— Ei, pivete. Já faz quanto tempo?
— Três anos, pelos meus cálculos.
— Uau. Pensei que nunca fôssemos voltar.
— Não diga bobagens. Sinnoh sempre será
nossa casa.
O cruzeiro deslizava pelas águas gélidas
que cercavam o continente, a Battle Tower
se erguia tão alta quanto o próprio Mt. Coronet. A chegada estava prevista para
as oito da noite e todas as luzes da região estavam acesas como se fossem
estrelas cintilantes. Uma névoa fraca cobria o oceano, as chaminés do navio
exalavam fumaça como se respirassem com dificuldade.
A enorme embarcação atracou, suas pontes
foram estendidas até terra firme. O garoto fechou os olhos, respirou fundo e percebeu
a dificuldade por conta da temperatura amena. Seus lábios estavam ressecados,
as bochechas coradas e o coração aquecido. Nunca percebera como cheiros remetiam
a lugares em que estivera, talvez sua mente estivesse tão associada à ideia de
voltar que uma simples pedra poderia lhe despertar as lembranças mais remotas
da infância.
Eles viajaram por muito tempo. Mas em
algum lugar a saudade de casa foi mais forte.
Seu irmão se aproximou de malas prontas,
deixou-as no chão e aproximou-se do gêmeo para arrumar o cachecol branco que
estava torto em seu pescoço.
— Pronto. Como se sente? — perguntou
Lukas.
— Ansioso. Acho que preciso de uma cama e
alguém para me esquentar — respondeu Luke. — E você?
— Senti muita falta de todos. Desse
lugar. — O garoto pareceu disperso, tantos pensamentos percorriam sua mente que
parecia difícil organizá-los. — Sabe, viajar pelo mundo foi uma experiência e
tanto, mas quando penso que estamos de volta sou tomado por um misto de saudade
e nostalgia.
— O mundo parecia menor naquela época. —
Luke murmurou, pegou sua mala e desceu do convés. — Já estou me sentindo com
treze anos de novo.
Era inverno na região e os turistas
lotavam os corredores do cruzeiro que atracara na Battle Zone, uma ilha localizada no nordeste de Sinnoh. Os Irmãos
Wallers haviam marcado de se encontrar com uma amiga especial na Resort Area, um condomínio luxuoso que
servia de morada para celebridades no mundo inteiro.
Ao descerem pela ponte no deck, um casal
os aguardava de braços abertos. Lukas disparou na frente e foi acolhido nos
braços de sua mãe e Luke enterrou o rosto nos ombros do pai e se segurou para
não chorar.
— Minha nossa, como vocês cresceram —
disse Melyssa.
— Por que tenho a impressão de que você
sempre diz quando nos encontra? — perguntou Luke.
— Deve ser porque vocês ficam tanto tempo
longe que, quando retornam, é sempre motivo de comemoração — respondeu Walter. —
Estou feliz em tê-los de volta, meus amados filhos.
O ex-campeão de Sinnoh estava com mais
fios grisalhos desde a última vez que se viram, sua barba estava quase toda
branca e as marcas de expressão no canto dos olhos denunciavam que a idade
também chegara para ele. Lukas não pôde deixar de brincar com o fato de que seu
pai ganhara um pouco de peso, mas o velho Walter vinha desempenhando um
excelente papel na administração de Sinnoh desde que o governo e o cargo de
campeão foram separados. Melyssa continuava cheia de ternura e charme, vestia
um sobretudo ocre e cada ano que passava só a deixava mais charmosa.
A família Wallers não parou de conversar o
caminho todo até o hotel, havia tanto a se falar! Luke e Lukas mal podiam esperar
para voltar a Twinleaf, olhar para o Lake
Verity onde suas jornadas como treinador e coordenador tivera início e
mergulhar em uma viagem no tempo.
— Quando voltarmos, qual será a primeira
coisa que vão fazer? — perguntou a mãe dos meninos.
— Eu ia adorar rever nossos amigos —
disse Lukas. — Sinto tanta falta deles.
— Quero confirmar se ainda vou caber no
beliche de cima — respondeu Luke. — Vocês deixaram as nossas coisas no mesmo
lugar ou já venderam tudo e construíram um quarto de hóspedes?
