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Cynthia não suportaria ficar
nem mais um segundo sequer trancada dentro de casa. Nunca fora do tipo que esperava
algum herói ir salvá-la. Tornou-se o símbolo que gostaria de ter tido quando
menina, queria influenciar toda uma geração de treinadores. Desde pequena
gostava de se embrenhar no meio do mato em busca de novas aventuras e Pokémon,
e por mais que muitas fossem arriscadas e repletas de perigos para uma criança
de sua idade, delas nasceram oportunidades transformadoras.
A pequena Verity estava com o
Piplup de Dawn em seu colo, observando sua mãe andando de um lado para o outro
com agitação. Duke estava triste e cabisbaixo após mais uma derrota humilhante,
não seria a primeira vez que era impedido de proteger a sua treinadora quando
ela mais precisou. Cynthia também não conseguiu pregar os olhos à noite
pensando na segurança de Dawn, mas com a insônia vieram também novas ideias e
alternativas.
Dirigiu-se apressada ao seu
escritório. Pelo vão da porta, Verity pôde observá-la retirar do fundo falso do
baú um compartimento secreto trancado a sete chaves. Havia uma pedra de
estranho formato com uma fenda e dois buracos nas laterais, um artefato
extremamente antigo que atiçou sua curiosidade, mas não quis ser xereta e
perguntar o que era.
— Espero não estar arriscando
demais... — ponderou Cynthia consigo mesma.
Ao sair do escritório, já
estava de malas prontas. Verity brincava desenhando na mesa da sala quando sua
mãe passou apressada e lhe deu um beijo na testa de despedida.
— Que desenho bonito. Onde é?
— perguntou Cynthia.
— Onde eu morava antes —
respondeu Verity com tranquilidade, pondo os lápis coloridos de lado. — Pra
onde você vai?
— Mamãe tem algumas
pendências para resolver — respondeu Cynthia. — Eu pedi para alguns amigos
ficarem de olho em você, eles devem chegar daqui a pouco. Não me venha aprontar
com eles, hein? São três dos treinadores mais fortes que conheço, só para ter
certeza que nada de ruim irá lhe acontecer.
Verity encolheu os ombros e
deu risada, fingindo-se de desentendida. Quando Cynthia estava com a chave em
mãos, o Piplup de Dawn correu em sua direção e começou a rodeá-la, pedindo
incessantemente que a levasse junto.
— Ah, Duke, eu não sei...
pode ser perigoso para alguém do seu tamanho.
O Piplup estufou e bateu no
próprio peito com força, insinuando que não tinha medo de nada. Cynthia riu,
afinal, como poderia negar ajuda de um Pokémon tão determinado?
A campainha tocou e ela logo
foi atender. Em frente à sua casa estava ninguém menos do que Riley, Cheryl e
Buck, três dos integrantes originais dos Stat
Trainer que estavam por perto e se ofereceram para a difícil tarefa de
cuidar da criança de uma campeã.
— Fala aí! Firmeza? — falou
Buck apressado cumprimentando com acenos e gestos e já entrando na casa para
ver o que tinha de bom na geladeira.
— Ah, querida... — disse
Cheryl, abraçando sua amiga na tentativa de confortá-la após tudo que ocorrera.
— Eu conheci a Dawn na primeira vez que eles passaram por Eterna. Ela é uma
menina de ouro. Logo agora que você se estabilizou em uma casinha confortável
para chamar de sua, algo terrível assim acontece. Existem muitas pessoas más
nesse mundo.
— Eles não tardarão a
trazê-la em segurança. Você tem os melhores do seu lado — falou Riley com
confiança. — Até lá, dou a minha palavra de que sua filha estará segura
conosco.
De fato era a primeira vez
que seus amigos a visitavam em muito tempo. A notícia de que Cynthia tinha uma
filha daquele tamanho pegou a todos de surpresa assim que souberam, e não dava
para esconder que estavam curiosos para saber mais sobre a misteriosa criança.
