Entrelinhas do Fim de uma Jornada
— Moça, já curou os meus Pokémon?
— Só um momento.
— Moça, eles já melhoraram? Não consigo parar de pensar
nisso.
— Aguarde um instante.
A enfermeira estava prestes a perder a paciência, mas por
sorte seu estoque de paciência estava bem cheio naquele dia. Virou-se então e
sorriu da melhor maneira que pôde.
Tchu-tchu-tchu-ru-ru~
— Prontinho! Seus Pokémon já estão todos curados e em boas
condições. Eles estavam realmente muito feridos, mas nada que um bom descanso e
alguns Max Revive não resolvam. Aqui
estão eles. Volte sempre!
— Ufa, então agora podemos começar.
Luke Wallers já imaginava que sua vida não iria mudar depois
que se tornasse campeão. Havia percebido isso há pouco tempo antes de alcançar
oficialmente o nível mais alto que qualquer treinador de Sinnoh desejaria,
assim como seu pai um dia alcançara e mantivera o posto durante mais de uma
década.
E agora? O que faria? Nos últimos tempos os campeões da
região estavam fadados a terem de passar o resto de seus dias sentados em um
escritório, e alguns eram tão jovens e sem experiência que ficavam jogando vídeo
game para passar o tempo enquanto assinavam papeladas que não sabiam para que
serviam, entregues por adultos que os manipulavam por dentro e aos pouquinhos.
Sabia bem como a coisa toda funcionava. Vira seu pai tomar
conta de uma região inteira por mais de 10 anos, tendo sido considerado por
muitos os “Anos Dourados”. Todavia, aquele trabalho todo de batalhar e governar
parecia ser bem maçante e mal planejado. Campeões que trocavam de cargo
frequentemente não davam a oportunidade de bons projetos serem iniciados, sendo
que o novo responsável sempre tinha planos diferentes. Havia todo um conflito
de ideias e mal planejamento. Afinal de contas, quem decidira juntar as duas
coisas?
Luke Wallers chegou a uma simples conclusão. A primeira
grande decisão que tomou foi:
— Quero que o cargo de campeão seja separado. O campeão
batalha e protege a Elite dos 4, é o organizador da Liga Pokémon, um evento que
deve manter suas origens; enquanto uma segunda pessoa deve governar a região. Um
líder nato, um guia para a nação continuar crescendo. Trabalhos separados e
independentes um do outro.
E a segunda foi:
— Eu renego ao meu cargo de campeão. Valeu, falou.
Luke Wallers desceu as escadarias do castelo da Liga fazendo
sinais de paz e amor com as duas mãos, pegou sua bicicleta e saiu pedalando.
Pois bem.
Não é preciso dizer que a decisão chocou todo o continente,
tendo sido muito comentada pelo recorde que Luke Wallers acabara de quebrar: O Campeão
que menos ficou no poder. Menos de 48 horas.
A decisão pode ter sido precipitada, mas de maneira alguma
mal planejada. Luke era apenas um garoto de 15 anos, o que poderia fazer para
mudar uma região inteira que não fosse sair com os amigos e jogar vídeo games?
Ele ainda era uma criança, no máximo um pré-adolescente, e não fazia questão
alguma de tentar ser mais do que isso. Se o povo de Sinnoh esperava por
mudanças, então não imaginaram que seriam aquelas. Ike Smithsonian foi mantido
como campeão da Liga até que um próximo torneio fosse realizado no ano seguinte,
e com isso, sua Elite dos 4 também se manteve intacta.
Para a surpresa de muitos, Walter Wallers candidatou-se como
possível governador de Sinnoh. O velho
campeão de ouro retornou! — diziam as manchetes, e não faziam questão de
vê-lo batalhar ou proteger um título, contanto que fizesse a sua parte em guiar
a região para dias prósperos.
Walter foi o vencedor com mais de 90% dos votos.
— Nossa família de volta ao poder — concluiu Luke Wallers,
contente.