— Sua mãe não me deixava nem tirar pó lá
de dentro, quanto menos mexer em seus pertences — disse Walter com um sorriso. —
Como vocês disseram que têm um compromisso antes de voltarem para Twinleaf, marquei
com os membros da ex-elite para um almoço quando vocês voltarem. Até mesmo Ike
Smithsonian disse que iria fazer de tudo para comparecer.
— Pô, que saudade deles! Erick, tio
Glenn, tio Marshall — comentou Luke. — Fiquei sabendo que o Ike perdeu o posto
de campeão enquanto estivemos fora, é verdade?
— Sim, já faz um tempo, filho. Mas ele
também estava querendo sair, esses cargos importantes ocupam tempo e exigem
muita dedicação de nós.
— Eu entendo. Descobri que há muitos
outros treinadores poderosos por aí. Acho que eu pensava que a história girava
em torno de mim, sabe? Em nossa jornada atrás das insígnias para vencer a Liga
Pokémon em Sinnoh, eu não fazia ideia de como o mundo era grande.
— O Luke participou de torneios em Hoenn
e Kalos. Ganhou muito, mas também apanhou pra caramba. Nós conhecemos muita
gente incrível — explicou Lukas.
— Pois é. Aí tiramos esse último ano pra
passar umas férias em Alola — disse Luke. — Pegamos sol de quarenta graus por
lá, e agora estamos aqui congelando na terra dos Delibirds.
— Que bom que voltaram,
porque assim mamãe pode cobri-los de noite e fazer chocolate quente, ou vocês
estão velhos demais para isso? — disse Melyssa.
Luke e Lukas se entreolharam. Com sua mãe
para mimá-los seria como ter dez anos de novo.
Walter e Melyssa estavam de visita na
ilha norte para realizar uma reunião com Palmer Tycoon, o chefe da torre de
batalha, para discutir questões financeiras. Palmer era um treinador fenomenal
que testava o limite dos desafiantes mais experientes. “Never lose! Keep wining!” era o lema da torre, mas Luke não se
sentia no clima de encarar uma centena de desafios em sequência. Se ainda
tivesse quinze anos não teria pensado duas vezes para começar, Palmer era pai
de Stanley, seu maior rival. O loiro não pôde comparecer no reencontro porque
Vivian o levara para sua cidade natal em Johto, ela fez questão de apresentar
todas as Primas de Azalea de uma só vez para certificar-se de que sua família
aprovaria seu novo namorado, afinal, o requisito básico ele tinha — ser loiro e
aguentá-la vinte e quatro horas por dia.
Além do encontro com os pais, Luke e
Lukas haviam marcado de rever uma amiga muito querida. Walter e Melyssa mal
tiveram tempo de ouvir todos os detalhes sobre a nova jornada dos filhos, mas
teriam tempo para isso quando todos voltassem juntos para Twinleaf no fim de
mês.
— Quantas blusas vocês trouxeram? Estão
levando escova de dentes e toalha? E não se esqueçam de comprar flores para a
dona da casa, filho meu não vai visitar ninguém de mãos vazias. — Melyssa os
repreendia e os irmãos só conseguiam rir da preocupação dela.
— Qual é, mãe, nós já temos dezoito —
disse Luke.
— Eu sei, eu sei, mas... Ah, meus
queridos. — Ela os envolveu num abraço forte e lhes deu um beijo na testa. —
Vocês sempre serão minhas crianças.
Após se despedirem dos pais, os gêmeos
pegaram a balsa até o outro lado da ilha. Quando menores, os dois visitavam a Resort Area com frequência. Lukas fora
convidado a participar de um evento na Ribbon
Society onde só os melhores coordenadores do mundo tinham acesso. Milena,
sua Milotic fora condecorada por uma das apresentações mais belas já feitas.
Assim como seu irmão, ele participou de Contests
espalhados pelo mundo para aprender novas técnicas e, principalmente, se divertir.
Suas aparições eram marcadas por levantar questões humanitárias, ele até fora
convidado para duas ou três palestras em escolas.