Verity continuava na sala,
alheia às visitas. Era uma garotinha de cabelos castanhos e sorriso
contagiante, mas não se parecia em absolutamente nada com Cynthia. Assim que os
viu, Verity deu um salto de onde estava e correu para cumprimentá-los como se
já os conhecesse de longa data.
— Tio Rye, você também veio! —
disse a menina referindo-se a Riley. Em seguida ela olhou para Cheryl e ficou
pasma como ela tinha um corpo bonito. — Puxa, Sabi, quando foi que cresceu
tanto? Você não tinha uns peitõooes desse tamanho! — Ela enfim viu Buck voltar
da cozinha de boca cheia e não pôde deixar de comentar: — E você... você é a
cara da tia Zisu. Eu não sabia que ela também tinha filhos, isso é muito legal!
Vou ter mais gente com quem brincar.
Os Stat Trainers encararam Cynthia, sem entender absolutamente nada do
que aquela garota parecia falar. Será que ela os estava confundindo com outra
pessoa? Cynthia levou a mão ao rosto e lamentou não ter tempo.
— Eu explico tudo depois, mas
agora realmente preciso ir. Fiquem de olho nessa pestinha. Ela é curiosa... até
demais.
Assim que Cynthia fechou a
porta de sua Villa, os três companheiros se entreolharam e pensaram que não
seria tão difícil tomar conta de uma criança. Tinham uma mansão inteira ao seu
dispor, e a hidromassagem aquecida parecia estar funcionando perfeitamente.
— Bom, eu não sei vocês, mas
vou usufruir só um pouquinho dessa vida burguesa — disse Buck já com uma toalha
de banho nas costas.
Estava quase entardecendo,
mas Cynthia continuava disposta a viajar através de toda Battle Zone se fosse para encontrar sua amada. Estava sem nenhum
Pokémon no time, exceto por uma pedra enigmática e um desengonçado Piplup que
se apressava para acompanhar seu passo e recusava-se a ser carregado no colo.
Se a noite os alcançasse, temia que Duke não fosse o suficiente para protegê-la
de eventuais predadores.
— O que houve? Já cansou? —
perguntou Cynthia, olhando para trás só para ter certeza de que o Piplup não
tinha infartado. — Vamos lá, ainda nem começamos a nossa escalada. Segundo o
Luke, devemos encontrá-lo na base da Stark
Mountain. Eu só não consegui mais estabelecer contato algum, acho que está
sem sinal.
Cynthia parou de andar e
encarou o céu. As estrelas estavam radiantes, e a lua crescente era
perfeitamente visível. Só a ideia de que aquele era o mesmo céu visto em Sinnoh
há mais de quinhentos anos a fazia conectar-se com a região, pois sabia que
ainda havia tanto a se explorar! Sentia saudade da inquietação de uma jornada,
e por mais que agora o assunto exigisse urgência, cogitou até sugerir sair para
aventurar-se com Dawn em algum lugar distante, quem sabe visitar sua casa de
veraneio em Unova e conhecer novas pessoas e Pokémon.
O Piplup puxou a barra de sua
calça, chamando a atenção da mulher. Podia não ser um bom lutador, mas seus
extintos apitavam que eles tinham companhia.
— Saia daí quem quer que
esteja se escondendo, ou vai sofrer as consequências — alertou Cynthia como seu
único aviso.
Do meio da mata surgiu um
homem de meia idade vestindo um sobretudo bege, roupas formais e sapatos
envernizados. Seu semblante era convicto, tinha os cabelos levemente grisalhos
e escovados com cuidado. Não se parecia nem um pouco com um aventureiro, estava
mais para algum tipo de detetive que saíra da sessão de clássicos na biblioteca
de Galar para se perder no meio de um matagal sem repelente para Cutiefly.
— Assumo que você seja a
Srta. Cynthia. Sua reputação a precede — disse o homem, erguendo a mão com um
distintivo da polícia antes mesmo que ela se apresentasse. — Pode me chamar de
Observador, ou Looker se achar que tudo no inglês fica mais chique. Ou
Bellochio. Ou Beladonis. Ou simplesmente Mr. Handsome para os íntimos. Tenho
vários nomes, um para cada continente. São meus disfarces.