Estava com as mãos atrás da cabeça enquanto sentava-se em cima
de uma parede de rochas próximo à praia, sentindo a brisa bater em seu rosto.
Os jornais comentaram muito seus feitos, mas ele não ligou. Nunca dera muito
importância para o que falavam dele, contanto que não mexessem com seus amigos
e família.
— E nem adianta dizer que mexemos por debaixo dos panos,
porque foi tudo autêntico e elaborado — continuou o rapaz, fazendo com que
Lukas desse uma ligeira risada.
— Acha mesmo que o pai não está velho demais para tomar conta
dessas coisas de novo? — indagou Lukas.
— Qual é, o velho sempre adorou tudo isso! Ele curte resolver
problemas, tá no sangue da família lidar com imprevistos e pressão. Melhor do
que ficar sentado na poltrona de casa dormindo e assistindo Big Brother de
noite. Eca! Foi ele quem sugeriu tudo isso, acha mesmo que essas ideias
mirabolantes viriam dessa cabeça vazia aqui?
— Com certeza não — Lukas pegou-se rindo.
— Pois é... — Luke comentou com a voz baixa. — E o que
fazemos agora?
A brisa leve soprava, cada hora para uma direção diferente,
exatamente como os instintos e o rumo que os jovens meninos tinham no momento.
Absolutamente nenhum.
— Acho que vamos ter que percorrer todo o percurso que fizemos
em nossa aventura de novo para chegar em casa, — comentou Lukas — só que o
caminho oposto.
— Cara, que merda. Mas a descida sempre é mais rápida, não?
— Claro que sim. Você provavelmente vai sair rolando...
— Tá me chamando de bola, pivete? — indagou Luke. — Não
esquece que nós somos gêmeos, demorou?
E os dois acabaram caindo na risada, pelo simples fato de não
terem mais com o que se preocupar. Estavam livres!
Um único capítulo seria muito pouco para descrever o percurso
completo desses dois gêmeos tão amados, caso contrário, seriam necessários
outros 100 para compartilharmos todas as desventuras que os Irmãos Wallers
arranjaram mais uma vez. Amigos, rivais, líderes de ginásio e companheiros de
aventura estiveram em sua rota de retorno a oeste de Sinnoh, todos desejando as
congratulações sinceras aos mais novos campeões e top coordenadores que faziam
seu retorno ao lar. A volta para casa traz um único objetivo: Chegar. Sempre há
uma ligeira mudança no caminho, mas que não difere do destino principal. Dessa
vez não havia interesse em explorar áreas desconhecidas, somente conhecê-las
com mais detalhes; não havia necessidade de provar para ninguém que eram os Melhores.
Era começo de Janeiro, e muitos treinadores novatos acabavam
de sair em jornada. Luke sentiu uma enxurrada de nostalgia atingir suas
lembranças quando viu três crianças e seus iniciais rumarem pela Rota 201. A
caverna onde Lukas se abrigara numa tempestade de neve ainda estava lá, vazia e
incólume. Nenhum outro treinador ousara invadir os territórios dos Pokémon que
lá habitavam.
Incontáveis páginas, milhares de palavras e anos de viagem...
Resumidos em um parágrafo, retomando as entrelinhas do início de uma jornada.
Twinleaf Town. A pequena cidade do
interior estava lindamente iluminada pelos primeiros raios de sol da manhã.
Fazia um calor dos infernos, Lukas até chegou a sentir falta da neve e do clima
ameno de quando saíra de casa nos feriados para passar um tempo na casa dos
avós. Enquanto Sinnoh inteira passara por estações diferentes e mudanças
frequentes, aquele pequeno vilarejo não fora afetado em nenhum sentido. Parecia
que nem mesmo as árvores haviam perdido suas folhas.
A fumaça já saía lentamente da chaminé visível de sua casa.
— Mamãe deve estar preparando o almoço — disse Lukas,
contente. — Liguei para ela e falei que chegaríamos dentro de uma horinha de
Sandgem. Falta muito pouco, irmão!
