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Posted by : CanasOminous
Mar 28, 2019
Cortinas de Prata
Capítulo Especial - Sinnoh x Johto
Dez
e vinte e quatro da manhã. Era uma terça-feira. O dia mais longo da minha vida.
O
despertador tocou sete da manhã, minha mãe e eu estávamos hospedadas em
Mahogany para visitar o vô Pryce que estava de cama. Já fazia alguns meses que
comecei a visitá-lo todos os dias, ele estava meio fraco, mamãe dizia que era
bom os netos estarem por perto o máximo de tempo possível.
A
casa estava silenciosa, mas, como de costume, minha avó Katherine já estava na
cozinha preparando o café da manhã. Cumprimentei-a com um beijo no rosto e
olhei para o quebra-cabeça inacabado na mesa de sala — três mil peças, esse ia demorar um
bocado.
— Vivian, sobe aqui, depressa!
— minha mãe chamou com urgência.
Subi as escadas às pressas e
me deparei com meu avô deitado em sua cama de bruços. Ele respirava com
dificuldade, escorria baba de sua boca, seus olhos mal conseguiam se abrir;
minha mãe sempre soube como lidar com situações adversas, eu não. Ela tomou o celular
na mão e ligou para um tio médico, precisava descobrir o que estava
acontecendo. Fiquei em choque, há pouco menos de duas semanas o vô Pryce
parecia tão bem, estava rindo de meus comentários e resmungando com seu mau
humor costumeiro... Do dia para a noite, foi como se ele tivesse envelhecido
dez anos, seus cabelos sempre bem penteados estavam todos desgrenhados, a cama
fedia a mijo, sua comida permanecia intocada na mesinha de canto.
Minha avó entrou no quarto
trazendo um pratinho com pão e mortadela frito. Parecia que nem ela havia
notado a súbita piora do meu avô.
Após receber as instruções do
meu tio, mamãe começou a correr pela casa feita louca. Lembro dela ter me dito
no dia seguinte: “Eu pedi pro universo me mandar alguém, qualquer pessoa, porque
eu não conseguiria fazer aquilo sozinha”. Não demorou muito para que minha tia
Neusa de Azalea chegasse — como um sinal divino —, e ela percebeu que a
situação requeria urgência.
Deixei o quarto, porque eu
não estava com cabeça para aquilo. Eu sabia que ia acontecer. Não quis negar, pois
sabia das condições e da doença dele, mas encontrei dificuldades em compreender
como a vida seria dali em diante. Subi e desci a escada mais vezes do que
deveria, eu só não queria estar lá dentro, ficava repetindo a mim mesma: “Por
favor, por favor, não deixa eu estar perto quando acontecer”. Observei cada
quadro na estante, o meu favorito era um do vô bem novo carregando sua Swinub
gorducha no colo, a primeira captura dele; cada objeto velho que trazia tantas
histórias que eu ainda não conhecia; o tempo estava acabando, e por um breve
instante fui assolada com a ideia de que não tinha aproveitado como deveria.
Minha mãe passou às pressas
pelo corredor com os cobertores sujos. Enquanto ela estava ocupada, fui até o
quarto e me sentei do lado do meu avô. Eu não sabia se ele estava me ouvindo,
mas também não encontrei nenhuma palavra que oferecesse conforto, por isso só
segurei sua mão, o que é curioso, não éramos de nos encostar muito. Fiquei
acariciando-o de leve, como se tivesse a esperança de que minha presença o
confortasse.
— Pai, pai. Você quer ir ao
médico? — minha mãe falou com a voz solene. Era surpreendente o quão tranquila
ela aparentava, dada a situação.
Meu vô mexeu a cabeça devagar
— um sinal de que ele estava sim nos escutando —, mas fez que não com a cabeça.
Decidimos deixá-lo tranquilo, enquanto minha mãe fazia conforme meu tio médico
indicava pelo telefone.
