pesada o
bastante para agarrar sua treinadora e trazê-la para dentro, mas Vivian gritava
para o céu como se esperasse uma resposta para as consequências que a
assolavam.
— Vivian,
sai daí! — gritou Stanley. — É muito perigoso!
Um raio iluminou
o céu cinzento, cortando o véu esfumaçado que se formava. Vivian fechou os
olhos e esperou ser atingida, quem sabe assim pagasse pela displicência de
nunca ter sequer investigado o motivo de sua prima ter parado de entrar em
contato havia tantos anos. Um trovão esbravejou, tão alto e ensurdecedor quanto
a ira de Thundurus. O raio veio em seguida como uma lança.
O metal
de Primia atraíra uma descarga elétrica tão forte que foi como se todos ali
tivessem sido atingidos por um Thunder.
Vivian sentiu o impacto no peito e caiu de bruços no chão a quatro metros dali,
imaginando estar morta. Na verdade, não ligava. Preferia que acabasse assim
mesmo. Com o rosto sujo de lama, ela fechou os olhos e esperou que a morte a
levasse, mas no minuto que se seguiu estranhou a calmaria que a cercara.
Uma mão
estendeu-se em sua direção. Ela olhou para cima e enxergou o rosto de Julia,
tão puro e angelical, mas com aquele semblante sacana de quem a puxaria
escondida para um banheiro público para fazer besteira.
“Vai
mesmo ficar aí deitada, sua preguiçosa? Não é assim que as Primas de Azalea se
comportam”.
Vivian
não tocou a mão dela, mas sentiu alguém levantá-la no colo.
— Graças
aos céus, ela está viva — ouviu a voz de Dawn, fraca e distante.
Não soube
dizer quanto tempo ficara naquela situação, mas pareceu levar apenas alguns
segundos. Estava com o rosto ensanguentado por uma rocha que a atingira e
sentia muito frio.
Ao abrir
os olhos, viu Stanley debruçado sobre ela com os olhos lacrimejando.
— E-eu não
saberia o que fazer se te perdesse... — disse o rapaz entre soluços enquanto a
acariciava no rosto. — Você é minha vida.
— Calma,
mozão — disse Vivian daquele jeitinho que só ela conseguia. — Vaso ruim não
quebra.
Os dois
tentaram rir, mas a situação não permitia. Primia estava muito ferida, mas
graças a ela o impacto do raio não fora nem metade do que seus treinadores
receberam. Drinian estava aninhado ao lado da Scizor enquanto Dawn revirava
seus pertences atrás de um Hyper Potion e
um Paralyz Heal. Era muito mais fácil
um Pokémon se recuperar daquele dano do que um humano.
— Eu vi
minha prima, Stan... ela tá bem — falou Vivian.
— Sério? —
perguntou ele, cheio de esperança. — E ela é bonita, que nem nas suas
lembranças?
— Linda.
Como uma deusa, uma louca, uma...
Vivian
fechou os olhos, exausta, e adormeceu um sono tranquilo onde sonhou com sua
família reunida no natal, festejando a ceia e comendo até não aguentarem mais.
ii
Após uma
noite turbulenta, a tempestade deixara estragos permanentes na ilha, Dawn
tentava tranquilizá-los ao lembrar como a natureza era única e perfeita, sendo
capaz de se recompor sozinha em questão de alguns meses para a fauna tão
característica que a compunha.
Na manhã
seguinte, Vivian foi andar logo cedo na praia para apreciar o nascer do sol. O
local estava vazio sem a presença de nenhum Pokémon, nem mesmo os Lapras ou o
Gyarados gigante deixaram suas tocas. Ficou sentada sobre um tronco de árvore
caída observando o mar quando seus amigos se aproximaram e sentaram-se ao lado,
em silêncio. Stanley sabia que quando a namorada ficava quieta demais era
porque havia algo errado.
— Vocês
acham que eu fiquei louca? — perguntou Vivian. — E se ela nunca existiu mesmo?
— É sua
prima, pô. Se você diz que a conheceu, quem somos nós para duvidar? — brincou
Stan.
Vivian
começou a massagear o coração, sentia ele estranho desde que por pouco não fora
atingida pelo raio.
— Esse
espaço no coração... parece que nada vai preenchê-lo — disse a ruiva. — Por que
as pessoas precisam ir embora? E por que depois que elas se vão nós tentamos
agir como se nada tivesse acontecido?