Os condomínios de luxo da Resort Area
eram extraordinários, só se tinha acesso
ao local por meio de uma permissão assinada. Treinadores do mundo inteiro
compravam terrenos para construir suas mansões, como a líder de ginásio e
modelo Elesa, e Diantha, campeã de Kalos.
O endereço deixado era em uma casa de
campo, número 17. Como prometeram a sua mãe, Luke comprou um vaso de lírios
brancos. Aquelas flores tinham muita história.
Os Wallers estavam acostumados a ser
tratados como reis desde criança. Eles não ligavam para dinheiro e nem gostavam
de se gabar por isso. Para uma criança de quinze anos como Luke, ganhar a Liga
lhe dera a chance de ser tratado como uma celebridade durante os anos se
seguiram, ele fora convidado para fazer comerciais e até mesmo participar de
outras Ligas, mas não queria esbanjar-se do sucesso, o jovem treinador manteve
uma chama acesa que ansiava por aventura.
Longe de Sinnoh ele era apenas mais um, e
isso o agradava.
— Tô bonito? — perguntou Luke em frente à
porta antes de tocar a campainha.
— Você está incrível, sublime, acho que é
o garoto mais lindo que já vi na minha vida.
— Tá falando isso porque somos gêmeos?
Os dois foram pegos rindo sem parar e,
quando a porta foi aberta, uma voz familiar soou do outro lado. Luke esperava
uma garota, mas viu uma mulher. Seu cabelo crescera, mas ela ainda os prendia
com duas presilhas no canto como sempre fizera quando menina. Ao vê-los parados
ali com um vaso de lírios na mão, ela quase começou a chorar.
— Surpresa...? — Luke falou acanhado
quando Dawn pulou em seus braços e acolheu os dois rapazes cheios de ternura.
— Por Arceus, eu senti tanto a falta de
vocês!
— Como é bom revê-la, Dawn! — disse Lukas
cheio de empolgação. — Nosso trio está reunido de novo, nem dá para acreditar.
— E isso são lírios? Ah, só vocês para prepararem
uma surpresa dessas! Ainda lembro quando eu e o Luke brigamos e ele comprou
essas flores para se redimir, só depois foi descobrir que o significado delas
era casamento. Tadinho, ficou tão acanhado!
— Eu ainda sinto vergonha disso.
— Eu amo lírios desde então, tá bem? São
minhas flores favoritas.
Dawn os convidou a entrar como se fosse a
anfitriã, o interior da casa era ainda mais deslumbrante e requintado do que os
jardins e muros do lado de fora. A lareira estava acesa mantendo o ambiente quente
e aconchegante, Lukas tropeçou em um par de pantufas cor-de-rosa no caminho, eles
se sentiram acomodados na mesma hora, pois a casa era como uma das pousadas de
inverno em Snowpoint.
Luke subiu para deixar as malas no quarto,
Dawn não parava de falar de tão ansiosa que estava, ela parecia compensar pelos
últimos três anos de assuntos.
— Lukinhas, fica à vontade! Não me venham
agir como se fossem estranhos, vocês já são de casa!
O rapaz concordou e foi até a sala de
jantar. Um cheiro delicioso deixava um rastro até a cozinha. Os pratos estavam
postos, mas ele percebeu que havia cinco lugares e perguntou para a amiga
quando ela voltou:
— Vai vir mais alguém?
Uma garotinha de cinco anos passou
correndo pelo corredor atrás de um Piplup, mas ao ver os estranhos, ela voltou
ainda mais depressa para se esconder.
— Duke, traz ela aqui! Quero que conheçam
a Verity — disse Dawn, chamando a menina para que ela os cumprimentasse.
A garotinha se escondeu atrás de Dawn
toda tímida, Lukas apoiou-se nos joelhos para ficar na altura dela. Ele sempre
levara jeito com as crianças, que por sua vez também se encantavam com seu
sorriso.
— Oi, Verity, meu nome é Lukas. Eu sou
amigo da Dawn faz muito tempo, sabia? Ela foi minha colega de viagem e tomava
conta de mim, pode-se dizer que é minha irmã mais velha.
Lukas olhou para um lado e depois para o
outro, como se quisesse ter certeza de que ninguém os observava.