— Fascinante — respondeu
Cynthia, pouco interessada.
— Onde estão seus Pokémon?
Vejo que está sem nenhuma pokébola. Acho difícil acreditar que uma treinadora
capaz como você decidiu se aventurar pela região com um inicial como se ainda
fosse uma jovem.
— Perdão? — Cynthia
questionou, ofendida. — Está insinuando alguma coisa sobre minha idade?
— De forma alguma — Looker
respondeu, cauteloso.
— Quanta indelicadeza... E
respondendo sua pergunta, o sistema ainda não deu baixa e entende que estou com
seis Pokémon na equipe, por isso não me permite sacar uma sétima pokébola.
— Estamos cientes do
sequestro que ocorreu em sua morada na tarde de ontem, senhorita, inclusive do
roubo de seus Pokémon. A polícia foi acionada. Estamos em uma operação secreta
há mais de cinco meses seguindo os passos dos membros remanescentes dos
Galactic que se espalharam por Sinnoh.
— Eu não pedi a ajuda de
vocês — respondeu Cynthia de forma ríspida. Ela se lembrava com clareza da
ameaça de Petrel, alegando que se a polícia se envolvesse, pessoas iriam se
machucar. Achava que a presença de tanta gente só dificultaria as coisas, ainda
mais agora que Luke estava tão próximo de localizar o paradeiro deles.
Cynthia e Duke retomaram o
caminho da selva deixando Looker para trás, mas o detetive voltou a segui-los
no seu encalço.
— Ouvi dizer que a senhorita
estuda mitos e lendas do Mundo Pokémon — disse ele.
— Pois é — confirmou Cynthia,
pouco interessada em compartilhar mais de seu conhecimento tão valioso. — Muito
do que ouço falar por aí não passa de fantasia, teoria sem embasamento. O tipo
de história que busco não tem jogos de política, bombas e tiroteios como no
tipo de livros que o senhor deve gostar de ler para sair por aí brincando de
Detetive Wobbuffet.
— Não tenho tempo para essas
brincadeiras, senhorita. Meu negócio é onde as coisas acontecem — contou o
detetive. — Eu sempre estou um passo à frente de meus inimigos. Quando você
menos estiver esperando, eu estarei lá.
— É mesmo? Puxa, espero que
não chegue atrasado então — respondeu Cynthia com um sorriso forçado.
A mulher apressou-se alguns
metros a frente quando Looker decidiu perguntar:
— O que você entende sobre
fendas temporais?
Cynthia parou e olhou
na direção dele de forma alarmada. Não quis deixar transparecer, mas aquele era
um assunto que vinha levando como segredo absoluto até mesmo de pessoas que
amava. Looker ajeitou a gravata ao perceber que tocara num tópico delicado,
exatamente como havia planejado.
— Acreditamos que os Galactic
estão querendo trazer seu antigo chefe de volta através de uma fenda do Distortion World.
— Ah — Cynthia soltou uma
indagação, parecendo um pouco aliviada. — O mundo da antimatéria. Dizem que
está no lado reverso ao nosso.
— Sim. Não podemos deixar que
isso aconteça, você entende, não?
Cynthia respirou com pesar.
Havia muito mais em jogo do que simplesmente resgatar sua companheira das mãos
de criminosos. Sabia o quanto os Galactic e os Rocket podiam ser perigosos,
ainda mais quando unidos. Desde o princípio havia dito a si mesma que não se
envolveria naquelas loucuras, mas agora só podia desejar que Luke estivesse bem
e em segurança.
i
Dentro da redoma repousava
uma pedra vermelha que brilhava como se fosse lava, cujas bordas distorcidas
emitiam uma energia densa o bastante para superaquecer o vidro blindado que a
protegia. O Professor Charon examinava cuidadosamente uma pequena fratura
extraída da Magma Stone através de um
microscópio, estudando as reações causadas cada vez que misturava água e outros
elementos orgânicos. A pedra os derretia quase que instantaneamente, por isso
era necessário manuseá-lo através de um maquinário eficiente e sempre com
proteção adequada.
Alerta
vermelho! Alerta vermelho!
