Posted by : CanasOminous Jul 22, 2022

Dawn despertou em um local quente e abafado que não lhe lembrava em nada o aconchego de seu quarto na Resort Area. Àquela hora da manhã estava acostumada a se deparar com Cynthia andando pela casa vestindo apenas seu roupão de veludo cor de vinho, segurando um copo de café na mão e esbanjando toda sua sensualidade como quem tem plena consciência de que é a mulher mais sexy do mundo.

A garota sentou-se ao pé da cama e olhou ao redor, procurando situar-se. Os lençóis brancos haviam sido substituídos por um trapo velho e encardido, e o rizzotto feito na janta de noite passada fora trocado por um copo de água morna e papéis em branco na escrivaninha ao lado.

Sua cabeça latejava, como se tivesse dormido por tempo demais após uma madrugada de festa onde ninguém se divertiu. Quis saber que horas eram, mas nenhum feixe de luz entrava, pois não havia janelas no aposento.

Aos poucos a memória do sequestro lhe veio à tona, o olfato ainda afetado lhe dava náuseas. Sentiu-se como um Rattata de laboratório prestes a sofrer experimentos bizarros.

A porta abriu rangendo, e dela veio uma garota de cabelos esverdeados com uma Glameow ao seu lado carregando uma bandeja de comida.

— Bom dia — cumprimentou a moça.

— Err... oi — murmurou Dawn.

— Este é o seu almoço. Por favor, sirva-se — ofereceu ela. O prato de comida continha um pouco de arroz, feijão, ervilhas e metade de um bife, mas parecia apetitoso. — Espero que esteja recuperada. O Professor Charon a aguarda em sua sala para a reunião dentro de vinte minutos.

Dawn vestiu as roupas limpas deixadas no armário, um uniforme cinza listrado que lhe pareceu estranhamente familiar, mas não soube vasculhar suas memórias para descobrir de onde era. Como não havia alternativa, decidiu dirigir-se para a reunião com o tal professor. A princípio imaginou que fosse algum tipo de prisioneira, mas não havia grades nas portas nem vigilantes na entrada, ela tinha o direito de ir e vir aonde quisesse, só precisava descobrir onde estava, pois a temperatura tão elevada não era habitual de Sinnoh.

A moça seguiu pelos corredores cavernosos do esconderijo até seu senso de descoberta a levar a querer ir além. Ao alcançar a sala principal do que parecia ser um laboratório de baixo orçamento, Dawn se deparou com um velho calvo de costas encurvadas que examinava um tubo de erlenmeyer ao lado de outros dois pesquisadores com seus Pokémon, uma Glameow e um Stunky. Dawn bateu à porta que já estava aberta e pediu licença.

— Oh, você acordou — disse o velho. — Finalmente. Rápido, rápido, preciso que sua cabeça seja colocada para funcionar o quanto antes.

— Será que vocês poderiam me explicar primeiro o que estou fazendo aqui? — perguntou a garota.

— Claro. Antes de mais nada, sua namorada e filha adotiva passam bem. São elas que devem estar preocupadas com você, afinal, nós a sequestramos — o velho ajeitou os óculos, falando como se aquilo fosse parte de sua rotina. — Por que essa cara? Você já deve estar acostumada a ser a garota indefesa do grupo. Li tudo nos seus arquivos. Dawn Manson. Vinte e dois anos. Natural de Sandgem, mas viveu grande parte da infância na Ilha de Dewford ao lado dos pais. Ocupação: pesquisadora. Tipo sanguíneo O...

— Como você sabe tudo isso?

— Eu acessei aqui nesse blog. Enfim, por que não poupamos as apresentações e vamos direto ao assunto?

— Vai me dizer que não está acostumada a falar com estranhos? — perguntou um dos pesquisadores. Ao seu lado o Stunky também vestia um jaleco e parecia todo chique. — Pensei que fôssemos velhos conhecidos seus.

— Ela não deve ter nos reconhecido, Cosmo. Já faz uns booooons anos, deve ter sido a nossa única participação nessa história.

O velho estendeu os braços para seu laboratório caindo aos pedaços, como se quisesse realçar toda a grandiosidade do seu buraco escuro e desagradável.

— Isso é o que restou da Team Galactic! Eu sou o Professor Charon, cientista chefe do setor de clonagem e responsável geral pelo que sobrou dessa geringonça. Seja bem vinda ao seu novo ambiente de trabalho, estagiária.