Foi surpreendente como a
notícia correu rápido. Em menos de duas horas, recebemos a visita de pelo menos
seis parentes diferentes. Todos ajudavam com o que podiam, fiquei mais
tranquila com a presença deles porque, sinceramente, eu não estava em condições
de consolar a minha avó. Dona Katherine sempre foi uma mulher muito forte,
mesmo que os dois nem fossem mais casados, quando ele começou a piorar, ela se
mudou para Mahogany para cuidar do meu avô todo santo dia — preparava café,
almoço e janta, aguentava os xingamentos (até porque gente velha é assim, gosta
de xingar), limpava a casa, trocava os lençóis e no dia seguinte estava pronta
para repetir a dose.
Eu estava sentada na varanda
quando ouvi minha tia cochichar para minha mãe:
— Chegou a hora.
Respirei fundo e fechei os
olhos. É, chegou a hora.
Quando subi para o quarto, me
deparei com o corpo na cama. Vi minha avó sentada do ladinho dele, acariciando
seu cabelo devagar. Eu digo que a mulher é forte, porque ela derramou uma
lágrima, só uma. O homem da vida dela havia acabado de falecer, mas ela não fez
estardalhaço, não perdeu o controle, nem demonstrou — era como se ela
compreendesse que, frágeis como somos, um dia a morte chega para todos. Eu dei
um abraço forte na minha mãe que também se permitiu chorar um pouquinho, mas
havia muito a que se pensar: Onde seria o enterro? Como fazer o anúncio? O que
fazer com o corpo? Qual o melhor velório? Quem ia assumir o ginásio?
É, morrer dá um trabalhão. O
que mais doeu nessa primeira parte do dia foi ver o irmão mais novo do vô
chegar. Ele é meio surdo, tadinho, e foi a última pessoa a conversar com ele em
vida. Minha mãe disse que o vô estendeu o braço e sorriu, como se só o
estivesse esperando chegar para enfim descansar. Eles eram em cinco irmãos,
agora só sobrava um. Eu sou filha única, mas, cacete, deve doer ver todo mundo
indo embora até só sobrar você.
— Vivian, querida, pode abrir
a janela? — pediu minha avó.
Eu abri os vidros e, nossa.
Que dia lindo pra morrer. Sério, a frase pode parecer sarcástica, mas estava um
dia incrível mesmo, nada daquela chuva ralinha dos filmes e paleta de cores
cinzenta que os cineastas costumam usar quando querem passar um clima mais
tenso; estava fresco e ensolarado. Se eu tivesse que escolher uma forma de
morrer, queria que fosse assim. Meu vô não queria que seus últimos momentos
fossem enclausurados em um hospital, talvez entubado, lutando para sobreviver
mesmo diante da derrota iminente, com gente estranha correndo no corredor e uma
máquina apitando do lado; ele estava cercado das pessoas que amava, no conforto
de sua própria cama e na segurança de seu lar.
A notícia da morte correu
ainda mais depressa, logo começou a vir parente de tudo quanto é parte. A
primeira a chegar foi a prima Katy, que por sorte havia acabado de voltar de
Kalos para passar umas férias; ela me abraçou acanhada, meio que sem saber o
que fazer, porque sabia o quanto eu era apegada com meu avô.
— Ei, Vi... como é que está?
— Ah, eu tô bem — respondi
com sinceridade.
Nós nos sentamos na beirada
da cama, o corpo do meu avô já havia sido retirado. Na mesinha de canto, vi o
prato que minha avó havia preparado para ele — sua última refeição.
— Ele não comeu o pão com
mortadela — falei.
E, pela primeira vez no dia,
me permiti chorar, pois percebi que ele nunca mais ia tomar café da manhã
comigo.
Comecei a mastigar o pão
mesmo sem fome, eu não ia permitir que o último café da manhã dele fosse pro
lixo. Céus, minha cabeça estava uma ameba. Katy me abraçou, e eu lembrei que o
dia ainda nem havia começado.