— Cara, sabe do que eu preciso? — indagou Luke.
— Diga — respondeu Lukas.
— Comer. Comer muito. Tipo, eu acho que estou com a fome de
uma capivara obesa, pra você ter noção. Estou morto de fome, e não me leve a mal,
pivete, mas enjoei da sua comida.
— Puxa, que consideração pela pessoa que cozinhou para você
nos últimos anos. Café, almoço e janta. E com direito à sobremesa! Mas, tudo
bem, calculamos mal ao deixar a comida acabar semana passada.
— Ainda sinto os miojos estragados da Dawn rondando meu
estômago — Luke grunhiu. — E eu necessito daquele carinho da mamãe e do tempero
especial do pai, compreende? Acho que vou comer tanto que vou ficar mais gordo
do que aquele seu Gastrodon.
— A mãe me contou também que chamou um pessoal para ir
comemorar. O tio Glenn e o tio Marshall com certeza estarão lá, até o Erick!
Espero que a Vivian e o Stanley também apareçam a tempo. Fora os nossos Pokémons,
né. Em casa não falta comida! E a família Wallers nunca dispensa uma boa
celebração.
— Vamos ter uma festa justa agora?
Porra, só porque eu queria chegar e usar o banheiro em paz... Nem lembro a
última vez que tive essa liberdade e solidão para com meus pensamentos.
A pequena residência dos Wallers seria palco de uma festa
para todos os amigos mais próximos, e também alguns penetras. Toda a ex-elite
estava presente, Glenn Combs, Marshall e Erick já faziam parte da mesa mais uma
vez, ajudando na cozinha e esgotando o estoque de bebidas refinadas do velho
Walter. Cynthia e Dawn chegaram juntas, e Luke surpreendeu-se quando recebeu
sua namorada na porta. Ela estava radiante, com um pequeno laço na cabeça e roupas
de verão. Fazia tanto tempo que não a via! Mal podia esperar para passar
algumas horas só com ela, pois tinha algumas coisas importantes a serem ditas. Vivian e Stanley chegaram pouco tempo
depois, e que sensação incrível foi aquela de ver todos os companheiros de
jornada reunidos mais uma vez após o final de uma longa temporada que já se
estendera há tanto tempo.
— Sabe o que faltou aqui? Gente pra gente falar mal —
comentou Vivian. — Vocês chamaram a nariguda da Clarisse? Eu também estava a
fim de zoar um pouco a Marley, ela decidiu soltar o cabelo que está bem longo
agora. Parece uma gótica, definitivamente.
— Nós chamamos, mas
não sei se eles virão. Já acho que não seria uma ideia muito inteligente
colocarmos Vivian, Marley e Paula num mesmo ambiente a menos de 1 km de
distância uma da outra — Lukas respondeu com um sorriso.
— E falando em Paula, como vai sua namorada? — indagou
Stanley.
— Infelizmente não pôde vir hoje, ela está ocupada no
conselho garantindo o equilíbrio do universo para que a raça humana não seja
pulverizada — falou o coordenador, o que fez Dawn soltar um longo suspiro.
— Ela definitivamente é bem
importante.
Enquanto os jovens conversavam em sua roda de amigos, Fantina
deu as caras numa visita rápida, só para dar um abraço em seu adorado Luke, o
que obviamente não tinha nada a ver com o fato de Walter estar lá (a verdade é
que a velha líder de ginásio Ghost-type já era velha quando Walter iniciou sua
jornada, e ainda hoje o achava um gato, então não demorou para que Melyssa
desse cabo dela pelos fundos).
Roark compareceu para parabenizar o amigo e ficou algum
tempo, mas logo teve de retornar à Oreburgh para checar a papelada para mais
uma faculdade que estaria começando a cursar, o que foi uma bela notícia para
os demais. A família inteira se surpreendeu quando tia Martha e Proton também
chegaram trazendo presentes e TMs falsificados de todos os tipos. Marshall
permaneceu indiferente, e mesmo com a presença de dois dos maiores criminosos
da região continuou tomando seu café ao afirmar: Estou de folga hoje. Só não venham aprontar demais.