— Você gosta de mágicas, Verity? — A
menina fez que sim com a cabeça e Lukas se levantou. — Eu vou sair por essa
porta e depois reaparecer em outro lugar, tudo bem?
No instante em que Lukas deixou a casa,
Luke desceu a escada em um timing
perfeito. Verity ficou perplexa e Dawn não escondeu a risada, afinal, a criança
não fazia ideia de que os Irmãos Wallers eram gêmeos.
— Opa, e quem é essa menininha linda? — Luke
aproximou-se com as mãos no bolso e bagunçou o cabelo dela. — Digo, tem duas
aqui, mas qual delas será a mais bonita?
Verity deu risada e encolheu os ombros,
acanhada. Luke certificou-se de que seu irmão não estaria por perto antes de
perguntar:
— Pode me responder uma coisa? É muito
importante. Essa resposta pode definir o rumo da sua vida.
Verity encheu-se de ansiedade.
— Você quer ser treinadora ou
coordenadora quando crescer?
— Treinadora, com certeza! — respondeu
Verity.
Luke estalou os dedos, estendendo a mão
para ela.
— Toca aqui, tu é das minhas!
Verity seguiu perseguindo o pinguinzinho
até a cozinha. Depois que Lukas voltou, ele explicou da mágica e os dois
combinaram de pregar outra peça nela antes da janta.
— Que menininha adorável — disse o
coordenador.
— É minha filha — respondeu Dawn.
— O QUÊ? — Luke berrou mais alto do que
gostaria.
— É só por consideração, bobinho! Como eu
e a Cynthia assumimos um relacionamento mais sério, ela me contou que tinha uma
filha. Tudo bem que a nossa diferença de idade é grande e às vezes eu acabo
cuidando dela como se fosse minha irmãzinha, mas ela é tão fofa, não?
— Onde está a Cynthia, por sinal? — perguntou
Lukas.
— Na cozinha. Estamos preparando um prato
especial para vocês.
Quando Luke e Lukas entraram, eles não
puderam esconder a surpresa. Cynthia era a única pessoa no mundo que conseguia
agir como uma modelo dentro de casa, vestir um avental sujo e ainda tomar conta
de uma criança sem perder a classe e desmanchar a franja. Ela acabara de
retirar do forno um delicioso prato de batatas gratinadas, o que os levou em
uma viagem no tempo para o começo de suas aventuras.
— Bem na hora! — disse Cynthia. — Sejam
bem vindos.
— Não acredito no que estou vendo! Você
ajudou ou ficou só olhando? Dessa vez acertaram na receita ou vamos comer
batatas marrom glacê pela segunda vez? — Luke brincou com sua amiga.
Dawn foi até Cynthia e lhe deu um beijo
na bochecha.
— Eu ajudei, tá bem? Não foi só vocês que
evoluíram nesse tempo.
O jantar foi servido em talheres dourados
e taças de cristal. Havia também macarronada à bolonhesa, arroz temperado e, no
centro, as gloriosas batatas gratinadas no ponto, recheadas com queijo e creme
de leite. Verity perguntou se um batalhão iria vir para jantar, isso porque ela
ainda não conhecia aqueles dois com fome. Cynthia lhes ofereceu uma garrafa de
vinho, afinal, todos ali agora eram maiores de idade, mas Luke se contentou com
um refrigerante bem gelado, e Lukas, um pouco de suco de laranja. Verity não
ficou decepcionada ao descobrir a verdade por trás do truque de mágica, era a
primeira vez que via irmãos gêmeos tão parecidos e divertiu-se muito com as
histórias que eles tinham para contar.
— Três anos, quem diria. Onde estiveram
esse tempo todo? — perguntou Cynthia.
— Nós começamos nossa viagem por Hoenn,
uma terra fantástica, nos sentimos em casa lá apesar do clima e a povo ser tão oposto
ao de Sinnoh. Os melhores coordenadores do mundo são de lá. Depois fomos até
Kalos para visitar Lumiose e a Prism
Tower, conhecemos muita gente bacana. Ano passado fomos a Alola só para
aproveitar, nossos Pokémon é que se divertiram. E agora, qual o destino? —
Lukas perguntou para seu irmão.