O que veio a seguir foi uma
sucessão de cenas esquisitas. Muita espera e correria, é como falei, morrer não
é fácil. Mamãe precisou ser muito forte, perdi um vô, mas ela perdeu um PAI.
Quando alguém morre, tem tanta burocracia envolvida que você pode ter certeza
que pelo menos um mês inteiro você não vai ter tranquilidade; é caixão,
cemitério, contas a acertar, termos e contratos, aposentadoria, muita coisa
para passar adiante. Enquanto os adultos discutiam, eu me sentei na cadeira de
rodas do vovô e comecei a ir para frente e para trás. Quis experimentar um
pouco a sensação, saber como ele se sentia, eu nunca havia percebido como era
desconfortável, por que ele nunca me contou? Quando uma tia me viu ali sentada,
ela ficou em choque. Não sei se pensava que eu estava desonrando a memória
dele, mas a cadeira agora era minha, pô.
Recebemos uma ligação por
chamada de vídeo, e esta deve ter sido a parte mais doida do dia. Adivinha quem
era? Irmão da minha mãe, um cara que se mudou para uma região distante para
virar Mestre Pokémon e nunca deu satisfação a ninguém. Fazia uns quinze anos
que eu não o via, ele nem era considerado parte da família; tinha sua própria
vida longe de nós e, em todo esse tempo, ele nunca ligou para saber como
estávamos.
“Como é que ele está?”,
escutei a voz abafada do outro lado.
— Ele já morreu... — minha
mãe respondeu.
“Posso vê-lo?”
Sério? Sério que ele queria
ver um corpo morto? Por que ele não veio visitar quando enviamos uma carta,
dizendo que a saúde do vô tinha piorado? Por que ele nunca visitou o pai nos
últimos quarenta anos? Ou melhor, por que ele não volta AGORA? Seria um ótimo
momento para se redimir, rever todos nós, contar sobre sua vida nova e depois
voltar, ninguém estava pedindo para ele ficar para sempre. Minha mãe levou o
celular até o quarto e mostrou o corpo lá parado, sei lá, vai que ele achava
que era brincadeira.
“Tudo bem. Tchau”.
E essa foi a última vez que
ouvi falar do meu tio. Mamãe já nem liga mais, ela diz que não devemos julgar a
dor dos outros, mas... “Posso ver o corpo dele?” Fala sério, puta que pariu.
i
Aqui começamos a segunda
parte desse longo dia, vamos dar um pulo para o velório, porque aparece muita
gente famosa e vocês vão gostar. Sabe, uma das maiores doenças que assola os
idosos é a depressão — eles acham que já não são mais úteis para ninguém, um
peso no mundo; palavras de amor e gestos de carinho se tornam cada vez mais
raros e a fragilidade diante do que um dia foram piora ainda mais a situação.
Meu avô fechou o ginásio há alguns anos, e isso acabou com ele. Batalhar era
sua vida, mas é engraçado pensar que ele também tinha hobbies. Lembro quando
ele me contava sobre a guerra, e me presenteou com uma medalha de sua
participação! Desde então, comecei a chamá-lo de “capitão” em reconhecimento ao
seu cargo como líder de ginásio. Pryce gostava também de pescar, atividades que
seus colegas da Liga desconheciam. Na verdade, tem muita coisa sobre ele que
nem eu sei.
Como ele morreu bem cedinho,
o corpo só ficou pronto lá por volta do meio dia e o cemitério só ficaria
aberto até as quatro. Minha mãe decidiu adiar o enterro para a manhã seguinte,
dessa forma todo mundo que pegou um avião ou se juntou ao seu Pokémon voador
para comparecer ao enterro teria tempo de chegar.
Só que isso significava
passar a madrugada inteira ali, o que se revelou como uma experiência bem louca
por si só.
