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- The Post-Game 3
Dawn despertou em um local quente e abafado que não
lhe lembrava em nada o aconchego de seu quarto na Resort Area. Àquela hora da manhã estava acostumada a se deparar
com Cynthia andando pela casa vestindo apenas seu roupão de veludo cor de
vinho, segurando um copo de café na mão e esbanjando toda sua sensualidade como
quem tem plena consciência de que é a mulher mais sexy do mundo.
A garota sentou-se ao pé da cama e olhou ao redor,
procurando situar-se. Os lençóis brancos haviam sido substituídos por um trapo
velho e encardido, e o rizzotto feito na janta de noite passada fora trocado
por um copo de água morna e papéis em branco na escrivaninha ao lado.
Sua cabeça latejava, como se tivesse dormido por
tempo demais após uma madrugada de festa onde ninguém se divertiu. Quis saber
que horas eram, mas nenhum feixe de luz entrava, pois não havia janelas no
aposento.
Aos poucos a memória do sequestro lhe veio à tona, o
olfato ainda afetado lhe dava náuseas. Sentiu-se como um Rattata de laboratório
prestes a sofrer experimentos bizarros.
A porta abriu rangendo, e dela veio uma garota de
cabelos esverdeados com uma Glameow ao seu lado carregando uma bandeja de
comida.
— Bom dia — cumprimentou a moça.
— Err... oi — murmurou Dawn.
— Este é o seu almoço. Por favor,
sirva-se — ofereceu ela. O prato de comida continha um pouco de arroz, feijão,
ervilhas e metade de um bife, mas parecia apetitoso. — Espero que esteja
recuperada. O Professor Charon a aguarda em sua sala para a reunião dentro de
vinte minutos.
Dawn vestiu as roupas limpas deixadas no
armário, um uniforme cinza listrado que lhe pareceu estranhamente familiar, mas
não soube vasculhar suas memórias para descobrir de onde era. Como não havia
alternativa, decidiu dirigir-se para a reunião com o tal professor. A princípio
imaginou que fosse algum tipo de prisioneira, mas não havia grades nas portas
nem vigilantes na entrada, ela tinha o direito de ir e vir aonde quisesse, só
precisava descobrir onde estava, pois a temperatura tão elevada não era
habitual de Sinnoh.
A moça seguiu pelos corredores
cavernosos do esconderijo até seu senso de descoberta a levar a querer ir além.
Ao alcançar a sala principal do que parecia ser um laboratório de baixo
orçamento, Dawn se deparou com um velho calvo de costas encurvadas que
examinava um tubo de erlenmeyer ao lado de outros dois pesquisadores com seus
Pokémon, uma Glameow e um Stunky. Dawn bateu à porta que já estava aberta e
pediu licença.
— Oh, você acordou — disse o velho. —
Finalmente. Rápido, rápido, preciso que sua cabeça seja colocada para funcionar
o quanto antes.
— Será que vocês poderiam me explicar
primeiro o que estou fazendo aqui? — perguntou a garota.
— Claro. Antes de mais nada, sua
namorada e filha adotiva passam bem. São elas que devem estar preocupadas com
você, afinal, nós a sequestramos — o velho ajeitou os óculos, falando como se
aquilo fosse parte de sua rotina. — Por que essa cara? Você já deve estar
acostumada a ser a garota indefesa do grupo. Li tudo nos seus arquivos. Dawn
Manson. Vinte e dois anos. Natural de Sandgem, mas viveu grande parte da
infância na Ilha de Dewford ao lado dos pais. Ocupação: pesquisadora. Tipo sanguíneo O...
— Como você sabe tudo isso?
— Eu acessei aqui nesse blog. Enfim, por
que não poupamos as apresentações e vamos direto ao assunto?
— Vai me dizer que não está acostumada a
falar com estranhos? — perguntou um dos pesquisadores. Ao seu lado o Stunky
também vestia um jaleco e parecia todo chique. — Pensei que fôssemos velhos
conhecidos seus.
— Ela não deve ter nos reconhecido,
Cosmo. Já faz uns booooons anos, deve ter sido a nossa única participação nessa
história.
O velho estendeu os braços para seu
laboratório caindo aos pedaços, como se quisesse realçar toda a grandiosidade
do seu buraco escuro e desagradável.
— Isso é o que restou da Team Galactic!
Eu sou o Professor Charon, cientista chefe do setor de clonagem e responsável
geral pelo que sobrou dessa geringonça. Seja bem vinda ao seu novo ambiente de
trabalho, estagiária.