— Unova. Depois Johto, por último não
pode faltar Kanto. Quero visitar todos os lugares que puder.
— Vocês estiveram em Dewford também? —
perguntou Dawn.
— Sim, sim. Lá tem uma caverna irada
conhecida como Granite Cave — disse
Luke. — Fiquei tentado a capturar um Pokémon novo para o time.
— A ilha é linda, não? Passei toda minha
infância lá com meus pais porque eles estavam sempre envolvidos em pesquisas na
região.
Um silêncio ligeiro percorreu a sala.
— E a propósito, Dawn... Meus pêsames por
sua perda. — Lukas comentou. — Nós não pudemos vir ao enterro.
— Obrigada. Nós o enterramos aqui fora no
jardim, fica tudo tão florido na primavera... Querem ir ver depois da janta?
Aposto que seus Pokémon ficariam contentes também.
Durante a janta, Luke teve uma conversa agradável
com Cynthia sobre Garchomps e estratégias avançadas. Apesar da ex-campeã nunca
mais ter tentado reconquistar seu posto, ela podia dizer que estava vivendo seu
auge por ter uma garota incrível como Dawn para compartilhar esses momentos.
Dawn inclusive aceitara Verity como sua própria filha, ela era tão amável,
sempre levara jeito com crianças. A mais nova amava Duke, dizia que quando
completasse 10 anos seu inicial seria um Piplup e ela também não o deixaria
evoluir. Luke já não agia mais com ciúmes perante Cynthia, seu relacionamento
com Dawn lhe ensinara muitas coisas, ele estava verdadeiramente contente por
ver as duas tão felizes.
Terminada a refeição, Luke ficou para
lavar as louças, o que pareceu um milagre. Dawn levou Lukas para o jardim da
casa, um vento gélido soprou do oceano, era possível enxergar o hálito quente assumindo
formas no ar.
Dawn vestiu seu gorro e caminhou o
percurso todo com o braço enganchado no seu companheiro para que ficassem
quentinhos. Assim que chegaram ao túmulo, o garoto apoiou os joelhos no chão e
fez um cumprimento. Ali estava enterrado o Aggron de Dawn, que falecera certa
noite por já ser bem velhinho. A conversa sobre Dewford e a Granite Cave a lembrava do dia em que seu
pai capturara o pequeno Aron.
— Ei, senhor Atros. Eu trouxe alguém para
te ver.
Ele sacou uma pokébola de onde saiu sua
Espeon. Dawn também liberou a Glaceon e Leafon, os Pokémon que eram pais da
Eevee que hoje viajava o mundo ao seu lado. Milady rodeava Eva como se a enchesse
de carícias, Isaac a consolava com um jeito paternal.
A Espeon sentou-se ao lado de seu treinador
e ficou encarando o túmulo por infindáveis minutos. Ela encostou o focinho no
mármore e começou a chorar baixinho.
“O
Sr. Atros foi um guerreiro incrível, ele protegeu nossa família como se fosse a
dele. Que ele encontre seu descanso merecido”, foram as palavras de Isaac,
o Leafeon.
— É. O tempo não espera ninguém... —
murmurou Lukas que assustou-se ao perceber que Dawn também chorava. Ele a
envolveu num abraço forte, compartilhando de sua tristeza.
— Desculpa — falou Dawn. — Eu sempre
acabo chorando... senti tanta falta de vocês.
— Nós estamos aqui agora. Desculpe-nos
por tê-la deixado esperando.
Ela limpou o rosto e esforçou-se para
sorrir. Dawn sempre fora boa em esconder sentimentos.
— Me diz, como anda a Paula?
— Ela está bem, mas não temos nos visto
muito. Não é fácil ser deusa. Acho que tirei esses anos todos para me dedicar
ao meu irmão. Nós estamos mais próximos do que nunca e eu fico feliz por isso.
Depois que ele ganhou a Liga, morri de medo de que seguíssemos caminhos
opostos. É muito egoísmo desejar que alguém fique para sempre com você?
— Claro que não, querido. Às vezes também
penso nisso, que Palkia poderia convencer Dialga a voltar no tempo, sabe?