Eu não me vesti de preto
naquele dia, não dá pra imaginar uma Vivian de preto. Eu até que estava bem, me
recuperando, achava que o pior já tinha passado.
— Vi, acha que pode postar
uma mensagem no seu perfil, avisando todos do ocorrido? — perguntou minha mãe.
— Sim, claro — respondi. Ela
não queria nada muito elaborado, só pediu para anotar o endereço e o horário do
velório, para as pessoas se programarem. Passei uns trinta minutos pensando em
como escrever até conseguir algo satisfatório, e enfim, postado.
Meu texto atingiu umas
duzentas e cinquenta curtidas e mais de cem comentários. Uau. Nem minhas fotos
de biquíni chegam a tanto.
Quando chegamos ao velório,
vi gente de tudo quanto é canto, reencontrei amigos que não via há anos e
recebi a visita de pessoas que eu menos esperava. O pessoal da Liga Pokémon
garantiu o quarto mais chique, e nas primeiras horas da manhã não demorou para
lotar; todos os líderes de ginásio da região de Johto compareceram, cada um
trazendo uma mensagem motivadora ao seu próprio estilo.
— Que linda declaração de
amor, Virginia! — encorajou Chuck, contendo uma ou duas lágrimas. Nem fiz
questão de corrigir meu nome. — Ele foi um lutador, um verdadeiro capitão!
— Sei como é perder alguém
querido, minhas orações estarão com você e toda sua família — falou Jasmine.
— Meus sentimentos — disse
Clair.
— Seu avô foi um verdadeiro
amigo de muitas histórias, ele era de uma sabedoria infinita. Que encontre a
paz — continuou Morty. — Saiba que a morte nada mais é do que uma jornada que
todos nós teremos que tomar.
Se eu disser que não sorri
nesse dia, eu estaria mentindo. Que surpresa foi a minha ao me deparar com
Ethan e Amy juntos; ele sem o boné, todo tímido e comovido; e ela com um par de
óculos escuros maiores que o rosto para esconder os olhos inchados, sem perder
a pose. Amy me abraçou forte, não perdi a oportunidade para brincar e dizer: “Tu
ainda me deve uma bike”. Nós duas
rimos muito, naquela hora eu estava realmente feliz por vê-los.
Junto de Ethan, era claro que
tinha de vir todo o seu fã clube. Muitos velhinhos ali conheciam Pryce, alguns
haviam estudado com ele quando pequenos, outros eram colegas de trabalho ou
apenas espectadores que tinham tido a chance de assistir a uma das tantas
batalhas incríveis que ele travara.
Um senhorzinho que eu não
conhecia o nome chegou para mim e falou:
— Vivi, tenho sessenta e um
anos e amaria ter uma neta como você. Um dia, quando eu partir, gostaria de
receber uma homenagem como aquela que você escreveu. Esteja onde estiver, tenho
certeza que ele está muito orgulhoso de ter convivido com você, que Arceus
possa consolar os corações de todos que amam seu querido avô.
Sabe, ouvir aquilo de um
estranho me deixou muito feliz. Eu, uma neta exemplar? Nunca fiz nada para
merecer tal reconhecimento, só postei alguns pensamentos em uma rede social,
mas parecia que todo mundo tinha lido. O velório estava lotado, meu avô estaria
surpreso! Ele amava receber atenção, mas me entristece pensar que não está mais
aqui para ver quanta gente se importava com ele. A vida é cheia dessas, quantas
vezes nós só arranjamos tempo para visitar alguém depois de que ela já morreu?
Sabe aquelas coroas de flores? Ele recebeu sete, todas lindas e bem decoradas,
quase não tinha mais espaço do lado do caixão. E as visitas não paravam de
chegar, o ambiente era preenchido por aquele burburinho baixo, uma risada
ocasional irrompendo pelo aposento, uma fungada ou outra para esconder a
choradeira.