A garota revirou os olhos. Galactics outra
vez, e assim sucessivamente rumo ao infinito.
— Eu mereço... Por que vocês vilões não
tentam algo diferente pra variar de vez em quando? Aposto que estão tentando
conquistar o mundo. É sempre a mesma coisa!
— Conquistar e transformar são coisas
completamente diferentes — pigarreou Charon. — Por favor, entenda. Querer mudar
o mundo é estar destinado ao fracasso, devemos compreender como ele funciona e
nos adaptarmos para sobreviver nele. Os que restaram de nossa equipe estão aqui
reunidos por um único objetivo, e não se engane: o final a fará te enxergar o
mundo em que vivemos de outra forma.
Dawn levou um susto quando um Pokémon
saltou de dentro da tela de um computador tão velho quanto o fóssil de um
Shieldon. Seu corpo era alaranjado e feito de plasma, disparando para todos os
cantos da sala e causando curtos-circuitos, oscilando lâmpadas com o poder de
sua eletricidade.
— Ah, Rotom, meu velho amigo — disse
Charon com a voz cansada. — Por que não mostra para nossa visitante todas as
pesquisas em que estivemos trabalhando?
— Bzzzzt!
Bzzzzt! É pra já!
O corpo do Pokémon assumiu o formato de
um pendrive que ingressou dentro do
CPU velho do computador, baixando centenas de pastas que pipocavam na tela do
sistema que mal suportava a descarga de arquivos. Dawn aproximou-se da mesa
para observar do que se tratava e precisou ler apenas o título para descobrir.
— “Clonagem?”. “Fendas?”. O que
significa tudo isso?
— A ponta do iceberg — respondeu Charon.
— Os Rockets já vêm trabalhando nisso há muito tempo, e reunindo os arquivos
perdidos da misteriosa Ilha Pokémon que você adquiriu, parece que podemos
continuar progredindo e aperfeiçoar algumas etapas.
— Há anos os cientistas brincam de dar
vida, e toda vez isso trouxe catástrofes inimagináveis. O naufrágio das Ilhas
Laranja, a explosão da Ilha de Ferro em Sinnoh... — Dawn listou só para
começar. — Parece que vocês estão para repetir os mesmos erros.
— Não se preocupe, não queremos nada tão
grandioso quanto aquele idiota do Cyrus — respondeu Charon.
Dawn revelou um sorriso cínico.
— Engraçado ouvir um dos empregados dos
Galactics chamarem seu próprio chefe dessa forma.
—
Nunca entendi o que eles viam nele — disse o
professor com um suspiro —, nada além de
um homem patético e imaturo que se sufocou na própria ideia. Ele teve todo o
árduo trabalho de fundar e erguer os Galactic, e para o quê? Em última análise,
ele destruiu sua própria criação. E agora só me sobraram tralhas e restos para
trabalhar.
— O que houve com os outros comandantes?
— perguntou Dawn.
— Comandante
Jupiter e Saturn nos desertaram — comentou
a dona do Glameow.
— Tão
insensato da parte deles! — Charon falou com a
voz alterada, seu semblante tornando-se mais sombrio. — Tolos, todos eles! Jogando fora todo o esforço que tivemos
para nos erguer...
— E quais resultados vocês esperam
obter? Pelo visto vocês estão sozinhos, e é questão de tempo até que a Polícia
Internacional os encontre e um exército venha me resgatar — Dawn o desafiou,
confiante de sua importância. Há muito tempo deixara de ser a garota insegura
que se aventurara por Sinnoh.
Charon precisou sentar-se na cadeira de
seu escritório. Seus dedos tamborilavam na mesa enquanto ele contemplava uma
moldura inerte.
— Você já perdeu alguém que amava, Srta.
Manson? — perguntou o cientista.
Dawn sentiu uma pontada de desconforto
com a frase. Pensou em seus pais, memórias remotas da família que perdera em
uma tempestade em Hoenn há mais de uma década, nos amigos com quem
compartilhara uma fase difícil quando menina, e até mesmo em seu velho Aggron
que falecera recentemente.
— E quem não perdeu? — ela respondeu com
um sorriso franco.
Charon aproximou-se dela como uma
serpente ardilosa e sussurrou em seu ouvido:
— E se pudesse trazê-los de volta?
— É impossível. — Dawn afastou-se
depressa. — E qualquer que seja a forma que esteja tentando fazer, é proibido.
Este dom só pertence às divindades.