Trazer pessoas de volta. Corrigir erros que cometi durante a vida.
— E Dawn Manson já cometeu algum erro?
— Primeiro, eu me certificaria de não ter feito feio na frente dos seus pais quando cozinhei as batatas gratinadas. — Ela riu e deu uma tossida. — Talvez eu também devesse ter me dedicado mais
à minha carreira como pesquisadora quando era assistente do Profº Rowan, mas te contei que comecei faculdade na área? Se eu tivesse corrido atrás disso antes, nosso futuro todo teria sido diferente. E se eu não
tivesse saído naquela jornada com vocês? E se o Luke não tivesse me salvado
quando quase me afoguei? E se eu tivesse seguido outro sonho, tipo virar médica?
Onde nós estaríamos nesse exato momento?
— Se eu tivesse os poderes de Dialga, minha
existência seria triste — respondeu Lukas. — Eu detestaria mudar uma fase que
foi tão boa para mim.
— Acompanhar os sonhos de vocês foi tudo
para mim. Às vezes sinto até uma invejinha, acho que eu queria uma história
para contar sobre as minhas conquistas também, mas quando me olho no espelho e
vejo essa Dawn de vinte anos, percebo que isso não é nem de perto o que
planejei para minha vida, mas é bom! É engraçado que a gente pensa que quando envelhece
encontra a resposta para tudo, mas a verdade é que surge um vazio que começa a
aumentar na medida que percebemos que não temos o controle de nada.
— Quer dizer que você não está feliz?
— Sim, claro que estou! Céus, eu amo tudo
o que tenho hoje. É só que... nossa, como é difícil dizer adeus para as coisas
que amamos, não é? Hábitos, projetos, rotina, pessoas, familiares, Pokémon...
Tudo que eu sabia e queria girava em torno de vocês. Eu fui uma boa companheira
de viagem?
— Dawn, você foi a melhor companhia que
poderíamos pedir. Nós não teríamos chegado tão longe sem você. A nossa aventura
foi o maior espetáculo de nossas vidas, e não pense que você foi inútil, seu
apoio é o que nos motivava a continuar seguindo em frente. Acho que conforme
vamos envelhecendo, passamos a valorizar mais os pequenos momentos, sabe? Um
jantar em família, uma conversa sincera.
— Ah, Lukas... Os meus sonhos sempre
foram os de vocês, não é?
Quando eles se deram conta já passava das
duas da manhã. Cynthia ficou alta depois de duas garrafas e meia, ela
conversava com Luke como se fossem colegas de escola, discutiam por qualquer
besteira e terminavam rindo sem parar. ra sempre tão cheia de energia e
entusiasmo — cativante, era a palavra —, por isso não se impressionava dela ter
conquistado o coração de Dawn.
— É, minha loira favorita... Espero que
você esteja cuidando bem dela, ouviu? — afirmou Luke.
— Melhor do que você, com certeza. —
Cynthia falou com indelicadeza, mas não pôde segurar a risada.
Ela ficou brincando com a ponta do dedo
no contorno de sua taça. Era boa de bebida, mas já estava começando a ficar com
sono e não raciocinar bem. Quando isso acontecia, sempre dizia mais do que devia.
— Ela é uma menina de ouro e eu jamais
faria algo para feri-la... Estou feliz que vocês estejam aqui. O amor de vocês
é lindo.
— Obrigado, isso significa muito. Sabe o
que eu não entendo quando as pessoas falam de amor? Pensam que só se ama quando
se prende, como se houvesse essa necessidade de colocar um título “ele é meu namorado”, “ela é minha namorada.” Não é preciso beijar ou
estar junto pra provar o amor. Você também pode amar se deixar a pessoa ir,
entende? Você zela por ela, torce por seu sucesso e guarda no coração tudo que
vocês passaram juntos.
— É, Luke Wallers, você amadureceu —
Cynthia terminou de beber seu vinho e se levantou. — Qualquer dia desses você
podia se juntar a nós duas, o que acha?
— Eita, sério mesmo?
— Não.