— Chega
um momento da vida, quando nos deparamos com a morte de alguém, que nós
percebemos como nossa existência é frágil e finita — falou Dawn. — Alguns
aprendem isso mais cedo do que outros, então começamos a nos preparar desde
então. Por isso vivemos essa busca eterna de um sentido, talvez algo que nos
eternize ou que ao menos marque as pessoas à nossa volta.
— É
errado eu sentir saudade?
— Claro
que não — disse Stanley, puxando-a para mais perto. — Saudade é uma coisa boa.
Às vezes ainda me pego chorando pela morte do meu avô. E isso não é ruim.
Significa que temos tantas coisas boas para lembrar, não? Eu guardo essas
memórias como tesouros.
— É —
Vivian encostou a cabeça nele. — Eu só queria ter tido a chance de me despedir
dela...
A garota
fechou os olhos, mas um clarão pareceu incomodá-la. Ao abri-los, viu a estranha
forma de um Pokémon descer do céu, tinha uma coloração perolada rosa e uma longa cauda, parecia brincar nas nuvens como se fossem feitas de algodão doce. Ao
tocar o chão, a criatura assumiu uma forma humana. Era uma garota loira, de
vestido florido e sorriso travesso. Vivian ficou de pé na mesma hora ao vê-la,
a humana aproximou-se. Não encontrava palavras para expressar sua surpresa.
A garota
luminosa em sua frente estendeu a mão, como se pedisse algo. Vivian percebeu
que estivera segurando a presilha de Butterfree. Ela a entregou, e a garota a
prendeu em seus cabelos dourados.
Ela
apontou para o coração e começou a fazer uma sequência de gestos que Vivian não
compreendia.
— Ela
disse que sentiu muita saudade de você — falou Dawn, surpresa ao descobrir que
faria uso da linguagem de sinais que aprendera na faculdade. — E está pedindo
desculpas por partir repentinamente.
Vivian
mordeu os lábios, mas não se aguentou; logo estava se debulhando em lágrimas de
novo. Queria abraçá-la, mas não sabia se ela continuaria ali caso o fizesse.
— “Você é
uma garota forte. Deve continuar seguindo em frente” — Dawn repetiu, atenta aos
gestos. — “Eu te amo muito. Muito. Muito. Muito. E estou bem aqui, não precisa
se preocupar. Sei como é difícil dizer adeus, parece fácil até chegar a sua
vez. Mesmo que eu não volte para casa, quero que continue prezando sua família,
pois é nela que está o seu lar.”
Vivian
balançava a cabeça infinitas vezes, usando as mãos para limpar as lágrimas e
cobrir o rosto. Jamais recusaria um último pedido de sua capitã. A garota
luminosa desviou o olhar e encarou o horizonte.
—
“Ninguém nunca sabe quando sua história vai terminar, mas... o que importa é a
aventura de viver, não?” — Dawn fez uma pausa até entender o que a última frase
significava e percebeu que estava chorando também. — “Adeus, amada e querida
prima”.
Vivian
correu para abraçá-la, mas assim que tocou seu rosto a garota luminosa se
desfez em brilho e borboletas rosadas, de onde um Pokémon de aparência felina
ergueu-se em direção do céu e desapareceu em uma nuvem colorida.
— Aquela
era... Mew? — perguntou Stanley.
Vivian
sorriu ao vê-la subir, ciente de que ela agora pertencia ao mundo, tal como sua
prima Julia — uma indomável criatura, cheia de amor para oferecer e que vivera
uma vida plena até o fim de seus dias.
Satisfeita
com o encerramento daquela história, levou a mão ao bolso da jaqueta e percebeu
que havia algo ali dentro. Quando o retirou, deparou-se com um pedaço de
guardanapo amassado e seus olhos se iluminaram.
— Acho
que acabei de descobrir uma forma de sairmos dessa ilha.
ii
De
malas prontas, os três aguardavam o resgate no lugar marcado. Stanley reunira
seus poucos pertences recuperados enquanto Dawn resumira três meses de pesquisa
em uma pasta e um pendrive, havia
inclusive estudos antigos sobre o DNA que ela encontrou em livros e pastas velhas
— pretendia lê-los e
decifrá-los com calma quando chegasse em casa. O encontro com o Mew levantara
uma interessante teoria — seria possível que a técnica Transform dava a possibilidade de um Pokémon se parecer com
humanos? Será que os Pokémon lendários conseguiam ler pensamentos e interpretar
sentimentos com um simples toque através do Synchronize?