— Oh, mas Arceus vive ocupado. Ele não
estará olhando se fizermos tudo direitinho — disse Charon, estendendo a mão
para seus assistentes. — Você nem se lembra desses dois.
— Não mesmo.
O Rotom saltou da tela do computador,
emitindo um ruído atípico.
“...capítulo
quatro...bzzt...”
—
Cosmo e Star foram os dois recrutas responsáveis por roubarem as PokéAgenda do
laboratório do Profº Rowan, e obtiveram sucesso em escapar com uma delas. Nos
últimos anos estive ocupado tentando burlar o software desse apetrecho e, tenho de admitir, o velho Rowan e seus
assistentes são bons nisso — disse Charon, revelando os pedaços de um velho
aparelho que fora deixado sob a mesa, tornando-se irreconhecível.
— Você esperou todo esse tempo só para
usar as informações contidas em uma PokéAgenda? — Dawn perguntou. — Está tudo
na internet hoje em dia. Informação ágil e de fácil acesso a todos.
— Eu sei. E justamente por isso não
precisei me dar ao trabalho de sair por aí coletando dados. Vocês fizeram isso
por mim.
O Profº Charon a convidou a visitar uma
sala no final do corredor. O ambiente era mal iluminado e emitia uma energia
estranha. Dawn caminhava cautelosa. Havia imensos tubos com um líquido esverdeado
dentro e ela precisou conter um grito ao perceber que havia Pokémon das mais
variadas espécies mergulhadas ali, tendo alguns outros sido empalhados como
objeto de estudo. Charon seguia com as mãos para trás enquanto falava com a voz
tranquila:
— Como cientistas somos todos curiosos
por nascença, minha pequena. Lembra-se de um caso famoso há alguns anos onde um
médico salvou a vida de sua paciente, e foi processado por deixar uma cicatriz
nela? — murmurou Charon. — Cosmo, Star. Por que não vêm até aqui e mostram para
nossa amiga como vocês se dão bem com seus novos Pokémon?
Dawn preciso conter o espanto ao notar
que naquele laboratório amaldiçoado os Pokémon eram usados como experimento. Os
capangas dos Galactic nem pareciam sentir remorso do que fizeram, estavam muito
contentes em oferecer seus companheiros de longa data como objetos de tudo.
— Vocês os transformaram em cobaias! —
Dawn indignou-se.
— Mas eles ainda estão aqui conosco —
respondeu Cosmo. — Veja, a clonagem foi um sucesso! Exceto por algumas pequenas
sequelas, claro.
— Ficamos muito felizes em colaborar com
as pesquisas do Profº Charon. Ele tem tanto potencial — respondeu Star.
— Afinal, sua tese do TCC também se
baseia em DNA Pokémon, não é mesmo, Srta. Manson? — indagou Charon. — Ora, não
banque a hipócrita. Sabemos que você esteve investigando a capacidade do Mew de
se transformar. E toda essa história de clonagem está muito atrelada ao que
vocês vivenciaram com um dos maiores experimentos feitos pela extinta Equipe
Rocket, a Grande Criação.
Dawn recuou devagar. Ainda não
compreendia as intenções daquele lunático, mas um frio percorreu sua espinha, o
prenúncio de que algo terrível estava para acontecer ali.
Sentiu alguém segurar suas costas por
trás e reconheceu o toque de Petrel, um dos ex-executivos dos Rockets que
ajudara em seu sequestro. O homem conteve os braços dela com violência ao
primeiro sinal que ela demonstrou de reagir.
— Por favor, por favor, estamos aqui
para trabalharmos juntos e unirmos nossas mentes! — falou Charon. — Srta. Dawn,
você não reconhece que foi uma das únicas a presenciar eventos marcantes de
nossa história como a batalha do Spear Pillar e a explosão da Ilha de Ferro?
Você se subestima. Pode até ser passível de todos esses acasos, mas você esteve
ali, observando, analisando... você é a minha PokéAgenda ambulante. Por que
roubar uma caixa de aparelhos velhos quando posso ir direto para a fonte?
Charon caminhou devagar em direção da
garota e tocou seu rosto de leve.
— Com uma mente como a sua, eu teria
feito o mundo se ajoelhar aos meus pés.
— Não cairei em sua lábia — Dawn retrucou furiosa. — Eu me recuso a ajudar alguém como você, que faz humanos e Pokémon vítimas diante de promessas sem fundamento.