A cena que mais doeu em mim —
na verdade, em todo mundo que estava presente — foi quando chegou o irmão mais
novo do meu vô. Como mencionei, ele é meio surdo. Eu o vi se aproximar do
caixão, mas acho que não tinha noção de estar falando alto demais.
— Meu irmão! Meu irmão! Agora
eu estou sozinho, e quem cuidará de mim?
Ele foi guiado por uma das
netas, seu corpo tremendo e o nariz fungando, e nós ainda podíamos ouvi-lo
repetir: “Agora só sobrou eu... me sinto tão só. Por que vocês me deixaram?”
Stanley, meu namorado, foi o
próximo a chegar, quase comecei a chorar só de vê-lo na porta. Ele ficou ao meu
lado até o fim, ouvindo, falando quando necessário. Sua mera presença me
confortava, foi muito importante tê-lo por perto. Eu não estava esperando ver
tanta gente vinda de Sinnoh, era uma viagem longa, até hoje não sei como eles
fizeram para chegar tão rápido. De noitinha, Luke e Lukas chegaram com sua
família, fiquei de boca aberta ao saber que até o pai deles, o famoso ex-campeão,
Walter Wallers, também estava junto.
Lukas, meigo como sempre,
quase me arrancou mais lágrimas. Luke, por outro lado, me fez rir quando eu
achava que meu mundo não tinha mais cor.
— Vivian, você é uma das
primeiras e únicas pessoas nesse mundo que tiveram a proeza de fazer meu pai
chorar — disse Lukas. — Sério, quando ele leu aquele seu texto, mamãe me contou
que o viu chorando bem baixinho, escondido no quarto.
Conversar com aqueles dois
irmãos no meio madrugada me deu mais energia para aguentar as difíceis horas
que se seguiram — afinal, o enterro só poderia ser feito às oito.
— Ei, Luke, acha que pode me
emprestar os óculos escuros do seu Garchomp? — perguntei.
— Claro, por quê?
— Sei lá, só pra me prevenir.
Depois eu devolvo.
Meus amigos de Sinnoh não
pararam de chegar, acho que não consegui esconder minha cara de terror ao me
deparar com Marley, minha rival de longa data dos tempos do Grande Festival.
Ela só veste preto, naturalmente, então não estava muito diferente do que eu
estava acostumada a vê-la, mas quando me abraçou, meu peito se apertou ao
perceber que ela também chorava.
— Você precisa ser forte
agora — disse Marley.
Dawn e Cynthia foram as
últimas a chegar, quase às três da manhã, quando fazia mais frio. Em outros
tempos, eu diria que aquele encontro teria sido muito feliz, meus amigos de
jornada, todos reunidos. Quando eles souberam que eu passaria a madrugada toda
no velório, eles prontamente se ofereceram para ficar lá comigo. E como eu
poderia recusar? As horas passaram mais depressa na companhia deles, tínhamos
tanto a discutir.
Quando o dia já ia
amanhecendo, a maioria já havia adormecido como puderam nas desconfortáveis
poltronas. Melyssa nos trouxera um bolo, e Cynthia saiu para comprar o café da
manhã. Eu estava deitada no colo de Stanley, com os olhos pregados de tanto
sono, quando senti que queria compartilhar uma experiência com ele.
— Eu me lembro do último ano
novo que comemorei com meu avô.
— E o que vocês fizeram? —
perguntou Stan.
— Quando bateu meia noite,
ele começou a chorar. Eu fiquei sem reação, afinal, estava todo mundo
comemorando o começo de um novo ciclo, se abraçando e brindando, enquanto eu
fiquei lá parada do lado dele na cadeira de rodas, sem conseguir abraçá-lo.
— Mas você estava ao lado
dele, Vi. E eu garanto que isso o deixava contente.