A garota revirou os olhos. Galactics outra vez, e assim sucessivamente rumo ao infinito.

— Eu mereço... Por que vocês vilões não tentam algo diferente pra variar de vez em quando? Aposto que estão tentando conquistar o mundo. É sempre a mesma coisa!

— Conquistar e transformar são coisas completamente diferentes — pigarreou Charon. — Por favor, entenda. Querer mudar o mundo é estar destinado ao fracasso, devemos compreender como ele funciona e nos adaptarmos para sobreviver nele. Os que restaram de nossa equipe estão aqui reunidos por um único objetivo, e não se engane: o final a fará te enxergar o mundo em que vivemos de outra forma.

Dawn levou um susto quando um Pokémon saltou de dentro da tela de um computador tão velho quanto o fóssil de um Shieldon. Seu corpo era alaranjado e feito de plasma, disparando para todos os cantos da sala e causando curtos-circuitos, oscilando lâmpadas com o poder de sua eletricidade.

— Ah, Rotom, meu velho amigo — disse Charon com a voz cansada. — Por que não mostra para nossa visitante todas as pesquisas em que estivemos trabalhando?

Bzzzzt! Bzzzzt! É pra já!

O corpo do Pokémon assumiu o formato de um pendrive que ingressou dentro do CPU velho do computador, baixando centenas de pastas que pipocavam na tela do sistema que mal suportava a descarga de arquivos. Dawn aproximou-se da mesa para observar do que se tratava e precisou ler apenas o título para descobrir.

— “Clonagem?”. “Fendas?”. O que significa tudo isso?

— A ponta do iceberg — respondeu Charon. — Os Rockets já vêm trabalhando nisso há muito tempo, e reunindo os arquivos perdidos da misteriosa Ilha Pokémon que você adquiriu, parece que podemos continuar progredindo e aperfeiçoar algumas etapas.

— Há anos os cientistas brincam de dar vida, e toda vez isso trouxe catástrofes inimagináveis. O naufrágio das Ilhas Laranja, a explosão da Ilha de Ferro em Sinnoh... — Dawn listou só para começar. — Parece que vocês estão para repetir os mesmos erros.

— Não se preocupe, não queremos nada tão grandioso quanto aquele idiota do Cyrus — respondeu Charon.

Dawn revelou um sorriso cínico.

— Engraçado ouvir um dos empregados dos Galactics chamarem seu próprio chefe dessa forma.

Nunca entendi o que eles viam nele — disse o professor com um suspiro —, nada além de um homem patético e imaturo que se sufocou na própria ideia. Ele teve todo o árduo trabalho de fundar e erguer os Galactic, e para o quê? Em última análise, ele destruiu sua própria criação. E agora só me sobraram tralhas e restos para trabalhar.

— O que houve com os outros comandantes? — perguntou Dawn.

Comandante Jupiter e Saturn nos desertaram — comentou a dona do Glameow.

Tão insensato da parte deles! — Charon falou com a voz alterada, seu semblante tornando-se mais sombrio. — Tolos, todos eles! Jogando fora todo o esforço que tivemos para nos erguer...

— E quais resultados vocês esperam obter? Pelo visto vocês estão sozinhos, e é questão de tempo até que a Polícia Internacional os encontre e um exército venha me resgatar — Dawn o desafiou, confiante de sua importância. Há muito tempo deixara de ser a garota insegura que se aventurara por Sinnoh.

Charon precisou sentar-se na cadeira de seu escritório. Seus dedos tamborilavam na mesa enquanto ele contemplava uma moldura inerte.

— Você já perdeu alguém que amava, Srta. Manson? — perguntou o cientista.

Dawn sentiu uma pontada de desconforto com a frase. Pensou em seus pais, memórias remotas da família que perdera em uma tempestade em Hoenn há mais de uma década, nos amigos com quem compartilhara uma fase difícil quando menina, e até mesmo em seu velho Aggron que falecera recentemente.

— E quem não perdeu? — ela respondeu com um sorriso franco.

Charon aproximou-se dela como uma serpente ardilosa e sussurrou em seu ouvido:

— E se pudesse trazê-los de volta?

— É impossível. — Dawn afastou-se depressa. — E qualquer que seja a forma que esteja tentando fazer, é proibido. Este dom só pertence às divindades.

— Oh, mas Arceus vive ocupado. Ele não estará olhando se fizermos tudo direitinho — disse Charon, estendendo a mão para seus assistentes. — Você nem se lembra desses dois.