Dawn virou-se ao escutar alguém tossindo no recinto. Uma mulher de cabelos vermelhos os vinha observando das
sombras. A antes bela e vaidosa Comandante Mars
agora vestia um uniforme gasto, tinha olheiras profundas e os cabelos mais
longos e sem corte. Uma de suas mãos repousava sobre sua barriga, como se
estivesse sentindo dores intermináveis na região. Dawn conhecera a tia Martha nos
tempos em que ainda se aventurara com os Irmãos Wallers, mas nunca teria
imaginado que ela estaria colaborando outra vez com os planos dos Galactics.
— Por favor, não pense que sou sua inimiga
— rogou Mars. — Eu estou aqui porque Charon prometeu me ajudar, e com sua
chegada, pela primeira vez sinto um pouco de esperança.
Charon permitiu que as duas tivessem um
momento para conversarem a sós em sua sala. Mars sentou-se com dificuldade,
recebendo ajuda para se sentar. Ela estava magra e enfraquecida. Dawn ainda se
lembrava dela como a mulher sorridente que presenteava seus sobrinhos com TMs
falsificados e fazia entradas triunfais em seu balão com o formato de um
Drifblim.
— Espero que não sinta raiva de mim
depois de tudo que aconteceu — explicou Mars, referindo-se ao incidente no Spear Pillar.
— Tá tudo bem — Dawn fez um sinal para
que ela esquecesse tudo aquilo. — Você é prisioneira deles?
— Não. Sou voluntária — Mars respondeu
com a voz sucinta.
— Voluntária? Então você está se
oferecendo para--
A comandante não respondeu à questão.
Seu olhar era disperso e sem emoção.
— Eu já não me importo com o que
aconteça comigo. Não sei se chegou até seus ouvidos, mas... eu perdi um filho
faz algum tempo.
Dawn ficou chocada com a notícia. Era
estranho ouvir aquela declaração de alguém que considerara um inimigo por
tantos anos e, de repente, sentir empatia por ela. Não pediu por detalhes, mas
sentiu que deveria consolá-la de alguma maneira.
Com um toque delicado, sua mão
encostou-se à dela, como se de alguma forma aquilo pudesse transmitir um pouco
de conforto.
— Eu consigo imaginar a sensação de
perder uma criança — respondeu Dawn. Desde que começara a viver com Cynthia, a
segurança e felicidade de Verity eram sua prioridade.
— Às vezes parece que estou sendo
egoísta por abrir mão da minha família por conta de uma criança, mas... a dor
foi tamanha nesse último ano que mal tenho encontrado forças para continuar
seguindo em frente — disse Mars com a voz entristecida. — Se o Profº Charon
souber alguma maneira de trazer meu filho de volta, eu estou disposta a fazer
tudo por ele.
— Eu não sei nem metade de tudo que você
passou nos últimos anos, Martha, mas você é a tia das duas pessoas que mais amo
nesse mundo — falou Dawn. — Posso ser apenas uma iniciante no ramo, mas
tentarei ajudá-la a recuperar seu brilho.
As duas deram as mãos e Mars deixou
escapar uma lágrima solitária. Mesmo abatida, arrancar um sorriso raro daquele
rosto tão judiado era mais do que qualquer pagamento.
— Luke e Lukas sabem que você está
fazendo isso? — perguntou Dawn.
Mars fez que não com a cabeça.
— Eu escondi da família que perdi um
filho. Eu não queria que meus sobrinhos soubessem da morte de seu priminho...
Eu fui muito idiota em contar isso para uma amiga próxima, sabe? O bebê ainda
estava dentro de mim quando declararam que ele não sobreviveria, ninguém teve a
chance de conhecê-lo. E essa suposta “amiga” pareceu triste de primeira
instância, mas um tempo depois disse: “É só tentar de novo, não é?”.
Mars apertou as mãos com força,
sentindo-se cada vez mais frustrada ao lembrar-se de tudo aquilo.
— Eu não quero descartar um filho como
se ele fosse nada. Eu o carreguei dentro de mim por nove meses, nenhum deles
entenderia. Eu senti tanta raiva, e...
A mulher escondeu o rosto, envergonhada
por sequer pensar naquilo.
— E-eu fui uma mãe ruim? Quais os planos de
Arceus para me fazer sofrer tanto nessa vida?
— Cada um reage ao luto de forma
diferente — comentou Dawn. — Se você for mesmo uma mãe tão legal quanto era com
seus sobrinhos, então eu tenho certeza que qualquer criança no mundo iria
querer ser seu filho.
Dawn tocou de leve na mão de Tia Martha
e prometeu ajudá-la com o que estivesse ao seu alcance, contanto que aquilo não
cruzasse a linha do que considerava ético dentro de seus valores.