— Acho que ele sabia que
havia chegado a hora. Gosto de dizer a mim mesma que, nesse momento, um anjinho
chegou bem perto dele e falou: “Sr. Pryce, esse é seu último ano aqui na Terra,
tá bem? Aproveite o máximo que puder”.
Oito horas da manhã, o céu
clareou e o dia continuava lindo.
Olhei uma última vez para o
rosto de meu avô antes de fecharem o caixão.
— Quem irá carregá-lo? — ouvi
Dawn perguntar baixinho.
São necessárias seis pessoas
para carregarem o caixão, é um percurso curto, mas muito significativo. Eu me
enchi de orgulho ao saber que na frente iriam o tio Walter e o Lance, que
chegara havia pouco de uma viagem de emergência, só para o enterro; os outros
três foram o Chuck, Falkner e Ethan; normalmente eles preferem que apenas os
homens façam isso, mas qual foi a minha surpresa ao saber que eu seria a última
convidada.
Foram os doze metros mais
longos da minha vida.
Fizemos a caminhada em
silêncio até o cemitério, fui subindo de mãos dadas com Marley e Stanley de
cada lado. Mesmo que a maioria das pessoas que compareçam no velório não fique
até a hora do enterro, ainda devia haver umas sessenta pessoas, o suficiente para
fechar a rua. Minha mãe sempre disse que velório não é lugar para a criança,
por isso nenhuma das minhas primas de Azalea mais novas compareceram — o que
foi um alívio, eu não teria suportado ver nenhuma delas chorando.
Nossa longa jornada estava
quase chegando ao fim. Na pequena catedral, tivemos nossa última despedida do
vovô, de um jeito mais particular. Fazia anos que eu não entrava em um
cemitério, mas desde aquele dia eu tenho ido todo mês levar algumas flores,
acender velas. Meu pai costumava dizer que não gostava de cemitérios, porque o
que ele tinha para dizer aos vivos já havia sido dito, mas eu gosto dessa ideia
de prestar as devidas homenagens aos mortos. É um ambiente sagrado, e muito
belo se você souber reparar.
Os adultos levaram um tempão
decidindo se o vovô seria enterrado do lado Azalea da família ou como um membro
honorário da Liga, mas foi minha avó quem deu a palavra final:
— Ele sempre quis que
fôssemos enterrados juntos — disse Katherine.
O túmulo da nossa família é
bem grande, espero que o vovô goste. Eles destamparam o mármore e, enquanto
dois homens desciam o caixão, nós ficamos lá, olhando.
Eu vi Lance tirar um
papelzinho do bolso do paletó. Ninguém tinha me contado que ele havia preparado
um discurso, imaginei que seria incrível um homem respeitado como ele dar as
últimas palavras ao falecido. Com seu vozeirão, Lance começou a falar:
— Ontem a noite, me pediram
para dizer algo bonito na hora do enterro, mas para ser sincero, eu não
encontrei nada que chegasse nem aos pés dessas palavras tão lindas e honestas
que eu lerei aqui para vocês.
Os homens continuavam cavando.
Lance abriu o papel e começou a ler:
— “Hoje uma garota se despede
de seu capitão”.
Ah. É o meu texto. Coloquei
os óculos escuros, porque ia começar a chover.
“Hoje uma garota se despede
de seu capitão. Meu avô encontrou a calmaria depois da tempestade. Fico a
pensar em todas as lembranças dessa longa viagem, quando o conheci ele já tinha
os cabelos branquinhos e, apesar de eu ter tido a chance de acompanhá-lo por um
breve período de sua vida, sinto muito orgulho deste velho capitão — das caras
engraçadas que ele fazia e dos momentos de lazer com quebra-cabeças, do eterno
carinho pela minha avó que me faz acreditar no amor.