Como provaria o que havia acabado de ver? Isso era conteúdo de sobra para começar a tese
de seu TCC na Unisyno quando voltasse e tirar uma nota 10.
Vivian
subira até o ponto mais alto da ilha. Por mais que os últimos dias tivessem
sido frustrantes, podia dizer que sentiria muita falta daquela terra inóspita
que a abraçara de forma tão inusitada, trazendo respostas para perguntas que a
acompanhavam havia tanto tempo. Balançava as pernas contente do alto do
penhasco quando ouviu alguém se aproximar.
—
Stan, vamos tirar uma última foto? — perguntou Vivian.
Ela
sentiu um estranho cheiro de fumo e, quando olhou para trás, havia um rapaz que
ela buscou em sua memória algum resquício de lembrança que o envolvesse, apesar
de não conseguir.
Imaginou
que devia ter seus vinte e poucos anos, mas a expressão fatigada de quem viu
muito o fazia parecer mais velho do que realmente era. A velha calça jeans surrada
com diversos tipos de panos diferentes remendados dava àquele jovem uma
aparência suja — sem falar na jaqueta vermelha que o vento litorâneo insistia
em fazer ser notada a cicatriz de queimadura que ele carregava no corpo e se
estendia até a altura do peito.
Com
uma das mãos ele segurava o boné branco e vermelho, mas seus olhos não se
desviavam do horizonte.
—
Então, Mew foi até você por vontade própria — disse o rapaz. — Pensei que ela
teria medo de se aproximar de humanos depois de tudo que aconteceu.
—
Quem é você? — perguntou Vivian. — Achei que a ilha fosse deserta.
—
E é — respondeu ele, se desfazendo do fumo enquanto descia a colina com as mãos
no bolso. — Nada além de fantasmas.
Vivian
desviou a atenção. Se estava conversando com fantasmas, então estava ficando
louca mesmo. Quando se virou novamente só para ter certeza, deu de cara com
Stanley.
—
Pode me explicar como é que você tinha o telefone do Falkner no seu bolso?
—
Ah, sobre isso... eu o enfrentei e conquistei sua insígnia no mesmo que dia
você chegou em Johto, era uma das novidades que eu queria te contar e acabei me
esquecendo. Ele me passou o telefone para trocarmos uma ideia, nada com
segundas intenções, só achei que seria bom ter o contato de um policial e líder
de ginásio, sabe? Mas quem diria que isso acabaria sendo útil na hora de chamar
o resgate para uma ilha, hein?
—
Calma, chuchu, não estou te julgando — brincou Stanley ao vê-la suar frio. —
Não sei quem é esse Falkner, mas se você gosta dele, então deve ser gente boa. Eu
não ligo de você ter outros amigos, não quero que fique presa dentro de casa me
esperando.
—
Uou, você é o melhor namorado mesmo. Valeu, mozão! — disse Vivian, roubando-lhe
um beijão bem dado. — Qualquer hora fazemos uma festa a três que vai ser uma
beleza.
—
Boa! Uma batalha a três seria bem divertida — respondeu Stanley que não
entendera o sentido da frase.
Quando
os dois desceram a colina, Dawn aproveitava o tempo que tinha para fazer o
último estudo do comportamento dos Lapras. A última recarga de bateria de seu
celular tinha acabado e não havia espaço para mais nenhuma foto. Vivian esticou
as mãos bem para o alto, como se pudesse tocar o sol lindo que fazia depois da
tempestade da última noite.
—
Sabe, tudo isso me fez pensar. A vida é tão curta, a gente nunca sabe
quando nossa história pode terminar e se teremos mais chances de continuar a
escrevê-la, o capítulo acaba mais cedo do que a gente espera e a temporada não
dura tanto quanto gostaríamos. — Ela virou-se
para Stanley e segurou sua mão. — Então,
AME quem te AMA! Apesar das dificuldades do dia a dia, depois disso tudo vem a
paz, e a gente só precisa encontrá-la.
A
conversa se perdeu quando o vento forte anunciou a chegada de diversos Pokémon
voadores. Um Pidgeot, um Skarmory e um Fearow grandes o bastante para carregar
seus passageiros pousaram na costa, ofereciam até mesmo cintos de segurança e
um espaço entre as pernas para levar suas bagagens. Falkner desceu da enorme
ave para cumprimentar Vivian que corou ao vê-lo vestido com seu uniforme de
polícia e a feição de galã de novela.