— Bem, então mãos à obra! Você não está
passando calor aqui embaixo?
— É que nós estamos no lugar mais quente
de Sinnoh — respondeu a ex-comandante. — Nosso laboratório foi construído na
base da Stark Mountain...
i
A visão da Gardevoir de Luke se desfez
no instante em que a frase foi proferida. O treinador aguardava paciente
debaixo da sombra de uma árvore bebendo um Berry
Juice enquanto Sophie transmitia em tempo real detalhes do paradeiro de
Dawn através do Future Sight. Como
Luke e Dawn compartilharam sentimentos muito fortes durante longos anos, não
foi difícil para que a Gardevoir estabelecesse aquele tipo de contato.
Agora que sabia exatamente onde começar
sua investigação, estava pronto para sair ao resgate de sua donzela o quanto
antes.
— Bom, time, agora chega de descanso. ‘Bora trabalhar!
Seu Garchomp grunhiu preguiçoso em cima
de uma pedra. Em uma lagoa ali perto, seu Kingdra fez três disparos d’água para
o alto. O Dusknoir observava com os braços cruzados de cima da montanha ao lado
de sua esposa, Froslass.
O treinador terminou de alongar seus
braços e pernas como se há muito tempo não saísse para se aventurar, subiu nas
costas de seu Bastiodon e começou a planejar a longa trajetória em direção da Stark Mountain enquanto analisava um
mapa turístico da região.
— Então eu começo subindo aqui pela Rota
225, passo por aqui, entro aqui, pego esse pedacinho da Rota 226 e sigo até o
final da Rota 227 que dá na entrada da montanha. Não parece tão difícil —
comentou o garoto, orgulhoso por não precisar da ajuda de seu irmão para se
localizar com os mapas.
Por sinal, ainda achava estranho Lukas não
estar atendendo ao telefone, pois desde sábado não recebia sinal do irmão que “saíra
para uma viagem com os amigos”. Parecia uma tremenda ironia que Luke preferisse
passar uns dias em casa e seu irmão estivesse saindo para aproveitar, os papéis
tinham se invertido completamente. Era como se tivessem trocado de
personalidade, pois dentro de cada um ambas coexistiam de forma harmoniosa.
Luke ainda adorava uma boa batalha, e
desde seu término com Dawn, não engajou mais em relacionamento algum. Lukas
estava firme com Paula, mas os compromissos de uma entidade divina eram, bem...
complicados. Às vezes ficavam meses sem se ver, e em outros casos só se viam
nos almoços de família durante os feriados — que eram interrompidos com
frequências por conta de fendas no espaço-tempo e conflitos que colocavam em
risco todo o universo —, mas Paula adorava passar um tempo com a família
Wallers.
— Às vezes eu penso em procurar alguém
de novo, sabe? Juntar as escovas, compartilhar o lençol... Mas toda vez que
penso nisso eu lembro de todo o trabalhão que é namorar alguém, e aí fico até
com preguiça — disse Luke, parecendo conversar sozinho. — Sei lá, talvez eu
tenha nascido para ficar sozinho pelo resto da vida. É. Somos como fósseis
esquecidos, amigão.
Luke jogou uma Sitrus Berry para o alto que lhe escapou e foi direto ao chão. Seu
Bastiodon passava vagarosamente comendo tudo no caminho.
O Pokémon fóssil caminhava de forma vagarosa
enquanto seu treinador descansava em suas costas. O sol na ilha no nordeste de
Sinnoh parecia ter uma temperatura completamente diferente do restante da
região, Luke só passava lá quando era para tirar férias na praia e aproveitar o
calor, o que o fez sentir falta de sua família.
Já era possível enxergar o cume da Stark Mountain do final da Rota 225
quando ele decidiu fazer uma parada em um vilarejo conhecido como Survival Area para reabastecer os
mantimentos e recuperar seus Pokémon. Na entrada da cidade, um rapaz o berrou
em sua direção assim que o viu.
— Caramba, isso é um Bastiodon?! Eu amo
esse Pokémon, tanka que é uma beleza!
O rapaz em questão tinha o cabelo
vermelho amarrado em um rabo de cavalo e uma mecha loira, usava roupas largas
típicas de regiões quentes e botas próprias para escalar montanhas. Ele vinha
flutuando na direção oposta em cima de seu Claydol que também chamou a atenção
do treinador.
— Eu também me amarro, meu time inteiro
é voltado para esse lado defensivo — respondeu Luke. — Que demais que você tem
um Claydol! Lembro que quando eu era moleque sempre quis ter um. Teve uma vez
que montei um Baltoy de massinha achando que ele ia criar vida, mas não deu
muito certo.