— Aww... — Luke fingiu desapontamento e
acabou rindo também. — Sou fã de vocês duas, serião! Uma completa a outra. Eu
sou abençoado por não precisar sair procurando minha cara metade, porque já
nasci com ela.
Dawn auxiliou Cynthia a subir as escadas
e colocou Verity para dormir visto que sua mãe não estava em condições. Ela
apresentou o quarto para os meninos e saiu para pegar cobertores extras. Lukas
se pegou pensando no assunto de antes, como teria sido sua jornada sem Dawn? Era
ela quem tinha remédios quando alguém ficava doente, ela se certificava de
trazer mantimentos até a próxima parada, ela lavava suas roupas, ela era
carinhosa e prestativa. Dawn sempre estivera ali por trás dos bastidores
fazendo o que mais ninguém se lembrava de agradecer.
Enquanto dobrava suas roupas, Luke
deitou-se de braços esticados ao seu lado, caindo de sono.
— Alguma vez você já teve vontade de
recomeçar nossa jornada? Fazer tudo de novo.
— Quer que eu peça para a Paula? —
perguntou Lukas.
— Nem a pau, só de pensar em ser
sequestrado, enfrentar o Volkner ou perder a Titânia já me dá calafrios! É só
uma vontade repentina mesmo. É que nos divertimos muito naquela época e, sei
lá... eu não sabia o quanto era feliz até acabar.
— Luke, nós acabamos de completar dezoito
anos. Quem pode prever as experiências que vivenciaremos até a velhice? Viver é
uma aventura por si só.
— Pode crer — ele murmurou e acabou
esbarrando em um punhado de papéis que estavam organizados, derrubando-os no
chão. — Ih, foi mal cara, deixa que eu pego... Ei, esses são os manuscritos do
seu livro? Aquele que você me disse que iria escrever sobre nossos Pokémon
quando ganhei na Liga?
— É, sim. Já terminei, mas estou
revisando.
— Que irado, irmão. Mal posso esperar
para que você publique logo e o mundo conheça essa história.
— Ah, às vezes bate uma ansiedade, sabe?
E se as pessoas não gostarem?
— Bom, mesmo assim eu vou ler. Eu posso
não ser o melhor leitor por aí, mas sei que vou gostar, eu sou o seu maior fã!
E não digo isso só para puxar saco. Você escreve com o coração, cara. Sua
escrita é doce. A Dawn também vai adorar ler, e tem o Stanley, a Vivian, a
Marley, acho que até aquele metido do Riley iria querer um, ele sempre estava
com um livro na mão. Aposto que o tio Glenn compraria uns dez, e tem o tio
Marshall e o Erick, papai e mamãe, a galera da Elite... Cara, público é o que
não falta!
— Obrigado, Luke. Prometo não
desapontá-los. Eu não vou desistir.
Seu irmão esticou a mão e os dois fizeram
um cumprimento que só eles compreendiam.
— Quando saímos para nossa próxima
aventura? — perguntou Lukas.
— Amanhã. E vamos levar a Dawn.
A garota logo voltou trazendo dois
cobertores quentinhos para eles.
— Estão confortáveis? — ela perguntou,
meiga como era.
— Pô! Já tô me sentindo em casa —
respondeu Luke com a cabeça no travesseiro e os braços para trás. — Sério,
Dawn, você é incrível. Não deixe nunca ninguém dizer o contrário.
Ela apoiou o rosto no batente da porta e
sorriu.
— Que bom que vocês não se esqueceram de
mim...
— E como poderíamos esquecer a melhor
fase de nossas vidas? — disse Lukas.
Dawn sentiu uma sensação estranha no
coração, porém muito familiar — um aconchego, um aperto gostoso, uma segurança.
Sentia-se como uma menininha aventurando-se por toda Sinnoh ao lado deles. Daqui
alguns dias eles iriam embora de novo, e sabe-se lá quando os veria, porque a
vida é feita desses pequenos momentos, nascem as asas e precisamos voar. A vida lhe mostrou que quando se envelhece não
há tempo para viver como antes, mas quem quer, sempre arranja. E, se pudesse,
ela reviveria aquele sentimento repetidas vezes enquanto lhe dessem esse
direito.
— Boa noite, meus queridos. Até a nossa
próxima aventura.