— Não mesmo.

O Rotom saltou da tela do computador, emitindo um ruído atípico.

“...capítulo quatro...bzzt...”

 — Cosmo e Star foram os dois recrutas responsáveis por roubarem as PokéAgenda do laboratório do Profº Rowan, e obtiveram sucesso em escapar com uma delas. Nos últimos anos estive ocupado tentando burlar o software desse apetrecho e, tenho de admitir, o velho Rowan e seus assistentes são bons nisso — disse Charon, revelando os pedaços de um velho aparelho que fora deixado sob a mesa, tornando-se irreconhecível.

— Você esperou todo esse tempo só para usar as informações contidas em uma PokéAgenda? — Dawn perguntou. — Está tudo na internet hoje em dia. Informação ágil e de fácil acesso a todos.

— Eu sei. E justamente por isso não precisei me dar ao trabalho de sair por aí coletando dados. Vocês fizeram isso por mim.

O Profº Charon a convidou a visitar uma sala no final do corredor. O ambiente era mal iluminado e emitia uma energia estranha. Dawn caminhava cautelosa. Havia imensos tubos com um líquido esverdeado dentro e ela precisou conter um grito ao perceber que havia Pokémon das mais variadas espécies mergulhadas ali, tendo alguns outros sido empalhados como objeto de estudo. Charon seguia com as mãos para trás enquanto falava com a voz tranquila:

— Como cientistas somos todos curiosos por nascença, minha pequena. Lembra-se de um caso famoso há alguns anos onde um médico salvou a vida de sua paciente, e foi processado por deixar uma cicatriz nela? — murmurou Charon. — Cosmo, Star. Por que não vêm até aqui e mostram para nossa amiga como vocês se dão bem com seus novos Pokémon?

Dawn preciso conter o espanto ao notar que naquele laboratório amaldiçoado os Pokémon eram usados como experimento. Os capangas dos Galactic nem pareciam sentir remorso do que fizeram, estavam muito contentes em oferecer seus companheiros de longa data como objetos de tudo.

— Vocês os transformaram em cobaias! — Dawn indignou-se.

— Mas eles ainda estão aqui conosco — respondeu Cosmo. — Veja, a clonagem foi um sucesso! Exceto por algumas pequenas sequelas, claro.

— Ficamos muito felizes em colaborar com as pesquisas do Profº Charon. Ele tem tanto potencial — respondeu Star.

— Afinal, sua tese do TCC também se baseia em DNA Pokémon, não é mesmo, Srta. Manson? — indagou Charon. — Ora, não banque a hipócrita. Sabemos que você esteve investigando a capacidade do Mew de se transformar. E toda essa história de clonagem está muito atrelada ao que vocês vivenciaram com um dos maiores experimentos feitos pela extinta Equipe Rocket, a Grande Criação.

Dawn recuou devagar. Ainda não compreendia as intenções daquele lunático, mas um frio percorreu sua espinha, o prenúncio de que algo terrível estava para acontecer ali.

Sentiu alguém segurar suas costas por trás e reconheceu o toque de Petrel, um dos ex-executivos dos Rockets que ajudara em seu sequestro. O homem conteve os braços dela com violência ao primeiro sinal que ela demonstrou de reagir.

— Por favor, por favor, estamos aqui para trabalharmos juntos e unirmos nossas mentes! — falou Charon. — Srta. Dawn, você não reconhece que foi uma das únicas a presenciar eventos marcantes de nossa história como a batalha do Spear Pillar e a explosão da Ilha de Ferro? Você se subestima. Pode até ser passível de todos esses acasos, mas você esteve ali, observando, analisando... você é a minha PokéAgenda ambulante. Por que roubar uma caixa de aparelhos velhos quando posso ir direto para a fonte?

Charon caminhou devagar em direção da garota e tocou seu rosto de leve.

— Com uma mente como a sua, eu teria feito o mundo se ajoelhar aos meus pés.

— Não cairei em sua lábia — Dawn retrucou furiosa. — Eu me recuso a ajudar alguém como você, que faz humanos e Pokémon vítimas diante de promessas sem fundamento.