Sua concentração foi
interrompida no momento em que o alarme soou. Charon nem se deu ao trabalho de
olhar para trás, tão concentrado que estava. Perto da saída, Petrel fumava um
cigarro até o talo, seus dedos batucando com impaciência sobre o batente da
mesa.
— Não vai ir verificar o que
é que tá rolando? — perguntou Petrel, pouco interessado.
— Não. Contratei você para
ser o músculo dessa operação. O cérebro é por minha conta — respondeu Charon,
concentrado no estudo da pedra.
Petrel jogou o cigarro
no chão e o apagou com uma pisada forte.
— Nunca vou entender
cientistas e essa sua ciência imbecil.
— É por isso que nunca se
formou na escola, Petrel — retrucou Charon, com os olhos grudados em seu
microscópio.
O executivo saiu ainda mais
irritado do que antes, já farto de ter que trabalhar com aqueles Galactic
imprestáveis e seus sonhos surreais. Sentia falta da facção que o abraçara em
tempos de necessidade. Os Rocket sempre tomavam o que queria, mesmo que para
isso tivessem que usar a força. Aquele cientista não passava de um lunático. Se
pudesse, teria acabado com ele ali mesmo e faria parecer um acidente
laboratorial.
Enquanto seguia através dos
corredores espremidos do esconderijo, escutou o som do que parecia ser uma
batalha. Se a polícia estivesse mesmo envolvida não tardaria para que eles se
espalhassem como baratas, mas havia uma tensão estranha no ar.
O chão começou a tremer.
Petrel precisou se apoiar em uma das paredes. Quando se deu conta, um Garchomp
passou disparando por baixo da terra, cortando ferro e metal como se fosse
papel. Logo atrás vinha uma Sneasel que se esgueirava pelas sombras com
velocidade impressionante. O dragão brecou e fez uma curva com agressividade,
pronto para interceptar sua adversária frente a frente. A Sneasel tentou
defender-se, mas levou uma pancada forte o bastante para arremessá-la do outro
lado.
— Sorrateira, Icicle Crash! — ordenou Amy.
A felina soprou um ar gélido
que congelou um enorme pedaço de rocha que despencou de uma das paredes. Usou
suas garras para fatiá-la até transformá-la no que parecia um estalactite,
atirando-o em direção do dragão como se fosse uma lança. O Garchomp tentou
defender-se com os braços, mas a lança o perfurou no ombro e o prensou contra a
parede, causando uma dor lancinante.
— Nenhum Garchomp
sobreviveria a um golpe do tipo gelo como esse — comentou Petrel, transtornado.
— Essa Sneasel... parece que eu já a vi em algum lugar.
O Garchomp não se deu por
vencido. De alguma forma ele parecia estar carregando uma Berry consigo, e no
momento em que a consumiu, o gelo pareceu nem surtir efeito. Dessa vez ele devolveria o ataque em dobro,
causando uma ponte de pedras através do Stone
Edge que atingiu a Sneasel em cheio, nocauteando-a de imediato.
— Eu fiz minha lição de casa —
mencionou Luke do outro lado. — As Yache
Berries possuem propriedades que diminuem o impacto de golpes de gelo.
— Pelo visto você não é leigo
mesmo, apesar da cara de bobo — comentou Amy, antecipando o próximo passo. —
Para a próxima luta vamos precisar de um pouco mais de espaço.
O sistema de eletricidade do
laboratório sofreu uma descarga e então todas as luzes se apagaram. Petrel só
conseguia pensar que precisava dar logo o fora dali, só precisava encontrar
alguma saída de emergência. Seguiu a única luz vermelha que conseguiu
encontrar, mas por algum motivo ela estava se distanciando cada vez mais. A luz
piscou, e através dela pôde enxergar um assustador Dusknoir de braços cruzados
cujo único olho o fitava como se prestes a consumi-lo. Petrel sentiu as pernas
estremecerem e partiu na direção oposta, mas do outro lado uma sombra
fantasmagórica espreitou-se pelas paredes até desaparecer como um sopro. Ele
podia escutar sua risada sinistra ecoando por toda parte.