Todos conversavam e
riam, como uma família grande e feliz novamente. Ike também fora convidado, mas
decidira por não ir. Luke Wallers já tivera muito dele nos últimos dias, mas,
puderas, era preciso dar umas férias para o garoto. Junto de seus companheiros
de trabalho, Ike logo iniciou a reconstrução da fortaleza destruída e planejou
o caminho que a Liga Pokémon tomaria nos próximos dias.
Aquela não era uma festa para comemorar a vitória de Luke em
especial, afinal, ele não era mais o campeão. Era só mais uma daquelas reuniões
de família nas tardes de domingo, com pães de forma, alguns frios, café e chá. Os
velhos jogavam conversa fora, os mais novos tagarelavam sobre os mais variados
assuntos irrelevantes. Melyssa e Walter observavam tudo contentes, satisfeitos pela
casa cheia e, acima de tudo, completa mais uma vez.
Selena estaria orgulhosa! — a mãe pensou com um
sorriso no rosto.
Por volta da tarde, Luke e Dawn saíram um pouco da casa,
aventurando-se pelas proximidades do vilarejo e distanciando-se dos demais,
procurando um pouco de privacidade.
— Aonde vai, parceiro? — indagou Stanley para o amigo,
recebendo um tapão de Vivian.
— Isso é coisa que se pergunte para um casal? — A ruiva
bufou. — Se eles querem ficar sozinhos, deixa os dois sozinhos, poxa! É tão difícil ser discreto?
— Não é nada disso, gente — disfarçou Luke. — Eu só queria ter
uma conversa com a Dawn.
— Ihh... — Stanley já fez uma careta. Sabia muito bem o que
aquela frase significava. Vivian conseguia ser ainda menos discreta.
— Ahh, sim. Eu pensei que vocês fossem, tipo, fazer sexo
selvagem — Vivian brincou. — Beleza então, assim que voltarem a gente continua
a comemorar, mas enquanto estiverem fora vamos falar mal de vocês, já deixo
avisado! Heh, heh.
Dawn corou um pouco, e de mãos dadas os dois foram seguindo
até os arredores do Lake Verity,
exatamente onde foram atacados por Starlys e viram o guardião Mesprit pela
primeira vez. Eram tantas lembranças! O lago estava lindo, brilhante. Radiava
uma cor azulada pura e permanecia intocável.
— Dawn, você não vai acreditar...
— Sim, Luke?
— Achei as minhas pedras, cara! Lembra delas? Eu as escondia
aqui no tronco desse pinheiro velho, ninguém mexeu nelas. Minhas pedras fósseis
desenhadas com canetinha, huh, huh. E eu dizia na época que me tornaria um
famoso treinador com Pokémons Ancestrais. Meu Bastiodon iria curtir essa
história! Cara, tô ficando velho...
— E eu me lembro que você quebrou minha pokéagenda aqui —
Dawn disse com uma risada. — Foi assim que nos conhecemos.
— Eu pensei que você fosse me bater.
— Eu só bato se você pedir — ela brincou, dando soquinhos de
leve no ombro do rapaz.
Os dois correram mais um pouco até se distanciarem da
entrada, onde por fim alcançaram uma clareira e se jogaram no chão, onde
permaneceram a encarar o céu límpido de braços estendidos, ainda de mãos dadas.
— Ainda não acredito que você desistiu do posto de campeão —
murmurou Dawn.
— Ah, foi bom saber que cheguei lá, mas eu nunca daria um
campeão tão bom quanto meu pai. Ainda sim, sou um andarilho. Estou disposto a
lutar contra treinadores extraordinários que me desafiarem para uma batalha!
Nunca fujo de um desafio.