Dawn virou-se ao escutar alguém tossindo no recinto. Uma mulher de cabelos vermelhos os vinha observando das sombras. A antes bela e vaidosa Comandante Mars agora vestia um uniforme gasto, tinha olheiras profundas e os cabelos mais longos e sem corte. Uma de suas mãos repousava sobre sua barriga, como se estivesse sentindo dores intermináveis na região. Dawn conhecera a tia Martha nos tempos em que ainda se aventurara com os Irmãos Wallers, mas nunca teria imaginado que ela estaria colaborando outra vez com os planos dos Galactics.

— Por favor, não pense que sou sua inimiga — rogou Mars. — Eu estou aqui porque Charon prometeu me ajudar, e com sua chegada, pela primeira vez sinto um pouco de esperança.

Charon permitiu que as duas tivessem um momento para conversarem a sós em sua sala. Mars sentou-se com dificuldade, recebendo ajuda para se sentar. Ela estava magra e enfraquecida. Dawn ainda se lembrava dela como a mulher sorridente que presenteava seus sobrinhos com TMs falsificados e fazia entradas triunfais em seu balão com o formato de um Drifblim.

— Espero que não sinta raiva de mim depois de tudo que aconteceu — explicou Mars, referindo-se ao incidente no Spear Pillar.

— Tá tudo bem — Dawn fez um sinal para que ela esquecesse tudo aquilo. — Você é prisioneira deles?

— Não. Sou voluntária — Mars respondeu com a voz sucinta.

— Voluntária? Então você está se oferecendo para--

A comandante não respondeu à questão. Seu olhar era disperso e sem emoção.

— Eu já não me importo com o que aconteça comigo. Não sei se chegou até seus ouvidos, mas... eu perdi um filho faz algum tempo.

Dawn ficou chocada com a notícia. Era estranho ouvir aquela declaração de alguém que considerara um inimigo por tantos anos e, de repente, sentir empatia por ela. Não pediu por detalhes, mas sentiu que deveria consolá-la de alguma maneira.

Com um toque delicado, sua mão encostou-se à dela, como se de alguma forma aquilo pudesse transmitir um pouco de conforto.

— Eu consigo imaginar a sensação de perder uma criança — respondeu Dawn. Desde que começara a viver com Cynthia, a segurança e felicidade de Verity eram sua prioridade.

— Às vezes parece que estou sendo egoísta por abrir mão da minha família por conta de uma criança, mas... a dor foi tamanha nesse último ano que mal tenho encontrado forças para continuar seguindo em frente — disse Mars com a voz entristecida. — Se o Profº Charon souber alguma maneira de trazer meu filho de volta, eu estou disposta a fazer tudo por ele.

— Eu não sei nem metade de tudo que você passou nos últimos anos, Martha, mas você é a tia das duas pessoas que mais amo nesse mundo — falou Dawn. — Posso ser apenas uma iniciante no ramo, mas tentarei ajudá-la a recuperar seu brilho.

As duas deram as mãos e Mars deixou escapar uma lágrima solitária. Mesmo abatida, arrancar um sorriso raro daquele rosto tão judiado era mais do que qualquer pagamento.

— Luke e Lukas sabem que você está fazendo isso? — perguntou Dawn.

Mars fez que não com a cabeça.

— Eu escondi da família que perdi um filho. Eu não queria que meus sobrinhos soubessem da morte de seu priminho... Eu fui muito idiota em contar isso para uma amiga próxima, sabe? O bebê ainda estava dentro de mim quando declararam que ele não sobreviveria, ninguém teve a chance de conhecê-lo. E essa suposta “amiga” pareceu triste de primeira instância, mas um tempo depois disse: “É só tentar de novo, não é?”.

Mars apertou as mãos com força, sentindo-se cada vez mais frustrada ao lembrar-se de tudo aquilo.

— Eu não quero descartar um filho como se ele fosse nada. Eu o carreguei dentro de mim por nove meses, nenhum deles entenderia. Eu senti tanta raiva, e...

A mulher escondeu o rosto, envergonhada por sequer pensar naquilo.

—  E-eu fui uma mãe ruim? Quais os planos de Arceus para me fazer sofrer tanto nessa vida?

— Cada um reage ao luto de forma diferente — comentou Dawn. — Se você for mesmo uma mãe tão legal quanto era com seus sobrinhos, então eu tenho certeza que qualquer criança no mundo iria querer ser seu filho.

Dawn tocou de leve na mão de Tia Martha e prometeu ajudá-la com o que estivesse ao seu alcance, contanto que aquilo não cruzasse a linha do que considerava ético dentro de seus valores.