— Meu nome é Buck. O que tu acha de
termos uma batalha aqui mesmo?
— Ih, foi mal. Tô indo salvar minha
amiga que foi sequestrada.
— Quê.
— Zoeira, ela pode esperar! Uma
batalhazinha só pra aquecer é sempre bem-vinda.
Dawn teria que esperar. Luke desceu das
costas de seu Bastiodon e ordenou que ele participasse da batalha contra o
Claydol de Buck. Ele estava ciente da desvantagem de tipos, mas queria ser
rápido e dar uma aulinha de improviso para mostrar quem era o rei da defesa.
—
Claydol, use o Earth Power!
O Pokémon estátua moveu seus braços como
se fizesse um ritual e todas as forças da natureza ao redor pareceram se mover.
O chão de pedra abriu-se como se entrasse em erupção, atingindo em cheio o
Bastiodon que sequer teve tempo de se proteger. Assim que a fumaça se dissipou,
a criatura ossuda tirou a poeira da cabeça e abriu sua bocarra para devolver um
único disparo:
— Metal
Burst! — ordenou Luke.
A pancada voltou tão forte que o Claydol
de Buck não teve nem como resistir. Devido à habilidade Sturdy, o Bastiodon fez uso de seu contra-ataque com força total
expandida e mais um pouco. A explosão foi tão grande que todos puderam sentir o
chão estremecer nos vilarejos vizinhos, o vulcão inativo da Stark Mountain chegou até a expelir
lava. Luke temeu ter causado um desastre natural “sem querer”, mas por sorte
tudo se controlou.
— Irmão, tu não é desse mundo — brincou
Buck.
Os Pokémon retornaram para suas devidas
pokébolas e a batalha foi concluída. Buck limpou o nariz e fez sinal de joia
para seu novo melhor amigo.
— Oh, tá de parabéns! Pelo visto tu tem
uma verdadeira muralha no seu time — Buck admitiu.
— Valeu, cara. Já sou macaco velho no
ramo.
— Diz aí, tá saindo para coletar
insígnias?
— Quem me dera! — Luke brincou, cercado
por memórias. — Passei os últimos anos me aventurando em outras regiões, mas
não para participar da Liga nem nada, só quis conhecer o mundo mesmo. Agora
estou de volta pra Sinnoh resolvendo algumas pendências.
— Cara, tu é maneiro, gostei de ti.
Posso te levar pra conhecer uns amigos? Estamos treinando aqui na Survival Area pra participar da Battle Tower, dizem que essa região é
perfeita pra...
— Pra quem já apanhou lá, né?
Buck o encarou com a expressão estática.
— Quero dizer, pra quem pretende
melhorar as habilidades — corrigiu Luke.
— Pode pá! Chega mais, você vai gostar
dos caras. Cada um se especializou em um tipo de estratégia, então estamos
tentando obter uma sequência de vitórias inquebrável focando em nossas
habilidades.
Luke dirigiu-se à cabana isolada onde Buck dizia
estar alojado com seus amigos. O lugar era aconchegante e convidativo, como a
pousada de veraneio que costumava frequentar nas proximidades de Pastoria
quando era menino. Os sofás de tecido brega combinados com uma imensidão de
apetrechos nos armários faziam parecer que estava visitando a casa de seus
avós, onde nunca faltava comida na mesa e uma rede para dormir à tardezinha.
Ao passar pela porta, sorriu satisfeito por
confirmar suas expectativas — se havia algum
treinador focado em especializar-se em determinado status, então só podiam ser
os Stats Trainers. Lá estava Riley,
refinado como sempre, vestindo seu terno azulado enquanto bebericava um pouco
de chá e abanava o rosto com um chapéu. Ao seu lado estava Cheryl, uma mulher
que não via há trocentos anos e que estava mais linda do que nunca, parecia que
o tempo vinha lhe fazendo muito bem.
— Veja só quem está aqui — disse Riley
ao se levantar para cumprimentá-lo. — Luke Wallers, nosso estimado ex-campeão,
detentor do recorde de menos tempo com o título.
Buck olhou para Riley, depois para Luke,
em um loop infinito até absorver a mensagem.
— TU QUE É O LUKAS WALLERS?
— Não, cara. Eu sou o Luke, Lukas é meu
irmão gêmeo. E Arceus me livre de ter que acordar cedo, vestir terno e gravata
e aparecer na televisão todo santo dia. Me livrei do cargo de campeão e deixei
a administração do governo pro meu velho, fiz minha parte. Ainda acho que dois
dias com o cargo foi muito tempo.