—
Em que confusão você foi se meter, hein, ruivinha? — brincou Falkner.
—
Você não tem noção da sorte que tive ao descobrir que seu número ainda estava
no meu bolso, e não é só isso, você foi o único que recebeu meu sinal! — disse
Vivian. — Como isso é possível?
Falkner
tirou um aparelho Nextel do bolso e falou num tom brincalhão:
—
Deve ser porque ele é meio velho.
Os
viajantes se posicionaram nos pássaros que alçaram voo, deixando para trás as
boas lembranças que a Ilha Pokémon lhes trouxera e todos os seus mistérios.
iii
Aquela
viagem parecia ter acontecido há tanto tempo. Estava deitada em sua cama com as
pernas no colo de Stanley que massageava seus pés. Com seu pijama confortável,
cabelo lavado, bateria e barriga cheias, não havia muito que Vivian pudesse
reclamar da casa de sua avó. Sentira falta das pelúcias de Spinarak e do
conforto de sua cama, nem mesmo quando ficara anos viajando por Sinnoh imaginou
que sentiria tanta falta de casa.
Havia
acabado de terminar de montar seu mural de fotos e o colocado na parede em frente
a sua escrivaninha. Imprimira tantas que fora difícil escolher apenas trinta, enchera
os arredores de imãs personalizados e frases motivadoras; queria ter algo para se
lembrar de cada fase da vida — da viagem com os Irmãos Wallers por Sinnoh, de suas
brincadeiras com cada geração de primas em Azalea, das desventuras na Ilha
Pokémon e as tantas experiências maravilhosas ao lado do namorado.
Stanley
estava terminando de assistir um episódio inédito de “Steven Stone e o Universo
das Pedras” quando Vivian espreguiçou-se e se esparramou de braços abertos na
cama.
—
Stan, eu percebi uma coisa... — Ela fez suspense até que ele perguntasse o que
era.
—
E?
—
Sou muito grata e feliz pela vida, pelos amigos e pela família que tenho.
Stanley
sorriu. Ainda era a mesma Vivian adorável de sempre.
De
repente, foi como se uma lembrança que há muito a importunava a acertou em
cheio, obrigando-a a sair correndo pela casa à procura de alguém.
—
Ô, vó! — ela gritou do andar
de cima. — Sabe onde tá aquela carta que chegou
aqui semana passada?
—
Se foi você quem guardou, é você quem deve saber! — respondeu dona Katherine da cozinha.
—
Mas tava aqui no meu quarto!
—
Ah, aquela carta? Joguei fora. Seu quarto tava uma bagunça,
menina.
Vivian
voltou a esparramar-se no sofá. Estava
frustrada, pois queria ter tido a chance de reler a carta para ter certeza de
que não deixara escapar nenhum detalhe.
—
Stan, eu estava aqui pensando com os meus botões... Quem será que era o tal de
C?
—
Do que você tá falando? — perguntou o rapaz.
—
Do remetente que me enviou aquela carta estranha, sugerindo que eu fosse
explorar a Ilha Pokémon. Ele afirmou que eu encontraria respostas para
perguntas que há muito vinha fazendo, e eu realmente encontrei, mas como é que
ele poderia ter tanta certeza disso?
—
Deve ter sido a Cynthia. C de Cynthia. Dawn falou que foi ela que a mandou para
lá, não?
— Na verdade ela disse que estava
cumprindo estágio a mando do próprio Profº Carvalho. Será que foi ele?
—
Você teria que ser muito especial para que um pesquisador do calibre dele
decida entrar em contato — respondeu Stanley.
—
Ah, tanto faz! Depois dessa loucura toda,
acho que vou pra Kalos passar um tempinho com a minha prima Kath...
Vivian
deu-se por satisfeita com a resposta de que tanto Cynthia quanto o Profº
Carvalho poderiam ter sido os responsáveis pelo envio da carta. Mas, no final
das contas, aquilo não importava mais. Nunca teria pensado que uma jornada
atrás do desconhecido a faria descobrir algo mais sobre si própria, sobre
histórias que havia deixado para trás e a maravilhosa sensação de mergulhar no
mundo Pokémon esperando apenas ser surpreendida.
Afinal, viver por si só é uma grande aventura, não?
Afinal, viver por si só é uma grande aventura, não?