— Um Gengar...! — afirmou
Petrel. — Eu só conheço uma pessoa que tinha um desses na equipe, ainda por
cima shiny.
O Gengar disparou uma Shadow Ball contra Petrel que se agachou
segundos antes da esfera maligna atingir o Dusknoir no peito. General
contraiu-se com o impacto, mas tão logo recobrou a pose. Com um soco potente,
devolveu um Shadow Punch na mesma
moeda, acertando seu oponente aonde quer que ele tentasse se esconder.
— Por que você chama seu
Gengar de Blue se ele não é azul? — perguntou Luke, só por curiosidade.
— Porque eu o capturei quando
ele era um Gastly e, para sua informação, existe uma vertente da espécie desses
fantasmas que emite uma fumaça azulada extremamente rara. Fui uma dessas
afortunadas — contou Amy.
— Maneiro. Acho legal você
dar nome para os seus Pokémon. Só os fortes fazem isso — disse o rapaz. — Por
sinal, eu ainda não sei o seu.
— É Amanda Green — ela disse
confiante.
— Se falou o sobrenome, então
deve ser importante. Sou Luke Wallers.
A batalha estava começando a
sair do controle. O velho Charon respirou com pesar, mas ao menos concluíra a
primeira etapa de sua pesquisa. Quando desligou seu maquinário, a Magma Stone ainda estava fervendo tanto
que seria impossível pegá-la com as mãos.
— O que fazemos agora,
senhor? — indagou Cosmo.
— Nós esperamos — respondeu
Charon. — Já provocamos a pedra, não tardará para que seus donos venham
recuperá-la, atraídos pela energia que ela emite.
— Mas se os Heatran vierem,
isso não poderá acarretar na erupção do vulcão adormecido sob a Stark Mountain? — insistiu o assistente.
— Isto seria uma catástrofe.
— Sim. Catástrofe. Esta é a
palavra — disse Charon com o semblante sombrio. — Sempre que um perigo iminente
desses está para assolar um continente, acontece um evento que gosto de chamar
de ruptura das fendas. Elas são completamente aleatórias e podem acontecer em
qualquer lugar do mundo, mas podemos também forçar uma rachadura no tempo-espaço.
Bastam alguns minutos para que elas se fechem, e isso faz com que sejam seladas
para nunca mais serem vistas.
— E a garota... ela viu uma
dessa fendas no Spear Pillar quando
perdemos o Mestre Cyrus — Star mencionou.
— Precisamente. E, graças a
ela, dessa vez eu sei exatamente onde haverá uma. E é para lá que rumamos.
Charon juntou uma pasta com
seus principais arquivos confidenciais e uma bolsa com alguns poucos pertences.
Era claro que ele não pretendia retornar. Aquele velho laboratório já havia sido
condenado e era questão de tempo até que os Heatran chegassem e consumissem
tudo com seu fogo.
Sua mão pousou sobre o botão
de abertura da porta quando ele percebeu que havia água entrando por entre as
frestas. Cosmo e Star se entreolharam, ponderando qual deles se esquecera de
desligar a torneira ou dar descarga na privada. Quando se deram conta, a porta
arrebentou como uma barragem e uma enxurrada de água varreu o laboratório
inteiro.
Os corredores se
transformaram em um tobogã, cuspindo-os para fora com a força de uma torrente
marítima. Charon ajeitou os óculos e olhou para cima a tempo de ver um enorme
Gyarados disparar um Hyper Beam na
direção de um Kingdra que desviou-se por alguns poucos segundos. Mikau mirou e
fez um único disparo certeiro do Hydro
Pump dentro da boca da serpente, arremessando-a com força contra o chão.
— É, parece que os Heatran
serão o menor dos nossos problemas — brincou Charon, limpando o jaleco e
ajeitando seus pertences. — Esses dois sozinhos vão causar a erupção do vulcão.