— Você não muda mesmo, Luke Wallers...
— Ei, Dawn, eu queria perguntar o que você vai fazer na
próxima semana?
A moça encarou-o com olhos um pouco assustados. Pareciam
esconder algo.
— Bem, eu... Já tenho compromisso.
— Sério? E o que é?
— Eu e a Cynthia combinamos de ir a um show na região de
Kalos. Vamos ficar lá um tempo. Acho que... uns dois meses. Espero que não se
importe.
Luke até mesmo chegou a sentar-se ao ouvir aquilo, mas não
demonstrava frustração por ter sua namorada “roubada” por outra mulher. Pelo
contrário, ele parecia bem contente.
— Cara, você se deu bem com essa moça mesmo! A Cynthia é
maneira, quero desafiá-la para uma batalha um dia. Meu Garchomp seria um forte
oponente contra o Garchomp dela.
— Daria mesmo, e ela te adora! — Dawn falou. — A Cynthia é quase
que uma mãe para mim.
Luke virou-se meio pensativo. Suas mãos suavam e ele olhava
para os lados mesmo sabendo que ninguém iria espiá-los. Por mais que fosse
conhecido por dizer o que pensa e geralmente não saber lidar com imprevistos,
aquelas palavras pareciam estar matutando em sua mente faz um bom tempo.
— Engraçado... Eu queria falar com você justamente porque
estou querendo sair em uma viagem com meu irmão. Acho que para Hoenn, não sei. E
tipo, nem faço ideia de quando vou voltar. Quero encontrar novos treinadores,
conhecer mais pessoas! Mas vou nessa viagem pra passar um tempo com ele,
explorando o mundo. Espero que não se importe também.
— Não, não. Claro que não.
Os dois se mantiveram em silêncio por minutos cruéis. Será
que realmente estava para acontecer o que ambos pensavam? Os pensamentos
pareciam compartilhados. Luke e Dawn viraram-se um para o outro e falaram quase
que ao mesmo instante:
— Eu queria perguntar...
— Ops. — Dawn deu uma risadinha meiga.
— Diz você primeiro — Luke respondeu de maneira galanteadora.
— Não, fala você.
— Beleza. Não me leve a mal, mas... Sabe o nosso namoro?
Dawn piscou e sua boca se abriu num claro sinal de surpresa.
— Não me diga que você quer terminar comigo.
Luke engoliu seco ao ouvir tal afirmação. Para sua surpresa,
a moça não ficou frustrada ou começou a espernear na tentativa de dar-lhe um
soco no nariz. Teve uma reação bem, digamos assim, pacífica.
— Você vai acreditar que eu queria comentar justamente disso com
você?
— Tá brincando?
— Olha, Luke... Já passamos mais de 100 capítulos juntos, e
rolou uma coisa ou outra, mas... Faltou química, sabe? Você é meu amigo, mas
tão amigo, tão amigo que eu tomaria banho junto com você. Ambos queríamos
alguém que nos fizesse companhia, alguém para sempre estar junto. No fim de tudo
acho que encontramos, mas o que foi nosso já é o suficiente.
— Também quero conhecer novas pessoas, continuar voando,
entende? — Luke Wallers respondeu, aliviado.
— Sim, perfeitamente. — Dawn concordou. — Gosto muito da
Cynthia também, então eu e ela queremos ter um tempo pra viajar, conhecer o
mundo. Vai ser divertido para nós duas, uma experiência e tanto!
Luke arregalou os olhos.
— Vocês são... lésbicas? Uau. Nossa, isso é muito... sexy.
— Claro que não!! É só que, augh!
Como você é complicado!
E sempre que Dawn começava a ficar brava, Luke a abraçava com
carinho, de tal forma que ela perdia todos os argumentos. Ali, deitados na
grama macia do Lago da Verdade, os dois sentiam-se mais uma vez como as
crianças que se conheceram, tão diferentes uma da outra, e que ainda sim
aprenderam a se amar.