— Mano, tu é doidão! Realizou seu sonho
e abriu mão de tudo! — falou Buck.
— Eu não abri mão dele, eu o conquistei.
Fui lá e ganhei, mostrei que sou capaz. Minha vida não precisa se resumir a um
único sonho, agora estou vivendo inúmeros outros com meu irmão. Estou em
constante mudança.
— Muitos levam uma vida toda para
conseguir — respondeu Riley com um sorriso simpático. — Eu sempre soube que
você estava destinado a feitos grandiosos. Por que não se senta conosco e toma
uma xícara de chá?
Luke já estava quase se esquecendo de
Dawn. Era maravilhoso rever alguns rostos amigos, aquilo tudo lhe trouxe uma
tremenda nostalgia. Riley serviu-lhe biscoitos amanteigados, enquanto Buck
fazia piadas e Cheryl não cansava de observá-lo com as mãos entrelaçadas.
— Conte-nos como anda sua vida — pediu
Cheryl. — Você parece muito diferente do garoto mal educado que enfrentei em
Eterna há tanto tempo.
— Eita, você ainda lembra disso? É, acho
que... cresci. Me desculpe por aquilo, foi uma fase meio bosta — Luke caiu na
risada. — Na verdade devo desculpas a muitos treinadores que humilhei naquela
época. Não tinha necessidade, eu perdi a cabeça. Em minhas viagens pelo mundo
descobri que existem muitos treinadores melhores do que eu, e todos foram muito
respeitosos comigo. Não há necessidade em ser otário com alguém só pra se
sentir poderoso, tem que ter o ego muito frágil pra isso, e eu precisei apanhar
pra perceber.
— O que importa é que você está
arrependido — respondeu Riley. — Acho que o tempo faz bem a todos nós.
— Ô, se faz! — respondeu Luke observando
o decote de Cheryl. — Há muito tempo Riley me contou que fazia parte de um
grupo de treinadores muito poderosos em Sinnoh, fiquei surpreso ao vê-los
reunidos aqui.
— Estamos tentando reunir os Stats Trainers originais outra vez, mas
só viemos nós três — respondeu o homem. — A Marley foi visitar a família em
Galar, e a Mira tinha vestibular marcado pra esse fim de semana.
— Vestibular? Mas Mira não era aquela
garotinha de uns dez anos que tinha esse tamanho, e... — Luke chegou a uma súbita conclusão. — Meu Arceus. Tô ficando velho.
— E seu irmão? — Cheryl perguntou com um
sorriso doce.
— Ah, tá por aí. Nós fazemos tudo juntos,
mas também não vivemos grudados. Cada um precisa do seu espaço. Acho que
estamos em busca da nossa “próxima grande jornada”, pesquisando os melhores
lugares para se visitar, planejando viagens... Vai dar bom, tenho grandes
expectativas pra esse ano.
— E o que o traz à Survival Area? — Riley voltou a perguntar. — Não creio que esteja
precisando de treinamento
— Na verdade, eu vim para ajudar uma
amiga que foi seques... — Luke levantou-se de forma abrupta da cadeira. — PUTA
MERDA, EU PRECISO IR SALVAR A DAWN!
— Ah, a história da mina sequestrada era
verdade? — perguntou Buck.
— Pelo visto você continua sendo um imã
para confusões, não? — Riley falou entre risadas. — Lembro-me até hoje de
nossas aventuras pelo Templo em Snowpoint... Olhando para trás, até que sinto
um pouco de saudade disso.
— Nem me fale. Estou super nostálgico
ultimamente — respondeu Luke. — Agora, se me derem licença, preciso bancar o
super-herói.
— Ela ainda é sua namorada? — perguntou
Cheryl.
— É minha ex. A gente terminou faz uns
anos.
— Oh. Lamento — disse Cheryl, mas na
verdade ela não lamentava nada. — Mande lembranças a ela.
— Tu é muito gado pra ainda conversar
com ex — falou Buck.— Mas gente, se a mina foi sequestrada POR QUE ESTAMOS
AGINDO COMO SE FOSSE UMA COISA NORMAL?
— Pare de falar como se usasse o Caps
Lock ativado o tempo todo — pediu Riley.