Oitenta e cinco anos de
aventuras! Lembro quando ele me deu uma medalha que diz ter ganhado nos seus
dezoito, de volta aos tempos da guerra. Será que ele lutou bravamente? Ele era
um líder, um verdadeiro treinador; mas também um pai dedicado, um avô
brincalhão, um amigo gentil. Ele amava andar com sua Swinub gordinha debaixo do
braço, mas ela se foi antes. Hoje cedo ele também descansou em sua cama
confortável e, veja só, estava um dia lindo! Muito bom para pescar, uma de suas
atividades favoritas. Nós deveríamos ter pescado mais, só que eu sempre morri
de nojo de pegar nos peixes, desculpe... Eu coloquei uma roupa bem bonita hoje,
porque ele gostava de me ver chique, prendi a medalha no peito para me lembrar
de todas suas conquistas e vitórias até aqui, mesmo as que conheci apenas
através de breves histórias.
Hoje, as cortinas de prata
abrem caminho para praias brancas. Independente da crença ou religião, espero
que lá no futuro possamos nos encontrar de novo num barquinho, onde meu bom e
velho capitão estará me esperando com sua Swinub gordinha do lado. Ele vai me
olhar com aquele sorriso tão raro e espontâneo, do jeitinho como lembro, e vai
dizer:
— Vivian, que bom que está
aqui comigo!”
Saudades eternas, vovô. Me
espere.
Em homenagem à Teruo Ikeoka.
14/10/1931 ~ 28/03/2017
Tocante.
ReplyDeleteFoi interessante que o tão súbito capítulo novo de Sinnoh fosse uma despedida para o velho Pryce. Não esperava, a sério, uma coisa dessas.
Uma Vivian mais tristonha... Quem diria que eu veria isso? E vários personagens de Sinnoh e Johto dão as caras, mas o que achei mais intrigante foi o tal irmão da mãe de Vivian. Além de lógico, este capítulo abrir um novo espaço na "Busca pela Timeline perdida".
Olha, eu achei um capítulo bem bonito, simples, mas bonito.
Agradeço pelo capítulo, e presto minhas homenagens ao tal Teruo Ikeoka, mesmo que eu não saiba quem é,eu tenho a impressão de conhecer seu sobrenome, e, mesmo que eu não conhecesse , se ele foi importante pra tu, pessoa que eu respeito, então ele merece as homenagens.
Que bom que curtiu, Sir! Foi um especial inesperado e muito pessoal mesmo, eu sinceramente achava que nem chegaria a escrevê-lo, mas em uma dessas madrugadas solitárias sentei na frente do note e saiu em uma tacada só. Eu queria esperar o Dento prosseguir com Mente de Cristal justamente porque tem alguns elementos surpresa aí, ele queria chegar em uma parte onde o Pryce fosse mostrado novamente começando a usar sua cadeira de rodas, mas ele acabou pedindo que eu não perdesse a data, então postei dia 28 mesmo exatamente às 10:24. Mas ainda tem muita coisa boa pra acontecer em Johto que pode interferir no que vai rolar na Sinnoh 2.0 kkk
DeleteComo eu estive trabalhando muito tempo com a Vivian no especial do Aventuras no Desconhecido, percebi que seria uma boa hora de fechar esse ciclo, até porque eu também adorei vê-la na visão do Dento como uma criança bem mais novinha, e foi ele quem inventou essa coisa dela ser neta do Pryce kkk Acabou que tudo se interligou no final. A timeline perdida segue tomando forma!
Ah, e pode ter certeza que foi um grande homem! :') Aqui estará um singelo capítulo de sua jornada na vida para eternizá-lo. Obrigadão por vir comentar Sir, e abraços!
As vezes eu abro Sinnoh para ver se tem algo novo e olha sø.
ReplyDeleteO velho Pricy morreu e esse capítulo foi bem triste.
Os personagens de Jotho e Sinnoh finalmente se encontram, mas não é importante agora.
Eu nunca perdi ou fui a um velório de uma pessoa próxima a mim, então eu não conheço esse sentimento e espero não descobri-lo tão cedo.