— E é por isso que te amo tanto — Dawn respondeu
completamente derretida, compartilhando do abraço.
Quando um finalmente encontrou coragem para afastar-se do
outro, Luke esticou a mão em direção da moça e falou:
— Amigos?
— Amigos — ela confirmou, entrelaçando seus dedos nos deles,
e aquilo quase soou como uma confissão de uma paixão da mais pura.
— Quem sabe no futuro rola alguma coisa, caso o tempo
continue cumprindo sua função e nós dois saibamos esperar — disse Luke. — Cara, todo mundo vai ficar
uma fera quando souber... Já vou me preparando pra ouvir muita merda. Mas, quer
saber? Estou feliz!
— Nós dois estamos. Fico ainda mais contente por saber que
poderei continuar mantendo essa amizade — continuou Dawn.
— E a propósito, aquela parada do banho... Ainda é válida pro
seu amigão aqui? O lago tá aí do lado, e com esse calor, eu não me importaria
de nadar pelado.
Dawn devolveu uma risadinha maliciosa.
— Acho que é por isso que me apaixonei por você. Mas não
esquece que eu não sei nadar, hein?
O sol preparava-se para desaparecer atrás do grandioso Mt.
Coronet. Provavelmente Paula conversara com Groudon para dar aos humanos mais
alguns dias de calor de modo que eles aproveitassem a manhã o máximo possível,
mas era chegada a hora do anoitecer, onde Lady Cresselia abençoaria o anoitecer
com estrelas brilhantes e o silêncio, em sua eterna vida ao lado do Conde
Darkrai.
Era chegada a hora dos convidados irem voltando para suas
casas. Dawn despediu-se de Luke com um abraço e prometeu visita-lo em breve,
afinal, Sandgem não ficava muito longe e ela adoraria ouvir as muitas histórias
que ele ainda tinha a contar sobre suas batalhas na Liga Pokémon.
Quando somente a família Wallers estava presente, Walter e
Melyssa abraçaram seus filhos com ternura, lembrando-se do dia em que ainda
estavam em dúvida sobre deixa-los sair em jornada com seus estranhos iniciais,
um Gible e um Pachirisu!
— Veja como estão... — sussurrou Melyssa. — Cresceram mais
ainda, é melhor pararem, pois quero que caibam em minhas asas enquanto eu tiver
esse direito.
— Meus amados filhos... Vocês me surpreenderam. Eu estive
esperando pelo dia em que voltassem como verdadeiros adultos, e hoje vejo que
vocês realmente cresceram e se tornaram homens, mas mantiveram a essência de
quando eram jovens e começaram suas jornadas, e nada pode tirar isso de vocês —
disse Walter Wallers.
O velho colocou a mão no ombro de cada um e sorriu:
— Eu estou orgulhoso de vocês dois. Nós estamos.
Somente um filho saber dizer o quanto aquelas palavras eram
importantes, principalmente vindo de alguém que tanto respeitavam quanto seus
próprios pais.
O quarto dos irmãos estava perfeitamente arrumado, tudo em
seu devido lugar, apesar dos dois provavelmente terem deixado tudo uma bagunça
quando saíram de casa às pressas no início de suas aventuras. Lukas tocou o
lençol de sua cama e deitou-se nela, Luke subiu na beliche e um soco de
nostalgia acertou o seu pâncreas.
— Caraiooooo! Pivete, meus pés estão saindo pra fora da cama!!
Fazia tanto tempo assim que não voltávamos para casa?
— Ainda não caiu a ficha pra mim... — comentou Lukas.
Quando eles foram se deitar era pouco mais que as 22h, mas
ficaram conversando por horas e mais horas, sem se preocupar com vizinhos, e
por isso riam e falavam alto.
— Nada melhor do que
dormir em sua própria cama e com seu travesseiro! Nada contra hotéis e Centros
Pokémon, mas meu quarto é o meu
quarto. Aqui dentro, eu sou rei — brincou Luke. — E por sinal, pivete, quando é
que você vai apagar essa droga de luz?