— Bem, então mãos à obra! Você não está passando calor aqui embaixo?

— É que nós estamos no lugar mais quente de Sinnoh — respondeu a ex-comandante. — Nosso laboratório foi construído na base da Stark Mountain...

 

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A visão da Gardevoir de Luke se desfez no instante em que a frase foi proferida. O treinador aguardava paciente debaixo da sombra de uma árvore bebendo um Berry Juice enquanto Sophie transmitia em tempo real detalhes do paradeiro de Dawn através do Future Sight. Como Luke e Dawn compartilharam sentimentos muito fortes durante longos anos, não foi difícil para que a Gardevoir estabelecesse aquele tipo de contato.

Agora que sabia exatamente onde começar sua investigação, estava pronto para sair ao resgate de sua donzela o quanto antes.

— Bom, time, agora chega de descanso. ‘Bora trabalhar!

Seu Garchomp grunhiu preguiçoso em cima de uma pedra. Em uma lagoa ali perto, seu Kingdra fez três disparos d’água para o alto. O Dusknoir observava com os braços cruzados de cima da montanha ao lado de sua esposa, Froslass.

O treinador terminou de alongar seus braços e pernas como se há muito tempo não saísse para se aventurar, subiu nas costas de seu Bastiodon e começou a planejar a longa trajetória em direção da Stark Mountain enquanto analisava um mapa turístico da região.

— Então eu começo subindo aqui pela Rota 225, passo por aqui, entro aqui, pego esse pedacinho da Rota 226 e sigo até o final da Rota 227 que dá na entrada da montanha. Não parece tão difícil — comentou o garoto, orgulhoso por não precisar da ajuda de seu irmão para se localizar com os mapas.

Por sinal, ainda achava estranho Lukas não estar atendendo ao telefone, pois desde sábado não recebia sinal do irmão que “saíra para uma viagem com os amigos”. Parecia uma tremenda ironia que Luke preferisse passar uns dias em casa e seu irmão estivesse saindo para aproveitar, os papéis tinham se invertido completamente. Era como se tivessem trocado de personalidade, pois dentro de cada um ambas coexistiam de forma harmoniosa.

Luke ainda adorava uma boa batalha, e desde seu término com Dawn, não engajou mais em relacionamento algum. Lukas estava firme com Paula, mas os compromissos de uma entidade divina eram, bem... complicados. Às vezes ficavam meses sem se ver, e em outros casos só se viam nos almoços de família durante os feriados — que eram interrompidos com frequências por conta de fendas no espaço-tempo e conflitos que colocavam em risco todo o universo —, mas Paula adorava passar um tempo com a família Wallers.

— Às vezes eu penso em procurar alguém de novo, sabe? Juntar as escovas, compartilhar o lençol... Mas toda vez que penso nisso eu lembro de todo o trabalhão que é namorar alguém, e aí fico até com preguiça — disse Luke, parecendo conversar sozinho. — Sei lá, talvez eu tenha nascido para ficar sozinho pelo resto da vida. É. Somos como fósseis esquecidos, amigão.

Luke jogou uma Sitrus Berry para o alto que lhe escapou e foi direto ao chão. Seu Bastiodon passava vagarosamente comendo tudo no caminho.

O Pokémon fóssil caminhava de forma vagarosa enquanto seu treinador descansava em suas costas. O sol na ilha no nordeste de Sinnoh parecia ter uma temperatura completamente diferente do restante da região, Luke só passava lá quando era para tirar férias na praia e aproveitar o calor, o que o fez sentir falta de sua família.

Já era possível enxergar o cume da Stark Mountain do final da Rota 225 quando ele decidiu fazer uma parada em um vilarejo conhecido como Survival Area para reabastecer os mantimentos e recuperar seus Pokémon. Na entrada da cidade, um rapaz o berrou em sua direção assim que o viu.

— Caramba, isso é um Bastiodon?! Eu amo esse Pokémon, tanka que é uma beleza!

O rapaz em questão tinha o cabelo vermelho amarrado em um rabo de cavalo e uma mecha loira, usava roupas largas típicas de regiões quentes e botas próprias para escalar montanhas. Ele vinha flutuando na direção oposta em cima de seu Claydol que também chamou a atenção do treinador.

— Eu também me amarro, meu time inteiro é voltado para esse lado defensivo — respondeu Luke. — Que demais que você tem um Claydol! Lembro que quando eu era moleque sempre quis ter um. Teve uma vez que montei um Baltoy de massinha achando que ele ia criar vida, mas não deu muito certo.