Será que passamos tempo suficiente com essa pessoa? Começei a conversar mais um pouco mais com meus avôs, mas não creio ser suficiente, ja que esse capítulo me fez perceber que tenho que me "esforçar" mais.
Como disse Sir Naponielli, não conheci a pessoa a quem o capítulo foi homenagiado, mas deixo aqui minhas homenagens.
É isso, mano, até mais!
É sempre um prazer vê-lo por aqui, Alefu! Vez ou outra surge um post surpresa né, gosto de surpreender a galera quando menos se espera kkk Esse especial surgiu em uma madrugada estranha, eu e o Dento começamos a falar sobre tantas coisas da vida que ele sugeriu que eu escrevesse isso. A ideia era deixar esse capítulo para ser postado só beeeeem lá pra frente, quando ele estivesse mais adiantado em Johto e tudo o mais. Acabou que decidimos postar exatamente dia 28 de Março pelo valor sentimental. É como se ele acontecesse em um futuro distante, mas ainda na mesma linha temporal da Aliança Aventuras, pode ter certeza que na hora certa esses personagens irão todos se encontrar e vai ser muito louco kkkk
DeleteVelórios são uma coisa de doido, cara. Acho que passei uns 20 anos da minha vida sem nem entrar em um e, de repente, num único ano cheguei a ir seis ou sete vezes, é esquisito como a vida é frágil. Mas como sou desses que encontra uma história nos lugares mais incomuns (como o capítulo especial onde Aerus e Tih se encontram na feira kkkk), senti que seria legal compartilhar com vocês.
Agradeço as homenagens, significa muito ter vocês aqui para comentar e apreciar um pouco da longa jornada do mestre Pryce. Grande abraço!
Nunca fui apegada a ninguém como essa menina, que triste... Que capítulo maravilhoso e que escrita maravilhosa. Eu não entendo muito sobre pokemons pq faz um tempo que não assisto esse desenho e quando assistia tbem não prestava muita atenção nos nomes. Vc tem uma facilidade enorme em dar nomes, já apareceu umas centenas de personagens e eu não lembro o nome de nenhum (só o dos principais kk)
ReplyDeleteExiste o capítulo? Sabe me informar em que página está? Eu tô meia perdida, eu sou meia perdida 😖
Uau, que alegria saber que você leu esse capítulo mesmo sem conhecer tanto sobre Pokémon e ainda pôde apreciar minha escrita! A verdade é que esse capítulo é uma "cena especial" da fanfic que eu costumava escrever, porque a história mesmo já terminou lá em 2015 depois de 250 capítulos postados kkkkkk É muito difícil encontrar leitores novos, porque eles têm a impressão de que precisarão acompanhar tudo para entender o que está passando, mas você leu este Cortinas de Prata e pôde curtir da mesma forma.
DeleteGrande parte desses nomes são apenas referências aos personagens dos jogos, mas também há conexões com as fanfics de outros amigos que escreviam comigo, é como se fosse um gigantesco crossover! Só que a protagonista aqui é essa garota chamada Vivian, que costumava ser uma secundária. Dependendo do capítulo que você acabar lendo, haverá um protagonista diferente no comando.
Se você der uma olhadinha aí no blog notará o Menu Capítulos onde estão listados os 100 da história principal, mas o blog também está recheado de extras, desenhos e curiosidades sobre esse unviverso da fanfic que escrevi. Não se preocupa em estar perdida, tenho certeza que até eu me perderia no meio dos mais de 1500 posts que fiz hahaha
Se não curtir Pokémon, te convido a dar uma passadinha ali no blog do livro, porque se trata de uma fantasia original e ainda estou construindo aos poucos! Não sei se você também pensar em publicar algo ou se apenas gosta de falar sobre escrita, mas estou sempre por aí para trocar uma ideia kkk Muito obrigado por seu comentário, fez minha noite!
http://reinodesellure.blogspot.com/