Lukas estava aparentemente lendo um livro na cama de baixo. Luke
ficou de ponta cabeça, espiando-o de cima quando seu irmão parou de escrever e
encarou-o com um ternura.
— O que você tá lendo? — indagou Luke.
— Alguns rascunhos e anotações que fiz de nossa jornada.
— Tipo um diário? Que coisa gay.
— É. Tipo um diário. Mas até onde sei, eu ainda namoro uma
deusa, e você está solteiro. Hah, touché.
Luke voltou para sua cama e esticou os braços atrás da
cabeça, soltando um longo suspiro de aprovação.
— Solteiro, sim, sozinho, nunca! Hah, hah.
— Você vai me agradecer no dia em que eu publicar a história
de nossa vida ou fizer um mangá sobre a maneira como eu enxergo nossos Pokémon.
— Ah, então é isso que tu tá fazendo? Uma história nossa?
— Mais ou menos... Não exatamente nossa, mas sobre nossos
Pokémon, como se eles fossem a gente, como se eles tivessem a própria jornada
deles, entende?
— Maneiro. Vou querer ver quando você terminar.
Lukas assentiu com a cabeça contente, rascunhando mais
algumas palavras e rabiscando desenhos no canto da folha. A janela estava
aberta, uma brisa deliciosa entrava pelo cômodo. Ali, no silêncio de seu lar,
lembranças súbitas de tudo que passaram voltaram à tona para os irmãos, quase
que ao mesmo tempo.
Foi a vez de Lukas dizer:
— Sabe, Luke, nestes últimos meses aprendi que existe vida
fora dos livros. É como se nós estivéssemos montando a nossa própria história a
todo instante. E às vezes imagino se no futuro ainda ouvirei minha filha
perguntar: Papai, conta de novo como foi o
dia em que o titio se tornou campeão! E eu responderei: Sim, querida, seu tio era um garoto muito
insuportável e pretencioso na época, mas encontrou seu final feliz.
— Encontrei? — Luke perguntou, meio desconfiado.
— Sei lá. Você é que tem que me dizer.
O rapaz ficou de ponta cabeça na beliche de novo para
enxergar melhor seu irmão.
— Quando é que vamos sair naquela jornada que combinamos?
— Quando você quiser.
— Gostei de ver, mano! A vida não vai esperar a gente acabar um
livro cara, temos que continuar nos aventurando! Vamos ler o que pudermos e
enquanto pudermos. Tudo bem que eu não curto ler, deixo isso pra você, mas deu
pra entender a metáfora, né?
— Escritores também precisam de combustível — Lukas concordou
com um sorriso. — Eu queria que nossa história tivesse uma aura diferente,
aquela sensação que você nunca consegue encontrar em outras produções. É a
sensação de ser humano, com personagens fortes e maduros, mas com o coração de
criança.
— É. Saquei.
— Mas vou demorar bastante pra escrevê-lo, fique tranquilo.
Quem sabe algum dia? Quero surpreender pessoas, quero que elas encontrem nessa
história um refúgio para os que fugiram da vida, uma aventura a ser vivenciada,
um sentido para quem perdeu os motivos de acreditar.
Luke deitou-se em sua cama e olhou para o teto. Os dois
pararam de falar e subentendeu-se que o sono os atingira e era chegada hora de
dormir, já passava das duas da manhã e os jovens haviam tido um dia cheio.
Quem sabe algum dia aquele livro viria a ser criado? Um livro que nos
contou não apenas histórias, mas reuniu vidas. Por fim, Luke e Lukas entenderam
toda a aventura que tiveram até hoje, e o que buscavam. Não se tratava apenas
de ser campeão ou top coordenador, e nem o melhor de todos. Sentiam-se tranquilos,
serenos, sem preocupação alguma em seus corações.
Este era o significado. Finalmente, compreenderam.
Estar em paz.