Luke e Amy batalhavam com
ferocidade, enfrentando-se com a determinação inesgotável de dois campeões que
se recusavam a desistir. Seus Pokémon estavam no auge de sua força, e não
fariam feio frente a um adversário desconhecido. Havia certa confiança por
parte de cada um que entrava em batalha, uma vontade exagerada de vencer
independente de aquilo influenciar ou não no resgate de Dawn — que, por sinal,
fora largada em algum lugar do laboratório feito um saco de batatas.
— É impressão minha ou aqui
dentro está esquentando? — perguntou Amy com malícia.
— Olha, faz tempo que não
sinto uma empolgação dessas em uma batalha — falou Luke, limpando o suor da
testa.
Os dois olharam para o alto e
se deram conta de que ainda estavam dentro na montanha, aproximando-se cada vez
mais de seu centro. Dava para enxergar o céu através da abertura por onde
fumaça e enxofre eram expelidos. As paredes da montanha eram salpicadas de
vermelho como se magma fluísse através delas em uma cachoeira constante.
E então, o primeiro deles caiu
como uma rocha desgrudando da montanha. Luke olhou para o alto e notou que mais
pedras se formavam como se fosse um enorme formigueiro vivo. Havia uma
infinidade de Heatran que fizeram do vulcão sua morada, infestando as paredes e
nadando em rios de magma. Eles haviam sido atraídos do abismo de seus lares em
busca da Magma Stone, vociferando com
suas mandíbulas metálicas enquanto trituravam ferro e rocha.
— Está prestes a acontecer —
disse Charon com a cápsula térmica da pedra em mãos.
ii
Cynthia havia acabado de
alcançar a montanha quando notou que a fumaça expelida se tornara densa e
escura. Com sorte havia chegado alguns minutos antes da polícia, tempo o
suficiente para resolver as coisas do seu jeito.
Duke provou-se um excelente
companheiro, especialmente em uma região com predominância de Pokémon do tipo
fogo, pedra e terrestre. Varreu todos por seu caminho, abrindo espaço para que
a treinadora alcançasse a entrada do laboratório. Cynthia deparou-se com tudo
inundado, equipamentos danificados e qualquer tipo de prova simplesmente
destruída. Deixaria aquilo a cargo da polícia, pois no momento sua prioridade
era encontrar Dawn e tirá-la dali em segurança o quanto antes.
Piplup parecia ter um ótimo
senso de direção, localizando-se através das poças d’água que se formaram com a
inundação para buscar rastros e até o cheiro de sua treinadora. Ele corria
apressado até demais para um pinguinzinho desengonçado. Duke estava tão
preocupado quanto qualquer outro com Dawn.
O ar começou a esquentar.
Cynthia sabia que estava chegando ao centro da montanha. Assim que alcançaram a
saída, ela percebeu que estavam em uma área muito mais distante e elevada da
montanha onde era possível enxergar de longe Luke travar uma batalha épica contra
Amy.
Abaixo deles, um rio de lava
corria fumegante com uma centena de Heatran furiosos. Sobre eles, Petrel
segurava Dawn amordaçada e com uma faca em seu pescoço.
— Fique quietinha e
comporte-se como uma boa garota — ordenou o Rocket.
Por mais assustada que
estivesse, Cynthia não deixou transparecer em momento algum sua preocupação.
Petrel era o tipo de criminoso mais perigoso que agia com imprudência e, por
fim, recorria à violência quando encurralado num sinal de desespero. Dele, não
podia esperar nada. Duke estremeceu ao dar-se conta de que sua treinadora
estava em perigo outra vez, mas Cynthia procurou acalmá-lo.
Em seu cinto, Petrel
carregava as seis pokébolas roubadas do time da treinadora. Dawn a encarou nos
olhos, e acreditou que tudo terminaria bem.
— Tome cuidado, Petrel. Você
está entrando em um terreno sem volta — disse a ex-campeã.
— Qual é, você não vai
perguntar o que eu quero? — confrontou o homem. — Dinheiro? Fama?
Reconhecimento? Eu perdi tudo. Pode parecer
idiota, mas eu quero me vingar de todos vocês, de qualquer pessoa, de toda essa
gente feliz seguindo com suas vidas pelo mundo, se aventurando ao lado do um
Pokémon inicial que amam. Nem todos têm essa chance, sabe?