— Meu nome é Buck. O que tu acha de termos uma batalha aqui mesmo?

— Ih, foi mal. Tô indo salvar minha amiga que foi sequestrada.

— Quê.

— Zoeira, ela pode esperar! Uma batalhazinha só pra aquecer é sempre bem-vinda.

Dawn teria que esperar. Luke desceu das costas de seu Bastiodon e ordenou que ele participasse da batalha contra o Claydol de Buck. Ele estava ciente da desvantagem de tipos, mas queria ser rápido e dar uma aulinha de improviso para mostrar quem era o rei da defesa.

— Claydol, use o Earth Power!

O Pokémon estátua moveu seus braços como se fizesse um ritual e todas as forças da natureza ao redor pareceram se mover. O chão de pedra abriu-se como se entrasse em erupção, atingindo em cheio o Bastiodon que sequer teve tempo de se proteger. Assim que a fumaça se dissipou, a criatura ossuda tirou a poeira da cabeça e abriu sua bocarra para devolver um único disparo:

Metal Burst! — ordenou Luke.

A pancada voltou tão forte que o Claydol de Buck não teve nem como resistir. Devido à habilidade Sturdy, o Bastiodon fez uso de seu contra-ataque com força total expandida e mais um pouco. A explosão foi tão grande que todos puderam sentir o chão estremecer nos vilarejos vizinhos, o vulcão inativo da Stark Mountain chegou até a expelir lava. Luke temeu ter causado um desastre natural “sem querer”, mas por sorte tudo se controlou.

— Irmão, tu não é desse mundo — brincou Buck.

Os Pokémon retornaram para suas devidas pokébolas e a batalha foi concluída. Buck limpou o nariz e fez sinal de joia para seu novo melhor amigo.

— Oh, tá de parabéns! Pelo visto tu tem uma verdadeira muralha no seu time — Buck admitiu.

— Valeu, cara. Já sou macaco velho no ramo.

— Diz aí, tá saindo para coletar insígnias?

— Quem me dera! — Luke brincou, cercado por memórias. — Passei os últimos anos me aventurando em outras regiões, mas não para participar da Liga nem nada, só quis conhecer o mundo mesmo. Agora estou de volta pra Sinnoh resolvendo algumas pendências.

— Cara, tu é maneiro, gostei de ti. Posso te levar pra conhecer uns amigos? Estamos treinando aqui na Survival Area pra participar da Battle Tower, dizem que essa região é perfeita pra...

— Pra quem já apanhou lá, né?

Buck o encarou com a expressão estática.

— Quero dizer, pra quem pretende melhorar as habilidades — corrigiu Luke.

— Pode pá! Chega mais, você vai gostar dos caras. Cada um se especializou em um tipo de estratégia, então estamos tentando obter uma sequência de vitórias inquebrável focando em nossas habilidades.

Luke dirigiu-se à cabana isolada onde Buck dizia estar alojado com seus amigos. O lugar era aconchegante e convidativo, como a pousada de veraneio que costumava frequentar nas proximidades de Pastoria quando era menino. Os sofás de tecido brega combinados com uma imensidão de apetrechos nos armários faziam parecer que estava visitando a casa de seus avós, onde nunca faltava comida na mesa e uma rede para dormir à tardezinha.

Ao passar pela porta, sorriu satisfeito por confirmar suas expectativas — se havia algum treinador focado em especializar-se em determinado status, então só podiam ser os Stats Trainers. Lá estava Riley, refinado como sempre, vestindo seu terno azulado enquanto bebericava um pouco de chá e abanava o rosto com um chapéu. Ao seu lado estava Cheryl, uma mulher que não via há trocentos anos e que estava mais linda do que nunca, parecia que o tempo vinha lhe fazendo muito bem.

— Veja só quem está aqui — disse Riley ao se levantar para cumprimentá-lo. — Luke Wallers, nosso estimado ex-campeão, detentor do recorde de menos tempo com o título.

Buck olhou para Riley, depois para Luke, em um loop infinito até absorver a mensagem.

— TU QUE É O LUKAS WALLERS?

— Não, cara. Eu sou o Luke, Lukas é meu irmão gêmeo. E Arceus me livre de ter que acordar cedo, vestir terno e gravata e aparecer na televisão todo santo dia. Me livrei do cargo de campeão e deixei a administração do governo pro meu velho, fiz minha parte. Ainda acho que dois dias com o cargo foi muito tempo.