— É que acontece com certa... frequência
— respondeu Luke com uma risada calorosa. — Povo, foi um prazer revê-los, valeu
pelo fanservice. Qualquer hora dessas
vamos todos para a Battle Tower
quebrar alguns recordes, perder, e voltar aqui para chorar. Me aventurar por
Sinnoh e ter conhecido vocês foi uma das maiores alegrias de minha vida.
Os três integrantes dos Stats Trainers se levantaram para
despedir-se de Luke e levá-lo até a saída. A distância era curta até a Stark Mountain e Buck ofereceu-se para
guiar o rapaz, pois conhecia bem aquelas rotas, mas Luke alegou que não iria
demorar e preferia não ter ninguém para atrasá-lo na escalada.
— Estou feliz em vê-lo, Luke Wallers.
Você mudou de verdade, e para melhor — disse Cheryl, dando-lhe um abraço
gentil. — Da última vez que o vi você era um menino, e voltou como homem.
— Puxa, fico lisonjeado — ele agradeceu.
— A senhorita também está oh, uma belezura, Cheryl! Puro charme maduro.
— Você não acha que sou velha demais
para você? Heh, heh. Um galanteador, como sempre — Cheryl sorriu. — Se quiser,
eu tenho uma amiga solteira que é a sua cara. Ela é fascinada num novinho. Quer
que eu te passe o Zap Zapdos dela?
— Opa, só mandar — respondeu Luke já com
seu PokéNav que adquirira em Hoenn em
mãos. — Qual o nome dela?
— É Fantina.
Segundos depois, Luke estava escalando a
montanha mais rápido que um Floatzel.
Enquanto o observava se distanciar,
Riley sentiu que ainda havia certa aura mágica ao redor do garoto, como se Luke
e Lukas nunca deixassem de ser crianças — treinadores e coordenadores sonhadores
disputando insígnias e fitas pela região em busca de seus sonhos. Viver ao lado
deles era como ser eternamente carregado de volta para o passado — não que
aquilo fosse ruim, pois alguma coisa na maneira como aqueles garotos falavam e
agiam o fazia sentir que tudo sempre terminaria bem.
Bicho, assim, foi bem rapidinho esse, mas eu curti. A vibe é muito tranquila apesar da situação dentro do enredo ser complicada. O Luke ( & o Buck ) conseguem quebrar muito a tensão oapskdpodkapskdpakpdkasod. Mas assim, tu acredita que ler hoje o Luke Wallers é muito estranho pra mim? Meio que o Luke um pouco mais maduro acentua mais meu sentimento de deslocamento com a história. Realmente, o tempo passa...
ReplyDeleteVer parte dos Stat Trainers, que apareceram "só" pelo fanservice, me deixa alegre, mas também taca um peso no coração que é de ferrar os olhos, porque mano, é só mais um aspecto que me faz lembrar que o tempo passou e muito desde então, e me faz pensar por consequência em algumas outras coisas.
Por fim, falarei do começo. Tivemos ali um pouco de esclarecimento das motivações dessa reunião de malfeitores, embora sejam, ao final de tudo, nada mais do que pedacinhos de pão jogados numa trilha a qual podemos somente imaginar ao que ela levará. As palavras "Clonagem" e "Fendas" por si só já abrem pelo menos uns três ou quatro possíveis desfechos, no mínimo, com o resto do que foi dito? Dá pra ampliar aí.
Valeu aí mano Canas, e até depois.
Salve, mano Napo! Uma das coisas que eu disse a mim mesmo antes de escrever esse especial era para não levar as coisas a sério demais. Depois de tanta coisa que esses personagens passaram eu não queria que eles outra vez se vissem encurralados, temendo por suas vidas como na Ilha de Ferro ou buscando vencer o invencível como na Liga. Acho que o trecho final é onde isso mais fica claro, como quando o Riley diz que junto deles é como se tudo fosse terminar bem. Disso o leitor não tem dúvidas, mesmo assim, tento instigar através de encontros inusitados, nostalgia e tudo que nos fazia amar acompanhar essa história.
DeleteEu também estranhei o Luke mais maduro no começo kkkkkk Quando eu era adolescente e escrevia sobre ele eu me achava totalmente diferente do Luke, e muito mais parecido com o Lukas. Hoje em dia aconteceu uma reviravolta tão louca que me sinto 100% conectado ao Luke, meio à deriva, mas está sendo muito bacana mostrar esse lado e como nós dois crescemos como personagem e autor.
Esse capítulo é da minha remessa antiga de 2020, mas a partir da Parte 4 você talvez sinta uma diferença na escrita. É quando o bicho pega kkkkkkkk Espero que apareça por aí para dar mais uma conferida. Forte abraço!