— Oh, pobrezinho. Tão
incompreendido — Cynthia o provocou, o que o deixou cada vez mais irritado. —
Você não passa de uma mera sombra do que já foi a facção criminosa mais respeitada
e influente no Mundo Pokémon. Ninguém aqui tem medo de você.
— Medo? Quero ver você dizer
isso quando eu estiver com uma faca em sua garganta.
— Eu vou te ensinar o que é
medo — ralhou Cynthia.
Com apenas uma das mãos, a
treinadora posicionou misteriosa pedra que trouxera de sua casa. Era a primeira
vez que usava algo considerado tão perigoso. Conhecida como Odd Keystone, dizia que dentro daquela pedra
estavam aprisionados 108 espíritos malignos que foram banidos por conta de sua
maldade constante há quinhentos anos.
A pedra tremeluziu quando sua
chave foi rompida. Contorcendo-se como uma criatura finalmente liberta de seu
cárcere, de dentro dela saiu uma aberração exorcizada de olhos penetrantes e
barulho ensurdecedor. Petrel sentiu suas pernas tremerem diante da presença do
Spiritomb, um Pokémon tão antigo que suas lendas foram esquecidas pelos livros
de história. Cynthia vinha estudando aquele Pokémon há muito tempo para
descobrir uma forma de colocá-lo em seu time e ser capaz de controlá-lo.
O Spiritomb abriu sua boca e
começou a sugar tudo ao seu redor para dentro do vazio. A distorção causada foi
forte o bastante para chamar a atenção dos Heatran e perturbar o vulcão. Um
terremoto foi sentido por conta da batalha travada entre Luke e Amy. Uma enorme
pedra desprendeu-se e por pouco não atingiu Petrel e Dawn que precisou se jogar
para não serem atingidos. Cynthia correu para socorrê-la, mas o chão começou a
rachar prestes a desmoronar. Com dedos ágeis, atirou uma Quick Ball na direção do Spiritomb e o capturou efetivamente, um
acerto crítico. Mas a distração serviu para que Petrel a agarrasse pela perna
enquanto os dois escorregavam em direção do rio de lava.
— Eu caio, mas vou levar um
de vocês comigo...! — gritou o criminoso.
E então, Petrel sentiu uma
pedra chata acertá-lo bem no meio da testa. Não fez mais do que um arranhão,
deixando um filete de sangue escorrer até sua boca.
— Uma... Everstone? — indagou Petrel.
Quando se deu conta, um
Piplup enfurecido correu em sua direção e disparou com a força de um canhão,
dando-lhe uma cabeçada em cheio no abdômen. O impacto o fez escorregar e soltar
Cynthia no susto. Pokémon e criminoso deslizaram pelo piso que cedeu sobre seus
pés rumo a sua sina iminente, e durante a queda ainda foi possível escutar um
último grito de desespero por parte de Petrel, quase que um clamor em nome da
facção que tanto amara: “Vida longa aos
Rockets!”.
— Pinguim! — Cynthia gritou alarmada.
Ela correu e prostrou-se
sobre a beirada do precipício quando uma luz ofuscante tomou conta do ambiente.
Ao se dar conta, havia um Prinplup segurando-se com esforço na beirada e com um
cinto contendo seis pokébolas intactas, arrancadas das calças do criminoso.
Cynthia o ajudou a subir e o abraçou com tanta força que Duke sentiu-se um
vencedor. Dawn não conseguia parar de chorar, estava tão contente por rever
seus amigos, e principalmente por seu primeiro Pokémon ter aberto mão de sua
forma inicial que tanto prezava somente para salvá-la.
— Eu sempre acreditei em
você, Duke! Você nunca desistiu de mim, e eu nunca vou desistir de você! —
disse Dawn, envolvendo-o em um forte abraço.
Cynthia juntou-se a eles num gesto caloroso e agradeceu os céus por estarem bem. Sua missão agora fora concluída, mas um novo problema se formou — a montanha não tinha mais salvação e a erupção era iminente, condenando toda a ilha conhecida como Battle Area a afundar no oceano.