— Mano, tu é doidão! Realizou seu sonho e abriu mão de tudo! — falou Buck.

— Eu não abri mão dele, eu o conquistei. Fui lá e ganhei, mostrei que sou capaz. Minha vida não precisa se resumir a um único sonho, agora estou vivendo inúmeros outros com meu irmão. Estou em constante mudança.

— Muitos levam uma vida toda para conseguir — respondeu Riley com um sorriso simpático. — Eu sempre soube que você estava destinado a feitos grandiosos. Por que não se senta conosco e toma uma xícara de chá?

Luke já estava quase se esquecendo de Dawn. Era maravilhoso rever alguns rostos amigos, aquilo tudo lhe trouxe uma tremenda nostalgia. Riley serviu-lhe biscoitos amanteigados, enquanto Buck fazia piadas e Cheryl não cansava de observá-lo com as mãos entrelaçadas.

— Conte-nos como anda sua vida — pediu Cheryl. — Você parece muito diferente do garoto mal educado que enfrentei em Eterna há tanto tempo.

— Eita, você ainda lembra disso? É, acho que... cresci. Me desculpe por aquilo, foi uma fase meio bosta — Luke caiu na risada. — Na verdade devo desculpas a muitos treinadores que humilhei naquela época. Não tinha necessidade, eu perdi a cabeça. Em minhas viagens pelo mundo descobri que existem muitos treinadores melhores do que eu, e todos foram muito respeitosos comigo. Não há necessidade em ser otário com alguém só pra se sentir poderoso, tem que ter o ego muito frágil pra isso, e eu precisei apanhar pra perceber.

— O que importa é que você está arrependido — respondeu Riley. — Acho que o tempo faz bem a todos nós.

— Ô, se faz! — respondeu Luke observando o decote de Cheryl. — Há muito tempo Riley me contou que fazia parte de um grupo de treinadores muito poderosos em Sinnoh, fiquei surpreso ao vê-los reunidos aqui.

— Estamos tentando reunir os Stats Trainers originais outra vez, mas só viemos nós três — respondeu o homem. — A Marley foi visitar a família em Galar, e a Mira tinha vestibular marcado pra esse fim de semana.

— Vestibular? Mas Mira não era aquela garotinha de uns dez anos que tinha esse tamanho, e... — Luke chegou a uma súbita conclusão. — Meu Arceus. Tô ficando velho.

— E seu irmão? — Cheryl perguntou com um sorriso doce.

— Ah, tá por aí. Nós fazemos tudo juntos, mas também não vivemos grudados. Cada um precisa do seu espaço. Acho que estamos em busca da nossa “próxima grande jornada”, pesquisando os melhores lugares para se visitar, planejando viagens... Vai dar bom, tenho grandes expectativas pra esse ano.

— E o que o traz à Survival Area? — Riley voltou a perguntar. — Não creio que esteja precisando de treinamento

— Na verdade, eu vim para ajudar uma amiga que foi seques... — Luke levantou-se de forma abrupta da cadeira. — PUTA MERDA, EU PRECISO IR SALVAR A DAWN!

— Ah, a história da mina sequestrada era verdade? — perguntou Buck.

— Pelo visto você continua sendo um imã para confusões, não? — Riley falou entre risadas. — Lembro-me até hoje de nossas aventuras pelo Templo em Snowpoint... Olhando para trás, até que sinto um pouco de saudade disso.

— Nem me fale. Estou super nostálgico ultimamente — respondeu Luke. — Agora, se me derem licença, preciso bancar o super-herói.

— Ela ainda é sua namorada? — perguntou Cheryl.

— É minha ex. A gente terminou faz uns anos.

— Oh. Lamento — disse Cheryl, mas na verdade ela não lamentava nada. — Mande lembranças a ela.

— Tu é muito gado pra ainda conversar com ex — falou Buck.— Mas gente, se a mina foi sequestrada POR QUE ESTAMOS AGINDO COMO SE FOSSE UMA COISA NORMAL?

— Pare de falar como se usasse o Caps Lock ativado o tempo todo — pediu Riley.

— É que acontece com certa... frequência — respondeu Luke com uma risada calorosa. — Povo, foi um prazer revê-los, valeu pelo fanservice. Qualquer hora dessas vamos todos para a Battle Tower quebrar alguns recordes, perder, e voltar aqui para chorar. Me aventurar por Sinnoh e ter conhecido vocês foi uma das maiores alegrias de minha vida.

Os três integrantes dos Stats Trainers se levantaram para despedir-se de Luke e levá-lo até a saída. A distância era curta até a Stark Mountain e Buck ofereceu-se para guiar o rapaz, pois conhecia bem aquelas rotas, mas Luke alegou que não iria demorar e preferia não ter ninguém para atrasá-lo na escalada.

— Estou feliz em vê-lo, Luke Wallers. Você mudou de verdade, e para melhor — disse Cheryl, dando-lhe um abraço gentil. — Da última vez que o vi você era um menino, e voltou como homem.

— Puxa, fico lisonjeado — ele agradeceu. — A senhorita também está oh, uma belezura, Cheryl! Puro charme maduro.

— Você não acha que sou velha demais para você? Heh, heh. Um galanteador, como sempre — Cheryl sorriu. — Se quiser, eu tenho uma amiga solteira que é a sua cara. Ela é fascinada num novinho. Quer que eu te passe o Zap Zapdos dela?

— Opa, só mandar — respondeu Luke já com seu PokéNav que adquirira em Hoenn em mãos. — Qual o nome dela?

— É Fantina.          

Segundos depois, Luke estava escalando a montanha mais rápido que um Floatzel.

Enquanto o observava se distanciar, Riley sentiu que ainda havia certa aura mágica ao redor do garoto, como se Luke e Lukas nunca deixassem de ser crianças — treinadores e coordenadores sonhadores disputando insígnias e fitas pela região em busca de seus sonhos. Viver ao lado deles era como ser eternamente carregado de volta para o passado — não que aquilo fosse ruim, pois alguma coisa na maneira como aqueles garotos falavam e agiam o fazia sentir que tudo sempre terminaria bem.


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  1. Bicho, assim, foi bem rapidinho esse, mas eu curti. A vibe é muito tranquila apesar da situação dentro do enredo ser complicada. O Luke ( & o Buck ) conseguem quebrar muito a tensão oapskdpodkapskdpakpdkasod. Mas assim, tu acredita que ler hoje o Luke Wallers é muito estranho pra mim? Meio que o Luke um pouco mais maduro acentua mais meu sentimento de deslocamento com a história. Realmente, o tempo passa...

    Ver parte dos Stat Trainers, que apareceram "só" pelo fanservice, me deixa alegre, mas também taca um peso no coração que é de ferrar os olhos, porque mano, é só mais um aspecto que me faz lembrar que o tempo passou e muito desde então, e me faz pensar por consequência em algumas outras coisas.

    Por fim, falarei do começo. Tivemos ali um pouco de esclarecimento das motivações dessa reunião de malfeitores, embora sejam, ao final de tudo, nada mais do que pedacinhos de pão jogados numa trilha a qual podemos somente imaginar ao que ela levará. As palavras "Clonagem" e "Fendas" por si só já abrem pelo menos uns três ou quatro possíveis desfechos, no mínimo, com o resto do que foi dito? Dá pra ampliar aí.

    Valeu aí mano Canas, e até depois.

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    1. Salve, mano Napo! Uma das coisas que eu disse a mim mesmo antes de escrever esse especial era para não levar as coisas a sério demais. Depois de tanta coisa que esses personagens passaram eu não queria que eles outra vez se vissem encurralados, temendo por suas vidas como na Ilha de Ferro ou buscando vencer o invencível como na Liga. Acho que o trecho final é onde isso mais fica claro, como quando o Riley diz que junto deles é como se tudo fosse terminar bem. Disso o leitor não tem dúvidas, mesmo assim, tento instigar através de encontros inusitados, nostalgia e tudo que nos fazia amar acompanhar essa história.

      Eu também estranhei o Luke mais maduro no começo kkkkkk Quando eu era adolescente e escrevia sobre ele eu me achava totalmente diferente do Luke, e muito mais parecido com o Lukas. Hoje em dia aconteceu uma reviravolta tão louca que me sinto 100% conectado ao Luke, meio à deriva, mas está sendo muito bacana mostrar esse lado e como nós dois crescemos como personagem e autor.

      Esse capítulo é da minha remessa antiga de 2020, mas a partir da Parte 4 você talvez sinta uma diferença na escrita. É quando o bicho pega kkkkkkkk Espero que apareça por aí para dar mais uma conferida. Forte abraço!

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